O esclarecedor texto de António da Cunha Duarte Justo (in “A
Bem da Nação): O DILEMA DA BIPOLARIDADE NA GOVERNAÇÃO DE PORTUGAL
Eça descrevia-o, em parte, situando-o
nas classes literatas:
«-
Preocupação peninsular, filho, disse Afonso, sentando-se ao pé da mesa, com o
seu chapéu desabado na mão. Desembaraça-te dela. É o que eu dizia noutro dia ao
Craft, e ele concordava... O português nunca pode ser homem de ideias, por
causa da paixão da forma. A sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho,
sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a ideia, deixá-la incompleta,
exagerá-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita... Vá-se
pela água abaixo o pensamento, mas salve-se a bela frase.
-
Questão de temperamento, disse Carlos. Há seres inferiores, para quem a
sonoridade de um adjectivo é mais importante que a exactidão de um sistema...
Eu sou desses monstros.
-
Diabo! então és um retórico...
-
Quem o não é? E resta saber por fim se o estilo não é uma disciplina do
pensamento. Em verso, o avô sabe, é muitas vezes a necessidade de uma rima que
produz a originalidade de uma imagem... E quantas vezes o esforço para
completar bem a cadência de uma frase, não poderá trazer desenvolvimentos novos
e inesperados de uma ideia... Viva a bela frase!» (Eça de Queirós, Os Maias,
cap. IX).
Os tempos mudaram, outros motivos surgem. Ficando-nos pela amálgama das classes, julgo que o mal está
na nossa idiossincrasia: avidez de posse, desinteresse em progredir, desresponsabilização,
muito de choradinho, de invejazinha, de chulice, de tolice…«E do «sol que peca só quando em vez de criar, seca»:
O DILEMA DA BIPOLARIDADE NA
GOVERNAÇÃO DE PORTUGAL
António da Cunha Duarte Justo
Construir
um Portugal mais temperado e menos revoltado
O que
une o centro-direita (governo) e o centro-esquerda (PS) são o compromisso com o
liberalismo económico e o consequente seguimento do imperativo da desregulação
ditada por Bruxelas. Direita e esquerda do arco do poder têm assim o seu
centro comum vinculativo (intervenção da EU e do FMI – as obediências
orçamentais comuns que não permitem diferenciação de políticas económicas);
deste modo os partidos do arco do poder de Portugal abstêm-se praticamente do
predicado esquerda ou direita, o que beneficia os outros partidos da
esquerda e obriga o PS a grande ginástica na estratégia de chamar as atenções
públicas para si e de ocupar o país com discussões tácticas sobre as diferentes
personalidades e facções do PS; disto vive bem (permite-lhe também absorver
desertores de esquerdas mais radicais mas com aspirações a participar
concretamente no poder) ocupando a mente dos portugueses já de si perdida em
debates não produtivos. O jornalismo também vê assim o seu trabalho
simplificado porque para fazer notícia só precisa de andar atrás dos cabeças ou
de algum que urine fora do penico.
Cria-se
assim uma dinâmica de contínua necessidade de perfilagem dentro e fora do
partido. Certamente por isso se movem tanto as ondas de emoções nacionais
tendo-se a impressão (a quem viveu no estrangeiro) que Portugal se encontra
em contínua campanha eleitoral sem grande tempo para dar suficiente atenção
às questões fundamentais da economia e da cultura. Mesmo agora, que deveria ser
tempo útil de discussão da negociação de programas para se encontrar
compromissos para a governação dos próximos quatro anos, assiste-se, como de
costume, à discussão sobre personalidades partidárias e não sobre temas
discutíveis do programa.
O Norte
europeu orienta-se por Programas e o Sul por Partidos
Os partidos
da Alemanha, para defenderem o bem-estar do país, passam muito tempo na
discussão e elaboração de programas de governo e na formação de coligações
governamentais; isto porque cuidam pelo futuro do país em vez de dividirem a
nação nos da manjedoura da direita ou da esquerda. Por
isso os partidos alemães preferiram fazer uma grande coligação que preparou
responsavelmente um programa de governo que precisou de 80 dias de conversações
até chegar ao dia do compromisso; depois passou à governação abandonando a
discussão. Na Suécia seis partidos conseguiram elaborar e comprometer-se num
programa que é válido até 2022; isto independentemente dos governos que surjam.
Urge
ultrapassar a mentalidade política bipolar de um Portugal desde sempre afirmada
pelo sistema partidário a viver da polarização. Já é tempo de construir um
Portugal mais temperado. A vida é curta, não olhes para trás senão tropeças nos
que se te adiantam.
O
problema dos partidos à esquerda do PS (e dos radicais do PS) é quererem
continuar a levar uma vida de alto nível à custa do capitalismo liberal pautado
pela Zona Euro e no seu interior regalar-se com a satisfação de ideias
contraditórias puras e inocentes ou com postos públicos que lhes dão imunidade
em relação às ideias que defendem mas não solucionam os problemas da pobreza. O
Norte europeu rico orienta-se por programas de governo que o tornam rico e o
Sul orienta-se por partidos que o mantêm no standby ou na pobreza.
O ser
humano é um consumidor de histórias e o que o mais distrai são histórias, por
isso há tantas que se tornam verdadeiras porque mal contadas…; uma delas:
"Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz."
Com isto fomos ensinados a aceitar e justificar a violência do poder. A teoria
é bela, o problema só está na prática (Veja-se a saga das personalidades do 25
de Abril e seus discípulos – afirmaram-se contra o capitalismo e à custa dele
enriqueceram mantendo a conversa de esquerda para inglês ver e a sapata do povo
carente que tudo sustenta).
Uma política
partidária responsável deveria constituir uma coligação, pelo menos, dos dois
partidos mais votados. Com isso ganhariam, naturalmente, os partidos mais à
esquerda mas Portugal ganharia mais ainda. Com uma grande coligação talvez se
iniciasse em Portugal uma política e um discurso menos partidário, mais
objectivo e mais no sentido de todo o povo português.
Tudo
isto contribui para a maneira de ser do nosso país que Miguel Torga tão bem
define:” Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados” e que
eu comentaria com as palavras: Somos um grupo de colectividades civis sem a
consciência de povo, por isso sempre descontentes e revoltados.
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