Ouvi hoje Costa referi-lo a respeito do seu convívio
com o seu/nosso povo, de olhos nos olhos, não sei se de lábios nos lábios, mas de
cara a cara sem dúvida, foi o que ouvi, parecendo querer expressar com isso a
tal transparência de que eu muito ouvia falar nos idos de 74 e seguintes, que pouco
a pouco foi desaparecendo das falas para retomar em força nas vozes claras dos
bandos da esquerda – (Costa incluído mas não o seu partido, todavia, que soube
sempre abafar as suas coisas menos claras) – mas realmente no que ele é de
facto transparente é nos insultos à direita, que é o que o seu/nosso povo gosta
de ouvir, por serem as expressões do insulto mais transparentes de significado
e menos custosas de formulação, ao fazerem parte do património oral cultural do nosso
povo. O resto da transparência não significa nada, bem sabemos, embora o
governo de Passos pareça um pouco mais do que os outros nesse capítulo, por explicar
melhor das contas que precisa de pagar para merecer construir. A mim, deu-me
logo desejo de soltar o mesmo desabafo que a minha sobrinha Ana soltou a
passear-se com os filhos e a mãe numa das ruas de Paris pejadas de lenços: “Eu já não posso com estas mulheres de lenço”,
mas acho que falava por saudosismo daqueles tempos em que ainda o Islão não invadira
a Europa e Paris erguia a altiva cabeça nua ao sol, à chuva e ao vento da sua
irradiação própria, ofuscada agora, ao que dizem, por essas coberturas
assustadoras. A mesma sensação de desgosto me acabrunha, com o estado de sítio
que as invectivas, injúrias e gabarolices fazem transparecer por cá nestes
períodos eleitorais, continuação, é certo, dos desplantes ouvidos nos períodos
das greves e marchas abafadoras das tentativas de governar.
Entretanto, descobri um texto já antigo, de Alberto
Gonçalves, que desejo guardar como peça de síntese, fundamental para se
compreender Costa. Aqui vai:
Costa e castigo
por ALBERTO GONÇALVES
DN, 26 julho 2015
Não era difícil prever o desastre que é António Costa.
Os primeiros indícios chegaram com o culto da "inteligência" caseira,
que se destaca pela portentosa falta da dita e atabalhoadamente tentou
converter um amorfo funcionário do PS no D. Sebastião de 2014. Os sinais
acentuaram-se durante o combate contra Seguro, raro momento em que, por
comparação, este se assemelhou a um estadista promissor ou, vá lá, a um ser
vivo. Chegado à liderança do partido, o dr. Costa continuou a provar com
espantosa frequência que a inabilidade na gestão de uma autarquia não basta
para governar um país. Não era difícil prever o desastre: difícil era adivinhar
a respectiva dimensão.
Comentadores magnânimos atribuem o fiasco a factores
externos, da prisão de Sócrates ao advento do Syriza. Na sua generosidade,
esquecem-se de acrescentar que, sozinha, a brutal inépcia do dr. Costa, que
possui a firmeza da esparguete cozida, transformou cada eventual obstáculo numa
cordilheira inultrapassável.
Sobre Sócrates, o dr. Costa começou tipicamente por
avaliar mal o "sentimento" popular e defender com tremeliques de
orgulho as proezas do preso 44 enquanto primeiro-ministro. Uma bela manhã até
desceu a Évora. Meses depois, numa exibição de objectividade sem precedentes, o
dr. Costa criticou um governo de que ele próprio fez parte e jurou, sem jurar,
não repetir a excursão alentejana.
Sobre o Syriza, o dr. Costa já disse tudo e o seu
oposto, de acordo com o que tomou pelo clima do momento. Qualquer hipotético
avanço dos maluquinhos que fingem mandar na Grécia tinha o dr. Costa, dez
minutos decorridos, a erguê-los ao estatuto de farol da Europa. Em vinte
minutos, os avanços recuavam estrategicamente e a apreciação do dr. Costa
também: uma ocasião, apelidou o Syriza de "tonto". Mas isso foi antes
do referendo, em que o Syriza voltou a ser sublime. E o referendo foi antes do
acordo, em que o glamour do Syriza regressou a níveis da peste bubónica.
