segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O umbigo do Buda

Quando o PM ganhou as eleições com maioria relativa ficámos muito tristes, a minha amiga e eu, porque preferíamos que as tivesse perdido por minoria absoluta. Mas como afirma a minha amiga, sempre o Nosso Senhor castiga as ambições, quando a estas faltam asas, derretidas com o açúcar da bica palreira.
Durante uns tempos, chegámos mesmo a acreditar que os vários partidos, que tinham prometido opor-se conscientemente ao que achavam mal no governo anterior, iriam opor-se conscienciosamente ao que se mantinha como má governação no governo minoritário actual. Mas a verdade é que o próprio PM afirma, claro e bom som, que é o governo que governa, não a assembleia. Como repete a minha amiga, “é o governo a gerir, a assembleia não serve para nada, eis a diferença.”
A verdade é que os partidos tinham prometido verificar as contas, mas o orçamento do Estado passou, com três partidos abstendo-se; o TGV vai começar, apesar do que se afirma de acréscimo monstruoso da dívida e do próprio recuo de Madrid em unir-se à Europa por TGV, como antes projectara, por não ser oportuno na actual conjuntura.
“Porque nós somos um país rico”, concluiu a minha amiga. Também na reforma no ensino, que aparentemente não foi avante, mais uma vez se joga com a astúcia e o dolo, no trabalho excessivo e tantas vezes absurdamente inane imposto aos professores, a cretinice magalhanense propícia à suspensão de aquisições básicas de nível motor e cognitivo, na infância, e, assim, à dispersão mental, pelo acentuar do lúdico, do figurativo, da irreflexão.
Mas o PM gaba-se de tudo quanto fez no primeiro Governo maioritário e promete continuar com muita gana no minoritário, sozinho, já que nenhum dos partidos quis conluiar-se com o seu, por isso só poderão ceder, como carneirinhos, às suas imposições, ou arriscar-se-ão a um golpe de Estado que o actual estado de deficiência económica não pode, de modo algum, viabilizar. E os partidos mantêm a sua aparência de mosquitos zumbindo, de roda de um Buda contemplando o seu umbigo. E ainda por cima surdo a quaisquer perguntas, usando a perfídia de um discurso de chantagem. Por outro lado o PR mantém o seu ar seráfico, de uma prudência indigente, atento à “estabilidade” do seu país, naturalmente, mas mais talvez ainda à do seu cargo.
A minha amiga aproveitou para render homenagem ao “Contra-Informação”, que merece o prémio de o melhor programa:
- Eles lá no Contra-Informação é que os arrumam. Até acho forte demais. Eles depenam-nos completamente. As figuras são engraçadíssimas, as vozes são impecáveis, os diálogos de morrer a rir, cheios de oportunidade e de actualidade. Os próprios nomes são maliciosos. O Sócrates, por exemplo é o Trocates.
Aí, discordei:
- Mas disso é que ele não tem nada, não troca uma vírgula dos seus discursos, nem um ricto dos seus esgares, de zanga, de ironia, de autodefesa, de vitimização, de satisfação pelo dever cumprido, de determinação imperturbável no dever a cumprir. E tudo isso, pela exclusiva contemplação do seu umbigo.
- Como um ciclone que leva tudo a eito
, contrapôs a minha amiga explosiva, definitivamente avessa a Buda.

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