segunda-feira, 19 de outubro de 2015

À espera de Godot?



Começo por este artigo de hoje, de Alberto Gonçalves, sobre António Costa, seguindo-se-lhe o corajoso desafio do mesmo autor definindo-se como anticomunista com muita honra, o que certamente lhe vale, de vez em quando, acerbas ironias dos sem anti.
Um confronto com o anterior caso Soares, de iguais motivos de realização pessoal, o primeiro proporcionando proveito para o PS, o segundo condenação para este e, à la longue, o mal do país. Mas sobretudo, o retrato de um homem cuja frustração e ambição o fizeram descer a vilezas de mentiras e rebaixamentos a uma esquerda que está ali para o seu furo sem mérito, movida por igual falta de escrúpulos, avidez e mentira pueris.
Alberto Gonçalves o descreve bem, sem fé também no comportamento de Cavaco Silva que, como está de saída, aparenta uma consciência moribunda dos pruridos do zelo pátrio anteriores. Oxalá me engane, que, apesar da admiração que me foi merecendo, como “segurança da lusitana antiga liberdade” em várias crises, nesta, que é tão definitiva, parece não acompanhar, em sorrisos e palavras sonsas, a aflição nem as razões das pessoas de inteligência e carácter. Tais, Alberto Gonçalves. E Vasco Pulido Valente, nos seus avisos, dos textos a seguir, falando em catástrofe, desmascarando intenções, e apontando a marginalidade de um país sem norte, novamente caindo no buraco negro da miséria que o governo de Sócrates tanto favorecera, e que o partido que para todos os efeitos ganhara as eleições tentara resgatar durante quatro escassos anos, necessitando de um prolongamento, é claro, numa austeridade de bom pagante.
Será que o antigo Cavaco não se vai mostrar, oculto Godot desatento, a nós, pobres já de esperança?

O presidente da junta (golpista)
Alberto Gonçalves
DN, 18/10/15
Desconfio que, em 1975, Soares combateu a extrema-esquerda menos por convicção ideológica do que pela necessidade de "definir" o PS de acordo com a vontade da maioria dos portugueses. Sei que, em 2015, o Dr. Costa procura a extrema-esquerda por falta de alternativas que não incluam o linchamento imediato. No fundo, ambos se moveram e movem por interesses privativos: a diferença é que o egoísmo do primeiro beneficiava da consolidação de um partido democrático e, naqueles anos de chumbo, isso beneficiou o país. Por infelicidade de circunstâncias, o egoísmo do segundo condena o partido e, caso o chumbo regresse, desgraça o país.
O Dr. Costa, parco em escrúpulos, possui os três neurónios suficientes para perceber que só o cargo de primeiro-ministro e a distribuição de poder pelos esfaimados do PS o resgatariam de um fracasso vergonhoso. Como a vergonha não é o seu forte, avançou sem modos pelo único caminho disponível. Com a desastrada - e desastrosa - ajuda do Dr. Cavaco, enfiou na cabecinha que o remédio para uma derrota límpida é uma vitória suja. Perdidas as urnas por incompetência épica, restava o golpe baixo. E nem sequer habilidoso: as declarações de terça-feira, à saída da "reunião" com a coligação, voltaram a exibir o descaramento rude do espécime, que chegou ao ponto de nem fingir ter lido as propostas de PSD e CDS. As propostas, estas ou outras, são de qualquer maneira inúteis, já que o Dr. Costa apenas admite uma solitária hipótese: ser primeiro-ministro, dê por onde der.
Nada de novo. O currículo do Dr. Costa, ao que consta desde as associações de estudantes (não, o prodígio nunca teve vida), é, perguntem a Seguro e a Sócrates, um inventário de facadinhas e traições. Hoje, por carência de saídas profissionais (a obsessão com a educação de adultos não é aleatória), anda por aí a abrir caminho à catanada, defendendo a promoção para assegurar o emprego. Nos intervalos dos encontros "técnicos", dialoga com embaixadores e dá entrevistas ao "estrangeiro", proeza notável em quem fala um português precioso. No auge das alucinações, arrisca umas referências inacreditáveis ao Muro de Berlim. A pergunta que atravessou a campanha mantém-se: será que ele inventa estas coisas sozinho ou há alguém que lhe quer muito mal? Se Cavaco não lhe prestar atenção, sairá directamente do trémulo PS para uma roupinha de Napoleão. Se Cavaco repetir a imprudência do "consenso", o Dr. Costa mandará provisoriamente em nós, por sorte acompanhado de terceiro-mundistas e perante o pasmo da Europa.
