O jogo do ganha-perde era um jogo de damas que
jogávamos com o meu pai, em que ele nos punha a comer todas as pedras enquanto
o diabo esfrega um olho, fazendo-nos perder imediatamente o jogo, apesar da
aparente vitória, estatuída como derrota, segundo as regras previamente determinadas
- tal como era a vitória resultante de as pedras serem comidas, no jogo do
comer vitorioso. É claro que perdíamos sempre, quer o comer significasse derrota
ou vitória, e breve deixámos de jogar com o nosso implacável pai, procurando
brinquedos menos humilhantes, tais o paulito, o berlinde, a bola, o ring, com
parceiros da mesma competência e alegria na agilidade.
Foi o que me lembrou este artigo de Henrique
Monteiro, do Expresso de 17/10, “Manual de Ética Política”,
o jogo do ganha-perde da minha infância, na determinação abusiva
estatuída por um pensamento pretensamente adulto, de António Costa e camarilha,
que viram na jogada (sugerida anteriormente por mentores da nossa inteligência nacional,
excluído o status ético pessoal), um meio de projecção e de autêntico furo para
Costa e camarilha, à falta do resultado arrasador que prometera, quando
expulsara Seguro, e igualmente para o PS, desejoso de recuperar o protagonismo
do comando, embora contrariado por alguns adeptos moralmente mais escrupulosos
ou pelo menos aparentando isso. Quanto à camarilha da esquerda, os sonhos são
naturalmente radiosos, pelo inesperado do maná no seu deserto de destruição
assumida sempre com gozo.
O artigo de Henrique Monteiro aponta igual estratagema
de quem ganhou perdeu, sem que, todavia, tais regras fossem previamente
estabelecidas, mas antes forjadas, no acaso de conjunturas favoráveis e
aliciantes, que duas jovens ardilosas resolveram impor a um povo aparentemente
subdesenvolvido que as alcandorou a um lugar de bastante relevo, para massagem
do seu ego fascinado por inesperada glória política, novas padeiras para ficar
na história das nossas batalhas. Felizmente, por enquanto, o subdesenvolvimento
não é tão manifesto como elas e os seus companheiros de rua o supunham, embora
isso seja por escassos dias, caso Costa continue a fazer finca-pé no seu
capricho sem escrúpulo. (De facto, assim acontece).
O texto de Henrique Monteiro, é taxativo, o que
demonstra quanto de vilania cresceu entre nós, trazido também por um 25 de
Abril liberalizador de preconceito e sentido de vergonha, no vale tudo da
vaidade cega e do ódio invejoso que irá, certamente, cilindrar direitos e
haveres. Como na velha China de Mao, para não falar em outras revoluções passadas
e presentes, ditadas por extremismos predadores, neste jogo do ganha-perde, do
vale-tudo que já se viveu por cá.
Mas nessa altura houve um general para repor o
equilíbrio. Agora, também isso foi ao ar.
Pode, é certo, voltar, a tropa fandanga - (permito-me
a expressão, enquanto ainda reina a tal democracia) - numa reorganização de apoio
às forças da usurpação, munidas dos conceitos democráticos só para enganar os
tolos que os alcandoraram ao poder.
Manual de ética
política
Henrique Monteiro
Expresso, 17/10/15
Os dias que se seguiram às eleições de 4 de outubro
não foram bonitos de se ver, depois de uma noite que augurava uma normalidade e
elevação considerável, com Passos a reconhecer que sem maioria teria de
negociar e Costa a assegurar que não faria coligações negativas.
Os dias seguintes trouxeram, porém, uma surpresa:
Costa e os seus apoiantes transformaram, sem aviso prévio, as eleições
parlamentares num plebiscito esquerda/direita. E descobriram que, apesar de a
coligação ter ganho as eleições, afinal as tinha perdido.
Não conheço quem goste de votar sem saber para que o
faz. Por mim gostaria de ter sido avisado com o mínimo de ética que se espera
de toda a gente. Mas logo dizem que em muitos países é assim: não é quem ganha que
governa, mas sim blocos de
partidos que conseguem maiorias. Eu sei, mas recordo que esses
países são estritamente parlamentares
e não semipresidenciais, o que torna as coisas diferentes. Porém, estou
convicto de que um acordo entre PS/BE/PCP é legítimo.
Não apenas do PS, mas também da esquerda radical. Se o
país já era manco, por a esquerda não se unir, mais manco ficará quando se sabe
ter sido transposto o muro, que Costa se orgulha de ter derrubado, no sentido errado. Ou seja, no essencial, o
derrube não se seguiu a uma viragem do PCP e do BE no sentido democrático,
europeu e ocidental, mas a uma necessidade do PS (ou melhor, do seu líder) em
salvar a pele.
Apesar dos erros de Passos (e também tem vários) o que
sobressai é a clara falta de ética republicana de quem, depois do assalto ao
partido, quer agora assaltar o país sem querer saber de convenções e tradições.
Como se antes dele nada houvesse e depois nada ficasse
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