domingo, 11 de outubro de 2015

Revisões. Previsões.



Um artigo de Vasco Pulido Valente que dá que pensar.
Quando estudávamos História e Geografia no liceu, conhecíamos a Europa, alguns cabos e cidades do litoral, alguns rios e montanhas, e uma rede de países, e ficávamos às portas da 2ª Guerra Mundial, depois de um percurso mais profundo pelos factos e nomes mais marcantes de uma história europeia na sua formação merovíngia e carolíngia, e umas peregrinações à Terra Santa, a Reforma e a Contra-Reforma com as os massacres de São-Bartolomeu e as defenestrações de Praga - que imitámos atirando o nosso traidor Miguel de Vasconcelos pela janela do Paço, embora já morto, prova de desprezo sim, mas de brandura também, nos costumes - e o Édito de Nantes da pacificação religiosa, embora continuássemos nós com a Santa Inquisição em toda a sua bestialidade. E aprendíamos Mazarino e Richelieu mais o Rei-Sol, a Revolução Francesa e a guilhotina e Maria Antonieta com o Petit Trianon e Luís XVI, e as batalhas do Napoleão pela Europa e a Ilha de Elba com, finalmente, Waterloo. E Bismarck… Mal se tocava no assassinato da família imperial russa, mas sabíamos do atentado de Sarajevo e da batalha de La Lis para o nosso túmulo do Soldado Desconhecido. Sabíamos de nomes terríficos como Hitler, Mussolini, mas de Lenine e Staline mal se falava. Éramos crianças quando vivemos o racionamento dos produtos, sem percebermos os motivos, mas a história, no liceu, ficava-se às portas da Segunda Guerra, do comunismo não se falava, os que sabiam disso eram apanhados nas suas leituras. Pela Pide. Conhecíamos os países bálticos e as suas capitais e as gentes altas e loiras, mas Roménia, Polónia, Checoslováquia, Hungria, pareciam distantes, centrados que estávamos na Inglaterra, nossa altiva aliada, a França, a Espanha, a Suíça, a Itália. E naturalmente a Grécia do passado, não a posterior europeia.
Este artigo de Vasco Pulido Valente esclarece-nos, como sempre. Conta do que fora essa Europa vaga da nossa ignorância, mostra como se forjou um novo conceito de Europa solidária, e refere que esse também está condenado a desaparecer, sobretudo com as novas invasões afro-asiáticas, que os dirigentes da solidariedade entendem tornar-se esta imprescindível para a definição dessa nova Europa, que se afirma democrática e não quer ser apelidada de racista, aceitando os lenços artisticamente postos nas cabeças femininas invasoras, mas que os povos que tanto sofreram aquando dessas guerras, joguete menosprezado que foram, entre as forças altivas do ocidente e da Rússia, dificilmente aceitarão nas suas terras, construindo inóspitos muros de arame farpado.
O que é certo é que a Europa, com vontade ou sem ela, vai sendo agarrada nos tentáculos desse polvo, aparentemente fugindo da fome e da guerra, pedindo misericórdia e de ventosas sugando. E ferindo.

O artigo de Vasco Pulido Valente:

Lição de coisas
Público 25/09/2015
A “Europa” fazia sentido quando era a pequena Europa Ocidental, que o império russo limitava e, limitando, protegia. O alargamento sucessivo só podia trazer a desagregação e a impotência.
Muita gente fala por aí de olho arregalado nos “valores” que a União defende. Mas que valores? Nenhum dos países de leste que se absorveram partilha no fundo a civilização que se convencionou declarar comum. O Oriente, como disse Metternich, ainda hoje começa à porta de Viena. Não há entre as duas partes que se juntaram na UE nada, ou quase nada, de comum. Não fazem parte da mesma história, da mesma religião ou da mesma cultura. E nunca partilharam desde a queda de Roma o sentimento primário de pertencer a uma única comunidade, como até ao século XVI a Igreja Católica “universal”.
A crise dos refugiados mostra bem a fractura que divide a suposta União. A Hungria, a Roménia, a Eslováquia e a República Checa não aprovaram o mirífico “plano” de repartir entre os 28 a gente que ininterruptamente chega da Síria, do Levante, do Egipto e do Afeganistão. Isto talvez pareça de uma crueldade gratuita a quem não conhece, nem por ouvir dizer, o trágico passado desses quatro países. Não só nasceram de uma guerra de morte entre a Rússia, a Áustria e a Prússia pelo domínio da Europa Central, do Mar Negro e, eventualmente, de Istambul, mas sempre os trataram como gado que se dispunha segundo as conveniências de quem era na altura mais forte. Em 1989 continuavam por toda a parte os trabalhos de “limpeza étnica” e de correcção de fronteiras, que a “liberdade” tinha permitido.
A Hungria, a Roménia, a Eslováquia e a República Checa herdaram as desgraças da expulsão ou liquidação de minorias, que nunca inteiramente digeriram e que permanecem, as mais recentes, na memória viva da população. E também a “intensidade” do nazismo aumentou para Oriente e diminuiu para Ocidente. Estados de anteontem não vêem com equanimidade a criação de um novo grupo étnico – ou religioso – dentro das suas fronteiras. Nem deles, nem dos Balcãs se deve esperar a tolerância e a solidariedade que o Ocidente invariavelmente lhes recusou, a não ser na retórica do radicalismo, igual à que em 2015 a televisão despeja em nossas casas. A “Europa” não existe ou existe apenas sob forma de “subsídios”, que diminuem de ano para ano. A utopia não resistiu à realidade.

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