Mandou-me a minha filha Paula um engraçado email
intitulado SALDOS, com a imagem
de quatro sérias damas grisalhas, sentadas, pernas pendentes, num banco de encosto
com, por trás, um rebordo de folhagem de jardim público, vestidas com blusa e
saia de meia perna, no entretém do seu direito, talvez de coscuvilhice zelosa
dos bons costumes, com, em epígrafe, a frase displicente: «Vende-se: 4
câmaras de vigilância modelo antigo».
Lembrei-me, como resposta à brincadeira, de traduzir
para a Paula a “Ballade des dames du temps jadis” do poeta quinhentista
François Villon, saudoso daqueles luxos descritivos dos poetas e artistas de
antanho sobre as figuras femininas perenes na sua beleza, na sua frescura, no
seu amor, mas dolorosamente consciente da tragédia humana do efémero de tudo
isso.
Balada das damas do tempo de outrora
François Villon, 1431-1463 (desaparecido)
Dizei-me: onde e em que país
Está Flora, a bela Romana,
Alcibíades, Taís,
Que foi sua prima germana?
Eco, falando quando qualquer barulho passa
Por cima do rio, por cima do charco,
Que teve uma beleza mais que humana?
Mas onde estão as neves de outrora?
Onde está a sábia Heloísa
Por quem foi punido e depois em monge tornado
Em Saint-Denis, Pedro Abelardo?
Por tanto amor, teve esta desventura.
E igualmente onde está a Rainha
Que ordenou fosse ao Sena atirado
Buridan dentro dum saco?
Mas onde estão as neves de outrora?
A Rainha branca como um lírio
Que cantava com voz de sereia,
Berta dos Pés Grandes, Beatriz, Alis,
Heremburgis que
governou no Maine,
E Joana, a boa Lorena
Que os Ingleses queimaram em Ruão?
Onde estão elas, Virgem soberana
Mas onde estão as neves de outrora?
Príncipe, não perguntareis esta semana
Onde elas estão, nem este ano, nem jamais
Sem que eu vos torne com este refrão:
Mas onde estão as neves de outrora?
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