O primeiro é de Vasco Pulido
Valente. A advertência de quem conhece homens e coisas e o passado:
Sem desculpa
18/10/2015 - 05:02
O PC, o Bloco e o PS discutem
agora presuntivos pontos de um “programa comum”. Pelo que se tem sabido só discutem
medidas que aumentam a despesa e medidas que reduzem a receita. Isto não parece
impressionar António Costa, que anteontem foi à televisão garantir que os
deveres de Portugal com a Europa (e os credores) serão rigorosamente cumpridos.
Não se percebe como. Mas não nos devemos preocupar com esse pequeno pormenor:
ou Costa mente ou planeia uma tremenda “austeridade” para os “ricos”, que
infelizmente não existem ou tendo a fama não têm o dinheiro. De qualquer
maneira, como não se cansam de dizer os peritos da televisão, as coisas estão
muito divertidas. Para eles, pelo menos. Para nós, que, segundo o dr. Ulrich,
“aguentamos tudo”, fica o prazer de contar os tostões.
Há ainda algumas dificuldades. Parece que não passou
despercebido ao PC que no resto da Europa o apoio ao PS acabou por desfazer os
partidos comunistas. E que o próprio Bloco, num ou outro intervalo lúcido,
desconfia que lhe pode acontecer o mesmo. Uma desconfiança histórica leva essas
duas meritórias congregações da nossa “esquerda” a não quererem negociar com
Costa mais do que um programa mínimo para a investidura de um governo
minoritário do PS. Costa, com o seu arzinho repolhudo de estadista, rejeita
isto. Primeiro, porque a ideia de se tornar refém dos seus companheiros de
caminho não o atrai especialmente. Depois, porque passar uns meses na rua da
Imprensa à Estrela acabaria com ele. A lógica de Costa implica um contrato de
legislatura ou, em última análise, uma coligação.
Até hoje não se resolveu nada. Mas bastaram meia dúzia
de reuniões para provocar a indignação dos “puristas” do PS e da “esquerda”. A
indignação no vazio não incomoda ninguém e é particularmente estimada pelas
capelas do progresso. O caso muda de figura se ela se manifestar a propósito de
actos do governo ou da sua omissão. O PS e o Bloco não se distinguem pela sua
particular disciplina; e o PC é guiado por interesses completamente estranhos
ao “bom funcionamento” do regime. O papel que Costa pretende equivale a tomar o
comando de um grupo de guerrilhas, na esperança de o transformar no exército
prussiano. Fora do mundo da fantasia as guerrilhas continuarão guerrilhas e
Costa precisará de uma entrevista permanente na televisão para desculpar o que
não tem desculpa.
O segundo é de João Miguel Tavares, de quem sabe
reflectir sobre o presente com a sensatez necessária:
O
PS passou-se?
22/10/2015 - 05:49
Para não ser logo muito bruto, deixem-me começar pelas
questões em que António Costa tem razão, ainda que alguma direita tenha
dificuldade em admiti-lo.
Costa tem razão na legitimidade de um Governo à
esquerda, se Passos e Portas caírem no Parlamento e o PS conseguir um acordo
sólido com Bloco e PCP – eu não alinho nas conversas de golpe de Estado. Costa
tem razão quando diz que foi claro durante a campanha eleitoral na rejeição do
Bloco Central (o facto de ninguém o ter levado a sério não é culpa sua). Costa
também tem razão quando acredita que a maior parte do PS está do seu lado. E
Costa tem ainda razão quando intui que a possibilidade de uma fragmentação do
PS pode ser maior em caso de acordo com a direita do que no caso de um acordo
com a esquerda.
Costa até tem razão em tentar prosseguir o seu
caminho: quando olhamos para a sondagem da passada segunda-feira na TVI, ela
não disse o que muitos gostariam que dissesse. Se os números do PS não mexem,
isso significa que a quase totalidade do seu eleitorado engoliu a patranha anti-austeridade
e deseja, em primeiro lugar, que a coligação seja impedida de formar Governo.
Quatro anos de sacrifícios racharam o país ao meio – António Costa tinha um
tubo de cola na mão direita e martelo e escopro na mão esquerda. Optou pelo
martelo e escopro. Está no seu direito. E até combina melhor com a bandeira do
PCP.
