quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

La Fontaine ainda

Quatro buscadores do mundo novo
Escapados quase nus às ondas em furor
-
Um traficante, um nobre, um príncipe e um pastor –
Viram-se reduzidos a pedir esmola,
Tal como acontecera outrora
A um tal Belisário general
Caído em desgraça junto de Justiniano,
Imperador romano.
À beira duma fonte se sentaram,
A sua sorte lamentaram
E estranharam,
Que sendo de diferentes proveniências
E importâncias,
Se vissem igualados e enfiados
Nos mesmos palpos de aranha
Com que o destino insensível
E sempre com artimanha
Lhes quis revelar a vacuidade do nível
Social.
O príncipe era o mais ressabiado
Falando
Na desgraça a que os grandes chegam.
O pastor, mais acostumado
A essas manigâncias do mal
Alvitrou
Que era preciso esquecer
Os maus tratos da aventura
E cada um tentar
O bem comum favorecer.
E acrescentou
: -“Os lamentos vão curar?
Para a bom porto chegarmos
É preciso trabalharmos!”
Um pastor assim falar!
Não são só
As cabeças coroadas
Que possuem o condão
De ter espírito e razão!
Num pastor ou num carneiro
Os conhecimentos podem-se
Plenamente manifestar.
O alvitre do pastor foi bem aceite
Pelos outros três que com ele
Encalharam nas praias da América.
Um – era o traficante- sabia aritmética:
-
“A tanto por mês darei lições”.
- “Eu ensinarei política” -
Disse o príncipe. O nobre prosseguiu:
- “Eu ensinarei heráldica,
Farei escola.”
Como se, em face da Índia
Que era o que se julgava ser a América
Que Colombo descobriu,
Tivesse interesse
Um jargão de tal calibre!
Disse o pastor:
“Amigos,
Vocês falam muito bem. Mas de que vale?
O mês tem trinta dias. Até que se concretize
O que vocês querem que se realize,
Iremos jejuar
Por conta dessa intenção?
A esperança é bela mas recuada,
E eu tenho fome; quem nos vai dar
Amanhã o jantar?
Ou mesmo sobre que certeza
A ceia de hoje é fundamentada?
Antes de outra qualquer coisa
É disto que se trata!
A vossa ciência é curta a esse respeito.
Mas a minha mão vai dar um jeito.”
A estas palavras o pastor se foi
À mata; fez molhos de lenha cuja venda
Durante esse dia e os seguintes
Impediu
Que um longo jejum, enfim, fizesse tanto
Que os outros não pudessem exercer o seu talento.
Concluo desta aventura
Que não é preciso tanta arte
Para conservar a vida.
E graças aos dons da mãe natura
A mão consegue ser mais segura
E de maior eficácia,
Pelo menos inicialmente,
Numa qualquer conjuntura
De realização premente.”

X

Como os quatro náufragos que refere La Fontaine
Que chegaram às Índias Ocidentais
E só mais tarde Vespúcio demonstrou
Serem as Américas
Do Norte, do Sul e as Centrais,
Também nós estamos em naufrágio
E não somos só quatro, mas bem mais.
E a nossa conjuntura é pior,
Sem pesca nem agricultura
Défices estrondosos,
Desempregos penosos,
Em dramática progressão,
Disparidades sociais
De bradar aos céus,
Uma Justiça enfiada
Na geral corrupção...
Valha-nos Deus!
Mas sem convicção
De que Deus nos pode valer,
O que devemos fazer,
Para podermos, ao menos comer,
É, como o referido pastor,
Deitar a mão
À nossa conjuntura,
Nem que seja só na agricultura,
Na pesca e na lenha,
Ao menos para evitar
Pôr a mata a arder
E assim se morrer.

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