Um artigo de João Miguel Tavares:
António Costa anda a aldrabar-nos
Na
sua caminhada para primeiro-ministro, António Costa começou por pedir uma
maioria absoluta. Como a maioria absoluta estava difícil, chegava maioria
relativa. Como a maioria relativa estava difícil, chegava ao PS ter mais
deputados do que o PSD. Como o PS não teve mais deputados do que o PSD, chegava
um acordo de legislatura com o Bloco e com o PCP. Como o Bloco e o PCP não
falam um com o outro, chega um acordo de legislatura com o Bloco e um outro com
o PCP. Como o PCP não quer acordos de legislatura, é possível que chegue um
acordo de investidura. E se o PCP nem um acordo de investidura quiser, António
Costa há-de contentar-se com um acordo verbal e um bacalhau.
A
seriedade deste procedimento é nula. Quase toda a gente achou que Cavaco foi
excessivo na sua intervenção, mas parece-me que quase toda a gente desvalorizou
a passagem mais importante do seu discurso. O Presidente falou de forma muito
directa de uma “alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças
políticas”, acrescentando de seguida: “É significativo que não tenham sido
apresentadas, por essas forças políticas, garantias de uma solução alternativa
estável, duradoura e credível.”
Convém
olhar bem para os adjectivos usados por Cavaco e compará-los com aqueles que
polvilhavam a frase mais importante proferida por António Costa após o encontro
entre ambos no dia 12 de Outubro. Disse então o líder do PS: “Tive ocasião de
informar o Presidente da República sobre a criação de condições para podermos
ter em Portugal um governo que seja estável, credível e consistente para os
próximos quatro anos.”
Por
muito limitado que seja o vocabulário de Cav, não terá sido por milagre que os
adjectivos que ele escolheu na sua comunicação encaixam na perfeição nos
adjectivos que António Costa utilizou à saída de Belém. Costa falou em governo
estável, Cavaco disse que não havia solução estável. Costa falou em governo
credível, Cavaco disse que não havia solução credível. Costa falou em governo
consistente, Cavaco disse que a alternativa era “claramente inconsistente”.
Costa falou em governo “para os próximos quatro anos”, Cavaco disse que não
havia uma solução “duradoura”.
É
fácil adivinhar o que se passou: ao verificar a espantosa discrepância entre
aquilo que ouviu da boca de António Costa e aquilo que António Costa resolveu
comunicar ao país à saída do encontro entre ambos, Cavaco sentiu-se aldrabado.
Pouco dotado de sentido de humor, não achou nenhuma piada aos malabarismos
retóricos de Costa e optou por lançar um agressivo aviso ao país, a ver se conseguia
acordar algumas consciências. Que o efeito da sua comunicação tenha sido unir o
PS, como alguns socialistas se apressaram a celebrar, diz menos sobre a falta
de jeito do Presidente da República do que sobre o estado miserável em que se
encontra o PS.
Vale
a pena recordar que o último socialista com o qual Cavaco Silva teve de
coabitar chamava-se José Sócrates, e o resultado de tão bonito convívio foi
aquele que conhecemos. Como é óbvio, o Presidente não pode assistir impávido
àquilo que considera ser uma golpada parlamentar, só possível porque os seus
poderes se encontram diminuídos, e a falta de lealdade de um candidato a
primeiro-ministro que ainda nem sequer tomou posse. Cavaco só falhou numa
coisa: sugeriu que o problema estava no PCP e no Bloco. Ora, o problema está,
evidentemente, no PS.
E aqui andamos, nesta
dobadoira de opiniões desencontradas e de revoltas inúteis contra a prepotência
sinistra das forças de imoralidade arrogante que esconde reais motivos de ambição governativa na defesa
de da sua causa de fraude e farsa.
Só mesmo uma anedota
para um riso – por amarelo que seja –
que momentaneamente dê cor ao apagão que submete um país inteiro, na cobardia,
no sono ou na indiferença. Mandou-ma o meu filho Ricardo, por email. Já é
antigo o processo de substituir a acção pelo far niente do relaxamento e da
inércia:
Lucidez
de Diplomata
Um jovem diplomata português, em diálogo com um
colega mais velho:
- Francamente, senhor embaixador, devo confessar que não percebo o que correu mal na nossa história. Como é possível que nós, um povo que descende de gerações de portugueses: que criaram o Brasil, que "deram novos mundos ao mundo", que viajaram pela África e pela Índia,- que foram até ao Japão e a lugares bem mais longínquos,- que deixaram uma língua e traços de cultura que ainda hoje sobrevivem e são lembrados com admiração, como é possível que hoje sejamos o mais pobre país da Europa ocidental?
O embaixador sorriu e disse:
- Meu caro, você está muito enganado. Nós não
descendemos dessa gente aventureira, que teve a audácia e a coragem de partir pelo mundo, nas caravelas, que fez uma obra notável, de rasgo e ambição.
- Não descendemos? - reagiu, perplexo, o jovem diplomata - Então de quem
descendemos nós?
Responde o lúcido embaixador:
- Nós descendemos dos que cá ficaram...
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