Um artigo de Vasco Pulido
Valente que dá que pensar.
Quando estudávamos História e
Geografia no liceu, conhecíamos a Europa, alguns cabos e cidades do litoral,
alguns rios e montanhas, e uma rede de países, e ficávamos às portas da 2ª
Guerra Mundial, depois de um percurso mais profundo pelos factos e nomes mais
marcantes de uma história europeia na sua formação merovíngia e carolíngia, e
umas peregrinações à Terra Santa, a Reforma e a Contra-Reforma com as os
massacres de São-Bartolomeu e as defenestrações de Praga - que imitámos atirando
o nosso traidor Miguel de Vasconcelos pela janela do Paço, embora já morto,
prova de desprezo sim, mas de brandura também, nos costumes - e o Édito de
Nantes da pacificação religiosa, embora continuássemos nós com a Santa Inquisição
em toda a sua bestialidade. E aprendíamos Mazarino e Richelieu mais o Rei-Sol,
a Revolução Francesa e a guilhotina e Maria Antonieta com o Petit Trianon e
Luís XVI, e as batalhas do Napoleão pela Europa e a Ilha de Elba com,
finalmente, Waterloo. E Bismarck… Mal se tocava no assassinato da família
imperial russa, mas sabíamos do atentado de Sarajevo e da batalha de La Lis para
o nosso túmulo do Soldado Desconhecido. Sabíamos de nomes terríficos como
Hitler, Mussolini, mas de Lenine e Staline mal se falava. Éramos crianças
quando vivemos o racionamento dos produtos, sem percebermos os motivos, mas a
história, no liceu, ficava-se às portas da Segunda Guerra, do comunismo não se
falava, os que sabiam disso eram apanhados nas suas leituras. Pela Pide.
Conhecíamos os países bálticos e as suas capitais e as gentes altas e loiras, mas
Roménia, Polónia, Checoslováquia, Hungria, pareciam distantes, centrados que
estávamos na Inglaterra, nossa altiva aliada, a França, a Espanha, a Suíça, a
Itália. E naturalmente a Grécia do passado, não a posterior europeia.
Este artigo de Vasco Pulido
Valente esclarece-nos, como sempre. Conta do que fora essa Europa vaga da nossa
ignorância, mostra como se forjou um novo conceito de Europa solidária, e
refere que esse também está condenado a desaparecer, sobretudo com as novas
invasões afro-asiáticas, que os dirigentes da solidariedade entendem tornar-se
esta imprescindível para a definição dessa nova Europa, que se afirma
democrática e não quer ser apelidada de racista, aceitando os lenços artisticamente
postos nas cabeças femininas invasoras, mas que os povos que tanto sofreram aquando
dessas guerras, joguete menosprezado que foram, entre as forças altivas do
ocidente e da Rússia, dificilmente aceitarão nas suas terras, construindo inóspitos
muros de arame farpado.
O que é certo é que a Europa,
com vontade ou sem ela, vai sendo agarrada nos tentáculos desse polvo,
aparentemente fugindo da fome e da guerra, pedindo misericórdia e de ventosas sugando.
E ferindo.
O artigo de Vasco Pulido
Valente:
Lição
de coisas
Público 25/09/2015
A “Europa” fazia sentido
quando era a pequena Europa Ocidental, que o império russo limitava e,
limitando, protegia. O alargamento sucessivo só podia trazer a desagregação e a
impotência.
Muita gente fala por aí de olho arregalado nos
“valores” que a União defende. Mas que valores? Nenhum dos países de leste que
se absorveram partilha no fundo a civilização que se convencionou declarar
comum. O Oriente, como disse Metternich, ainda hoje começa à porta de Viena.
Não há entre as duas partes que se juntaram na UE nada, ou quase nada, de
comum. Não fazem parte da mesma história, da mesma religião ou da mesma
cultura. E nunca partilharam desde a queda de Roma o sentimento primário de
pertencer a uma única comunidade, como até ao século XVI a Igreja Católica
“universal”.
A crise dos refugiados mostra bem a fractura que
divide a suposta União. A Hungria, a Roménia, a Eslováquia e a República Checa
não aprovaram o mirífico “plano” de repartir entre os 28 a gente que
ininterruptamente chega da Síria, do Levante, do Egipto e do Afeganistão. Isto
talvez pareça de uma crueldade gratuita a quem não conhece, nem por ouvir
dizer, o trágico passado desses quatro países. Não só nasceram de uma guerra de
morte entre a Rússia, a Áustria e a Prússia pelo domínio da Europa Central, do
Mar Negro e, eventualmente, de Istambul, mas sempre os trataram como gado que
se dispunha segundo as conveniências de quem era na altura mais forte. Em 1989
continuavam por toda a parte os trabalhos de “limpeza étnica” e de correcção de
fronteiras, que a “liberdade” tinha permitido.
A Hungria, a Roménia, a Eslováquia e a República Checa
herdaram as desgraças da expulsão ou liquidação de minorias, que nunca
inteiramente digeriram e que permanecem, as mais recentes, na memória viva da
população. E também a “intensidade” do nazismo aumentou para Oriente e diminuiu
para Ocidente. Estados de anteontem não vêem com equanimidade a criação de um
novo grupo étnico – ou religioso – dentro das suas fronteiras. Nem deles, nem
dos Balcãs se deve esperar a tolerância e a solidariedade que o Ocidente
invariavelmente lhes recusou, a não ser na retórica do radicalismo, igual à que
em 2015 a televisão despeja em nossas casas. A “Europa” não existe ou existe
apenas sob forma de “subsídios”, que diminuem de ano para ano. A utopia não
resistiu à realidade.
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