terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A velha escola

Conheci Pedro Mexia por alturas do primeiro Eixo do Mal e senti decepção quando, pouco tempo depois, se retirou. No meio da decisiva vocação do grupo de galhofar e manifestar arrogante desprezo por “essa gente” que logo excluía os intervenientes no debate, de idêntico estatuto desprestigiante, Pedro Mexia sobressaía numa seriedade educada, de intelectual a quem, provavelmente, incomodavam as irreverências e os enxovalhos mais ou menos mascarados de aparente isenção, dos críticos companheiros, preocupados em fazer galas de uma ironia assente em ditames de uma sofismada boa formação moral, pela defesa de alguns direitos, e boa formação política e literária pelo ataque a algumas vilezas e sobretudo a falhas culturais dos governantes menos literatos, traduzindo origens humildes, mau grado a ascensão que, por esforço próprio ou alheio, os tinha catapultado aos altos postos do poder. Embora crítico também, a postura de Pedro Mexia pautava-se pela elegância que o fazia não partilhar a alegre propensão dos companheiros para o disfrute, no respeito humanista por tudo o que é humano.
Lamentei, pois, quando foi substituído, talvez por decisão pessoal de se retirar. Alguns textos dele li em jornais que confirmavam a primeira impressão de intelectualidade e de moralidade, segundo velhos conceitos éticos.
Vejo, na Internet, que Pedro Mexia é um nome já bem expressivo na intelectualidade portuguesa, como escritor que se vai afirmando numa certa densidade de pensamento de formulação moderna.
Li, aí, alguns poemas que me pareceram de grande originalidade, na expressão reflexiva do mundo das coisas, por mais comezinhas, como ponto de partida para uma problemática não propriamente de angústia existencial, embora a pressinta, mas de altiva e positiva mansidão do comentário de irónica ou aguda percepção da realidade exterior e íntima.
Eis dois exemplos:

Duplo Império
Atravesso as pontes mas
(o que é incompreensível)
não atravesso os rios,
preso como uma seta
nos efeitos precários da vontade.
Apenas tenho esta contemplação
das copas das árvores
e dos seus prenúncios celestes,
mas não chego a desfazer
as flores brancas e amarelas
que se desprendem.
As estações não se conhecem,
como lhes fora ordenado
mas tecem o duplo império
do amor e da obscuridade.

Caixa de costura
Nunca compreendi
a caixa de costura.
Testemunha muda
de tardes e gerações
poder feminino
sobre o útil, no fundo
dos carrinhos e dos dedais
devia haver
a esperança.
Este último poema, síntese de um passado de gerações femininas desligadas de uma consciência cultural, indicativo do contraste, pela incompreensão, entre o universo masculino mais racional, e esse universo feminino ainda relativamente próximo, terminando em apelo a mudança, pela autoconscientização da mulher.
Pedro Mexia foi nomeado, ainda em tempo do Director da Cinemateca Portuguesa, João Bénard da Costa, vice-director da mesma e, com a morte de Bénard, director interino daquela.
Esperava-se a sua ascensão ao mesmo cargo do seu antecessor. Tal não aconteceu. Maria João Seixas, figura de bastante destaque também na vida intelectual portuguesa, tem ocupado cargos sucessivos nos governos socialistas e como comentadora televisiva em programas culturais.
Não sei se Pedro Mexia se sentiu frustrado, mas, pelo que li, ele próprio soube apoiar a candidata feminina, continuando na mesma posição de vice-director.
Não pretendo criticar escolhas, apesar do comentário negativo de meu marido, sobre a importância de se ser socialista, no tempo do socialismo ou outro ista qualquer no tempo de outros ismos, para efeitos das ascensões nos cargos. Onde é que eu já vi isto?

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