Nos intervalos dos Grandes Temas, o dr. Costa
desdobrou-se a opinar acerca de temas minúsculos, naquele português de causar
inveja a Jorge Jesus e sempre no lado errado do discernimento: o
"investimento" público (promete muito), a austeridade (é uma péssima
opção), a autonomia dos autarcas (quer reforçá-la), a "lusofonia"
(acha-a linda). Nos intervalos dos intervalos, passeou o currículo democrático
e arranjou uma guerra interna com as "bases" do PS, que consultaram
as sondagens e desataram a questionar a infalibilidade do chefe. As cambalhotas
em volta dos (inacreditáveis) candidatos presidenciais não ajudaram. Nem os
abraços aos socialistas franceses que, afinal, conspiram para varrer Portugal
do euro. Nem nada.
Resta apurar se a tendência para a calamidade é
involuntária ou propositada. A verdade é que o dr. Costa conseguiu, em pouco
tempo, renovar as esperanças eleitorais da coligação no poder. Um tiro no pé do
Governo é invariavelmente seguido por uma explosão auto-infligida no
porta-aviões do PS. Se o PS perder as eleições, o mérito será inteirinho do dr.
Costa. Se ganhar, é Portugal que não merece melhor. E pior parece impossível.
E
concluo com o artigo de Vasco Pulido Valente, saído hoje no Público,
para ajudar à hipotética arrumação da casa – hipótese que, aliás, a tese não
confirma, na caldeirada da nossa sujidade:
Campanhas
Público, 02/10/2015
Corre por aí que a sra. dra. Isabel do Carmo, na sua
florida infância, explodia gatos. Não acredito. Não é verdade, porque se fosse
verdade ela não seria hoje candidata do Partido Livre, nem a grande inspiração
do nosso maior pensador e homem de Estado, Rui Tavares.
Como
também não acredito que uma senhora tão culta e estonteante como Joana Amaral
Dias tenha querido realmente provar que estava grávida ou sentisse a
necessidade de esclarecer o país sobre a eficiência com que havia cometido tal
proeza. Verdade que esta campanha eleitoral não foi até agora um modelo de
inteligência e gosto. De qualquer maneira, nunca os portugueses consentiriam
que se transformasse num objecto de que a Pátria e a sua gloriosa história se
pudessem um dia envergonhar.
Claro
que o dr. António Costa, num esguicho de radicalismo e de amor do povo,
resolveu ameaçar o estimável público que, se a direita ganhasse, não aprovaria
o orçamento de 2015 ou sequer o programa de governo de Passos Coelho. Só que a
nossa tradicional benevolência e tranquilidade não se altera por tão pouca coisa.
Já houve revolucionários de prestígio, como o chefe do PSOE Largo Caballero,
que usaram essa benemérita táctica para ganhar ou desqualificar eleições.
Admito até que Largo conduziu a sociedade espanhola a uma guerra civil nada
agradável. Mas para destruir o Estado e a democracia há certos sacrifícios que
se devem aceitar a bem das classes, digamos, desprotegidas. Se o dr. António
Costa as quer verdadeiramente redimir não deve ter uma hesitação em as liquidar
primeiro.
Entretanto,
como toda a gente, lá vai comendo porco e fazendo “arruadas”. Não é fácil
definir “arruada”. À primeira vista, elas parecem tentativas para atrair à
força a atenção do povo. O chefe do partido chega, com a sua corte, a sua
“segurança” e uma camioneta ou duas de militantes, a uma rua suficientemente
frequentada e começa a falar a desconhecidos que estão ali a tratar da sua
vida. Aparecem uns maluquinhos que abraçam ardorosamente o chefe do partido,
porque gostam de abraçar celebridades e abraçariam Ronaldo com igual ardor. Não
se retira nada desta lusitana (?) espécie de exercício: nem uma ideia, nem um
voto, nem um tostão. Alguns zelosos patetas pensam que uma “boa arruada”
demonstra “força”. Erro deles. Mas quem somos nós para pedir melhor? A farsa da
política portuguesa não parava com certeza à porta da campanha.
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