quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Tanto barulho para nada

Hoje a conversa ao café foi esmorecida. A minha amiga sentia-se mesmo num estado de espírito que eruditamente tentei combater, comparando-a ao insociável e atrabiliário Alceste, enfiada eu no meu papel de amigo Filinto, de aceitação fleumática do mundo impuro, nas suas vaidades e convencionalismos do século XVII. Mas, como sempre, a minha amiga desdenhou da citação extraída do tal "Misantropo" da negra melancolia na sua visão do mundo.
E disse:
- Eu estou farta de ouvir os políticos. Mas isto é assim, toda a gente se farta, não sou só eu.
Não, enganei-me, o Alceste não seria condescendente, no seu discurso burilado em verso atacando a nobreza – os políticos da época. Continuou:
- Muitas palavras, muita crítica, muitos ataques, muitos beijos e abraços, muitas promessas, muitas acusações, muito ruído... Já enjoa. O que vale é que acaba. Mas ainda temos mais de uma semana. Ai, não sei, acho que o país não devia ter tantos partidos, não se devia falar tanto, não se devia esmiuçar tanto... Eu acho que se deviam sentar todos a uma mesa e ver como salvar a situação. Mas não, isto é utopia, ninguém faz isto.
A minha intervenção como Filinto conciliador, dono de uma classe e elegância próprias do “honnête homme” daqueles tempos do Molière, revelava-se inútil, dados os excursos em monólogo da minha amiga, na sua análise sob vários ângulos.
- Agora nós, não sei como a gente vai resolver este problema. Às tantas parece tudo patético e pateta. Cada um diz mal do outro e bem de si. E nós não precisamos de dizer mal deles, estamos dispensados, eles encarregam-se de fazer o trabalho.
- Pois...
- E ainda por cima os canais televisivos dão toda a cobertura, e os comentaristas, e os críticos irónicos, e os Gatos... Tanto barulho para nada. É uma epidemia.
- Pois é, mas...
- Não sei se os outros países... desde manhã até à noite... de noite até de manhã, não sei como aguentam... E andam... Mudam de terra num instante, falam em arruada... Já ouviu esta palavra?
Nunca ouvira, mas achei que devia ser porque se passeavam pelas ruas.
- É estafante! “Dá-me uma raiva!”
E eu a querer identificar-nos com o insociável Alceste e o conciliador Filinto! Não! Desçamos à terra, à nossa terra, sejamos modestas! Prestemos homenagem, antes, ao nosso Raul Solnado, que tão bem nos conhecia.

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