Em suma, o homem quer entrar na história. Num país civilizado, já fez mais que o suficiente para acabar no tribunal.
Sábado, 17 de Outubro
Chamo-me Alberto e sou anticomunista primário
Consta que o MRPP suspendeu Garcia Pereira por "incompetência e anticomunismo primário". A primeira acusação, feita a quem não cumpriu a promessa de matar os "traidores", não surpreende. A segunda parece uma tentativa tardia de conferir ao homem a respeitabilidade de que jamais dispôs: há poucos elogios tão lindos quanto o insulto de "anticomunista". E se for "primário" ainda melhor.
Tenho a sorte de receber o epíteto com frequência, dádiva que me consola o ego e coloca uma dúvida: existirão anticomunistas sofisticados? Uma volta pela maioria de sábios que opina nos media leva-me a concluir que não. De acordo com a "inteligência" pátria, que me faz corar de vaidade, abominar o comunismo é coisa de boçais, de trogloditas encalhados em 1975, de ultramontanos (!) que acreditam que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço.
Apesar do meu primarismo, só por acaso nunca engoli semelhante lenda. No que acredito é que os comunistas já perseguiram, "sanearam" e destruíram as vidas públicas e privadas dos pais das criancinhas. E que conseguem arruinar a economia de um país mais depressa do que uma visita do Dr. Soares a Ricardo Salgado. E que vêem na democracia representativa um obstáculo à felicidade experimentada nas democracias realmente populares, de Cuba à Coreia do Norte. Primário, estou convicto de que o comunismo recorre ao estratagema reles de fomentar a miséria alheia para proveito próprio. E ignoro se regressaremos a 1975, mas sei que os comunistas não saíram de lá. Como não tenho vergonha de ser anticomunista, tenho vergonha de um governo em que participem comunistas. Eleitores de segunda? São os que votam ao domingo e descobrem no dia seguinte a intentona que lhes anula o voto. Diversos "constitucionalistas" e o meu vizinho alcoólico garantem não haver problema.
É que porque não há. Aliás, para a próxima, e a benefício do Processo Retardatário em Curso, vamos alargar o "arco da governação" ao PNR? Ódio à liberdade? Confere. Aversão à Europa e ao euro e à NATO e ao Ocidente? Confere. Repulsa pelo capitalismo? Confere. Porrada nos homossexuais? Confere. E à última hora hão-de fingir converter-se ao parlamentarismo "burguês". Claro que também reconheço as diferenças entre os patriotas de extrema-esquerda e os patriotas de extrema- -direita: até ver, o PNR não colaborou em golpes de Estado.
Antes do dilúvio
Vasco Pulido Valente
Público, 16/10/15
António Costa não percebeu o essencial, ou seja, que um Governo como o que ele se prepara para fabricar com o PCP e o Bloco é impossível em democracia e só se aguenta, e mal, em ditadura. Com um Parlamento aberto e uma oposição a meia dúzia de votos da maioria absoluta; com liberdade de expressão e de reunião; com um regime judicial, apesar de tudo, independente; com partidos sólidos nas câmaras de mais de metade do país; com uma economia de mercado; e com uma Igreja Católica intocável: é um contra-senso e uma loucura. A cada erro, a cada fracasso, haverá uma tempestade geral e Costa não tem, fora da sua geringonça, em quem se apoiar. E mesmo no PC e no Bloco não vai ser fácil encontrar quem queira partilhar o desastre. A realidade não se inventa com uma aritmética duvidosa e meia dúzia de frases sibilinas.