Mas, como imaginam, tudo o que atrás ficou dito, todas
as razões que atribuí a António Costa, têm como premissa duas pequenas
palavrinhas: “acordo sólido”. “Acordo”, no sentido de “documento assinado”. E
“sólido”, no sentido de “aceitável dentro das metas do Tratado Orçamental”. É
que, sem acordo, não há nada. Sem acordo, há apenas um grupo de socialistas
desesperados a rodopiar por aí. Sem acordo, resta António Costa travestido de
um Martim Moniz com défice democrático, procurando com a bojuda perna esquerda
impedir que a porta de São Bento se feche na sua cara.
Deixem-me, então, recorrer à brutidade: a figura que o
PS fez na terça-feira, primeiro pela voz do líder do PS, à saída do Palácio de
Belém, e depois, à noite, na SIC e na TVI, pelas vozes de Carlos César e de
Pedro Nuno Santos, é das coisas mais irresponsáveis e vergonhosas que me foram
dadas a assistir na política portuguesa. Quando questionado sobre os termos do
acordo, Carlos César respondeu: “Não lhe posso detalhar o acordo. Em primeiro
lugar, ele não está subscrito pelos seus parceiros. E, em segundo lugar, a sua
divulgação só tem interesse por ocasião da indigitação.” Está tudo doido?
Uma resposta destas merecia nova manifestação na Fonte
Luminosa. António Costa tinha jurado na sexta-feira, em entrevista à TVI, que
não iria chumbar um Governo da coligação se não tivesse uma alternativa. Mas,
na terça-feira, embora essa alternativa não existisse nem se soubesse se iria
existir, ele já estava a pedir ao Presidente da República a indigitação para
liderar o país. Não há acordo, ninguém o viu, o PS acha que não tem de o
mostrar, mas o Governo só pode ser dele. Confirma-se: está mesmo tudo doido.
O DN resumia o caso exemplarmente na sua manchete de
ontem: “Governo à esquerda – só falta que Costa, Catarina e Jerónimo assinem
acordo.” No campeonato do wishful thinking, é das melhores coisas que li até
hoje. Dentro desse mesmo espírito, posso já revelar aqui o título do meu
próximo artigo: “João Miguel Tavares casa-se com Monica Bellucci, Charlize
Theron e Scarlett Johansson – só falta elas aceitarem”.
O terceiro consiste em dois excertos
de uma pequena peça de teatro –“Exercício escolar” – escrita em 1979, que
inseri em “Cravos Roxos”, e cujas aflições que a ditaram, estão
perfeitamente adaptáveis às aflições deste presente dos jogos de “infantilíase”
que, sem pejo nem travão, se vão permitindo entre nós, numa irresponsabilidade
de profundo atraso mental e social, joguetes que somos de mentes brincalhonas.
Cito o CORO DO PARTIDO, do Argumento inicial, e do seu Final:
Argumento
CORO DO PARTIDO
Necessário foi, senhores,
Que nas trevas que vivemos
-Cinquenta anos de dores –
Surgisse luz redentora
Que quebrasse a maldição.
Revolução salvadora
Elegeu os sofredores
Castigou os opressores,
Repôs o ´Bem e a Justiça,
A Igualdade, a Liberdade,
Fraternidade, União,
Deu ao pobre a unidade,
Ao rico a humilhação.
Primavera esclarecida,
Bendita revolução,
Conquista cheia de glória
Das páginas da nossa História.
………………………………………………….
Final:
CORO DO PARTIDO
Neste país
transformado
Por revolução de flores
Que aniquilou prepotências
E irmanou ricos e pobres
Trabalhadores e gestores
Num ideal renovado
De comum realização,
Só se escuta o martelar
Dos malhos dos ferradores
Dos maços dos calceteiros
E os gritos dos operários
E os olés dos boieiros
E o chocalhar das ovelhas
E os protestos dos doutores
E os risos dos operários
E o gorjear dos cantores.
Pelas ruas transformadas
Em caminhos pedregosos
Onde as flores são espontâneas
E os frutos tão saborosos,
Brotam as almas mais cândidas
E os sentimentos mais soltos.
Eis a mensagem, senhores,
da nossa festa das flores. (Assim fenece a farsa)
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