segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Livros, uxoricídios, matos, no café da manhã

Como às vezes apontamos a nossa incompreensão pelo êxito mundial de Paulo Coelho, que ambas detestamos, a minha amiga trouxe-me hoje um recorte do “Correio da Manhã”, assinado por Paulo Nogueira, na rubrica “Estação de Serviço”, - “Almas Gémeas e Almas Penadas”, cuja introdução transcrevo, não só por parecer alinhar na nossa incompreensão, como porque a sua graça bem disposta nos fez rir de encanto:
Paulo Coelho vendeu mais cem milhões de livros, em todas as línguas (incluindo algumas mortas que descansavam em paz). Diz que as obras lhe saem a jacto, em duas semanas (nota-se), graças à comunhão com forças ocultas a que chama “a Alma do mundo”. A ideia de que entidades vaporosas dêem de bandeja um romance inteiro a um escritor – e que este venda milhões – é insuportável para a concorrência (como eu, que suo a camisola para gerar uma obra a cada três anos – e não propriamente best sellers.)...
De Paulo Nogueira, com cuja frustração concorrencial nos irmanámos, mas a quem desejámos, generosamente, melhor sorte livresca que a nossa própria, passámos, a propósito das garras do leão da fábula grega, referida no texto anterior, aos inúmeros casos sobre as garras dos homens nas mulheres que os abandonaram. A minha amiga referiu o último – o 27º caso português este ano. Passou-se no Bombarral. A mulher disse ao filho que a fosse buscar ao serviço, pois estava com medo do homem. O filho foi e foi ele que morreu, com um tiro no pescoço.
- E vamos a ver que o ano ainda não acabou. Veja o horror daquela mãe. Chamou o filho para a morte. Os homens vingam-se, quando são postos de lado. Chega-se à conclusão de que deviam estar internados, mas não há meios racionais para impedir estas tragédias...
- Faltam-nos os poderes mediúnicos do Paulo Coelho...
- É horrível tudo isto!
Puxei da minha erudição apaziguadora:
- Mas já é antigo. A própria Medeia – di-lo Eurípedes - para se vingar do infiel Jasão, matou os filhos de ambos e deu-os como refeição ao inconsciente pai.
Seguidamente, a minha amiga mostrou-me belas fotografias dos tempos da sua juventude em Moçambique. E falámos, a propósito de uma delas, do Carungo, uma casa no mato, perto de Quelimane. Considerámos o viver em isolamento destes homens e mulheres, viver requintado, como este no Carungo, mas afastados do mundo. Recebendo muito bem, com as suas horas de leitura, rodeando-se de meios para ultrapassar a solidão, recebendo bem, jogando canasta, mahjong, escrevendo cartas, poemas...

E eis a minha amiga explicando, com o orgulho de quem se passeou grandemente por lá, pela vasta África, a quem se sedentarizou nas suas vastas tarefas de mãe, de professora, de explicadora, de frequentadora de cafés com as amigas dos risos e das lágrimas que a vida traz:
- Eu conheci vários matos. Este do Carungo, dos Lacerdas. Depois conheci a terra de Pio Cabral, chamado Morrua, uma aldeia com tudo, tudo que ele próprio construiu, cinema ao ar livre, posto médico, cantina, casas para os empregados, aeródromo, táxis aéreos... Incrível! Como se estivéssemos nas Caraíbas! De maneira que conheci este mato. Disfrutei deste mato. Sabe como enriqueceu? Com minas de tantalite. Ele era caçador. Caçava nas redondezas. Um empregado dele descobriu a mina. Uma verdadeira mina! Nunca aquela mina acabou. Sempre a dar, sempre, sempre... É claro que ele mandava fazer prospecções. Agora não sei como é que aquilo está. Os filhos estão no Brasil. Ele morreu.
Depois há outro mato que eu conheci. Mato cerrado: Mopeia. Tem um deserto enorme, enorme, onde os caçadores caçavam. Mas lá está! O que é que eu vi? Um casal isolado. Mas havia uma aldeia, com escola primária. Mas todas estas pessoas estavam isoladas! Eu tinha muita consideração por estas pessoas, porque aquilo não era para mim!
- A Irene Gil também costumava falar no viver dessas grandes mulheres - ela foi uma delas – que tanto contributo deram ao alargamento civilizacional de Moçambique. E conta em “Uma Página por dia”. Como era mulher de um administrativo, as recepções eram frequentes, na sua casa, de gente ilustre que contribuiu para toda a sua intelectualidade. E por arrastamento, dos filhos, o Fernando e o José Gil, grandes cabeças no tablado nacional. E creio que internacional.
- Eles lá eram ricos. Ficou tudo sem nada. A história de África é incrível! As pessoas com a vida organizada, tiveram que embarcar... Completamente diabólico.

Um comentário:

Unknown disse...

Gostei muito, estou comovida. Fez-me reviver um passado que foi meu, mas que só vivi pelos outros.
Bj, continuem as duas por muito tempo.