Além disto, que chega e sobra, o Governo PS não pode dispensar uma disciplina rigorosa no seu próprio partido, que sempre viveu de uma larga tolerância, e nos partidos da extrema-esquerda em que não manda e são uma quantidade desconhecida, jurem agora o que jurarem. Costa andará sempre a olhar por cima do ombro e cairá dia a dia em qualquer armadilha que lhe estenderem. A boa-fé, que ele também não observou, não é uma das virtudes do radicalismo, por muito cândida que a dra. Catarina pareça. A intriga endémica da esquerda crescerá sem parar, com a ajuda dos grupinhos que nasceram ultimamente e um batalhão de comentadores à procura do seu lugar ao sol. Imerso neste caldeirão, o Governo, sem meios para impor a sua autoridade, irá muito depressa cair numa irremediável barafunda.
E, por fim, Costa não tem dinheiro para pagar os compromissos do PS e os que vier a tomar para angariar os votos do PC e do Bloco. Em vários tons, os papas da economia já avisaram que, nesse capítulo, o programa do PS leva a uma segunda catástrofe. Para não os citar todos, basta falar da sra. dra. Teodora Cardoso, presidente de um organismo respeitável, o Conselho das Finanças Públicas. Previne a senhora que “o regresso a uma política de estímulo ao consumo privado pode agravar o défice externo”, “o défice orçamental” e, logicamente, “o grau de endividamento” do país. E, para não deixar dúvidas, Teodora Cardoso não hesita em dizer que a estratégia de Costa cria o “risco” de provocar uma “nova crise”. Se criar, como de resto pessoalmente acredito, não se tornará a ouvir em Portugal o nome do PS.
É o dinheiro, estúpido!
Vasco Pulido Valente
Público, 17/10/15
António Costa ameaça o país com um governo PS, PC e Bloco. Manuela Ferreira Leite declara dramaticamente que Portugal está em pânico e, como boa representante da burguesia indígena, apela para Cavaco e Pedro Passos Coelho. Na televisão e nos jornais, toda a gente discute a legitimidade de Costa e soma com muito zelo votos com votos. Só não se fala no essencial e apetece berrar como Karl Rove: “It’s the economy, stupid”. A aventura de Costa não vai durar muito, nem trazer uma grande mudança à política como ela por aqui se entende. Mas as consequências do programa que ele pretende executar, ainda por cima corrigido pelo PC e o Bloco, podem ser fatais. Teodora Cardoso, João Salgueiro, Medina Carreira e João César das Neves já avisaram. Não serviu de nada.
Aumentar o consumo doméstico com dinheiro público é a melhor receita para o empobrecimento geral e para a bancarrota. Tanto mais que a situação da economia e das finanças, embora um pouco melhor do que em 2011, continua fluida e atada com fios. Qualquer pequeno incidente doméstico ou internacional é o bastante para a deitar abaixo. Costa não tem dinheiro para cumprir as suas promessas, nem as que fará à dúbia “esquerda”, que anda hoje a cortejar. E isto se não houver obstrução do parlamento a medidas que o PS pretenda tomar e os puros santinhos do Bloco e do PC considerem excessivamente autoritárias. Para a minha geração a guerra entre o PS e a “direita” é uma história velha; uma história de erros, de mentiras e pura falta de vergonha.
António Costa julga que se for dizer à imprensa internacional e a Bruxelas que, no fundo, no fundo, ele é um menino bem comportado, temente à Europa e pronto a cumprir as regras ganhará por isso a confiança dos credores. Não percebe, como não percebe quase tudo, que os credores não querem saber de palavras, querem saber de números. E que, de tudo o que Costa lhes disser, e eles fingirão ouvir com amabilidade, só dois nomes verdadeiramente pesam: PCP e Bloco de Esquerda. A “esquerda” e a “extrema-esquerda” têm um longo hábito de viver de esmolas. Mas não devem presumir que os senhores de Bruxelas partilham a mesma educação ou se regem pela mesma torpe complacência que os portugueses têm com os portugueses. O dinheiro é que vale.

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