João Miguel Tavares o tinha dito, e assim se vai
fazer. Creio que o disse com desprezo por Cavaco e deve ter razão em o definir.
Se assim é - e vejo que sim nos sorrisos recíprocos com António Costa, no
encontro de ontem, teve mesmo razão, dou a mão à palmatória. Cavaco o que quis
foi manter o seu postozito, no anterior aparente alinhamento com a Coligação e a
pátria. Agora que está quase a sair, quererá deixar o seu nome ligado a uma
reviravolta à esquerda, ele que fora tão responsável por uma era de bem-estar
de empréstimo, em que se construíra alguma coisa e se esbanjaram muitos milhões
a satisfazer as ânsias de riqueza dos apaniguados dessas redes benfazejas de um
país de mama.
E António Costa ronrona, e estira-se felinamente, como
também já se previa, no seu discurso eleitoral entaramelado e ambíguo, dando a
entender que não, mas também que sim, ou, como já dizia Nicolau Breyner, que “nim”.
Carinhosamente abraçado a uma parceira que não se importa de alinhar com quem
anteriormente desfeiteou frequentes vezes, repudiando as políticas de direita
desse Costa, mas esquecida disso, para bem servir a nação. De facto, como diz o
meu marido, para se servir a si própria, fazendo parte de um governo que não
ganhou, tal como o Jerónimo do PCP e comandita, não se importando de ganhar fraudulentamente
o poder. Ao que se chegou!
Coliga-te, esquerda,
coliga-te
João Miguel Tavares
Público, 8/10/15
Boa
parte da esquerda – António Costa incluído – parece ter tido algumas
dificuldades em compreender aquilo que o presidente da República quis dizer na
sua comunicação ao país. Mas eu ajudo.
Embora
a frase presidencial “encarreguei o dr. Pedro Passos Coelho de desenvolver
diligências com vista a avaliar as possibilidades de constituir uma solução
governativa que assegure a estabilidade política e a governabilidade do País”
não seja propriamente um primor de elegância e clareza, também não é razão para
Cavaco ser tão mal interpretado. Ao contrário do que se disse, não há da sua
parte qualquer pressa em dar posse a um novo governo de direita. É o oposto
disso: se Cavaco teve pressa de alguma coisa, foi de avisar que não estava com
pressa nenhuma.
Note-se,
aliás, que a mais importante comunicação ao país ocorrida na terça-feira não
foi a que Cavaco Silva proferiu às oito da noite diante das câmaras de
televisão, mas aquela que ele fez publicar duas horas antes no Expresso Diário.
Refiro-me a um texto intitulado “Uma solução estável”, escrito pelos
conselheiros de Belém José Moura Jacinto e Nuno Sampaio, e que tinha todo o ar
de ser um daqueles pratos preparados há várias semanas, que foi só tirar do
congelador e pôr no microondas. Ou seja, aquele artigo expressava claramente o
pensamento da Presidência da República, alertando-nos para o facto de neste
momento 13 estados da União Europeia serem governados por coligações de três ou
mais partidos, e aconselhando-nos a esperar sentados pela formação do próximo
governo, dada a habitual demora neste tipo de negociações. O artigo refere até
o exemplo do actual governo alemão, que só tomou posse “86 dias após o
sufrágio”. Traduzindo em cavaquês: “Estejam à-vontade, consensualizem muito,
que eu só me vou embora em Janeiro e até lá tenho a agenda livre.”
É
por isso que existe uma tão grande diferença entre convidar Passos a constituir
governo e convidar Passos a “avaliar as possibilidades de constituir” um
governo estável. A segunda expressão não é apenas mais palavrosa; ela quer,
realmente, dizer outra coisa – Cavaco não vai ceder quanto à estabilidade do
próximo executivo. Ele perdeu a batalha no Verão de 2013. Não está com vontade
de perder a guerra no Outono de 2015. E tem poderes para isso: se há boa razão
para elegermos o presidente da República em eleições directas, é exactamente
para ele ter na sua posse, em momentos sensíveis e politicamente extremados, a
legitimidade suficiente para bater o pé aos partidos e, se necessário, fazer
valer a sua vontade.
Daí
que se dispense alegremente a nervoseira da esquerda, que acha que o presidente
da República só lá está para fazer favores ao PSD. É não conhecer Cavaco. Ele
tem muitos defeitos, mas um deles não é pensar pela cabeça dos outros.
Parece-me, aliás, que a lista de diplomas enviados para o Tribunal
Constitucional na anterior legislatura chega e sobra para demonstrar a sua
independência. Mesmo se António Costa descobrir (novamente) que o seu coração
pende mais para a esquerda do que para a direita, e estiver disposto a dar um
chuto em Passos e Portas para mergulhar nos braços de Catarina e Jerónimo, ele
estará sempre à vontade para o fazer – não acredito que seja o institucional
Cavaco Silva a impedi-lo. O que o presidente exige é estabilidade. Se ela não
for possível à direita, que seja à esquerda. Coliga-te, esquerda, coliga-te.
Belém não te impede e eu pago para ver.
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