Não existe, é claro. Não há mesmo dúvida desse
desfecho à esquerda. Passos vai fingindo que acredita na lisura de Costa e
Portas idem. Mas não existe tal lisura. Nem de Costa nem dos demais camaradas,
desde os antigos até aos mais modernos, salvo as excepções da regra, entre as
quais distingo Francisco Assis, na firmeza das suas convicções, na inteligência
do seu pensamento e na lealdade (não sei se sincera, todavia, defensor que foi
de Seguro) que demonstra pela pessoa de António Costa, embora discorde do rumo
que este segue, assente numa aliança com uma esquerda monolítica, que finge
fazer as concessões precisas a Costa, para ganhar o lugar no governo. Passos,
que nos fez acreditar que era possível superar o desastre anterior, socrático. E
que parece estar a desistir, neste sinistro desastre presente. De facto, contra
a legalização do roubo – autêntico saque, num país inteiro, (embora só com
89000 km2, sem contar com a área insular, que pouco mais monta) – contra tal legalização
nacional do furto, Passos nada pode fazer, embora seja um homem valente.
Um homem valente, Passos, que, esse sim, quis mesmo salvar
o país, por um caminho lógico de honestidade - que também existe entre nós, embora
as palavras do nosso épico tenham feito mais carreira, temos que contar com
isso: - Dizei-lhe que também dos Portugueses Alguns traidores
houve algumas vezes. (IV, 33) – mas acho mesmo que Passos quis
salvar a nação, que foi até duro, é certo, mas para poder aguentar mais um
pouco o embate que vai seguir-se e que ele previu – este.
Sugiro
então que, caso Cavaco alinhe com o tal governo da esquerda dos três da vida
airosa - não tenho uma opinião suficientemente esclarecida para os poder
definir como da vida airada, e aérea é
que ela não parece ser, trabalhada que foi para colocar os pés bem assentes no
palanque das justas ambições – sugiro,
repito, que Passos se mantenha firme no posto, até chegar Marcelo – se bem que
também não se me dava que uma Maria de Belém, frágil mas firme, fosse a nossa inteligente
e sensata futura Presidente.
Só
se pede que Passos e Portas convençam Cavaco a não tomar ainda as tais soluções
drásticas ultrajantemente usurpatórias da governação “de
jure»” -para uma governação “de facto”.
Mas
o artigo de Vasco Pulido Valente esclarece melhor os motivos deste repúdio de
tal medida, embora eu compreenda o desejo de Costa e Companhia, que nos sugere ambições
já antes vividas por tantos, entre os quais, D. Luísa de Gusmão, ao casar com o
nosso “Restaurador”: “Melhor ser Rainha por um dia, do que duquesa toda a vida". Também estes pretendem trocar o ducado pela realeza,
indiscutivelmente de superior estatuto, mesmo sem gravata, que os Syrizas
também dispensam, que nós imitaremos naturalmente.
Embora Vasco Pulido Valente julgue que Costa ainda está indeciso. Mas
parece-me isso ingenuidade, que me desculpe Pulido Valente, caso leia este
comentário. Mas estou tranquila. Jamais isso acontecerá.
O
assalto da realidade
Público, 10/10/2015
Dois casos bastam para ilustrar a questão. Um caso: no dia
em que perdeu, António Costa prometeu que o PS não iria ser uma “maioria do
contra”; e ficou toda a gente sem saber se tencionava voltar-se para Passos
Coelho ou para a extrema-esquerda. Outro caso: no dia seguinte, o mesmo Costa
deu liberdade aos militantes do PS para votarem em Nóvoa ou Maria de Belém na
primeira volta da eleição do Presidente (sem saber se haveria segunda).
Ou
seja, o secretário-geral do PS, que prometeu levar à glória aquela
caranguejola, não quer escolher. Não foi capaz de escolher durante a campanha,
em que oscilou até ao fim, e não é capaz de escolher agora quando se trata de
tomar decisões substantivas sobre o futuro do país. Nesta confusão, ninguém se
entende e dia a dia a ansiedade cresce.
Vamos
supor que António Costa, empurrado por alguns fanáticos sem educação, se
entende com a extrema-esquerda, mesmo não mais do que parcialmente. Dada a
natureza desses doces companheiros de caminho, qualquer entendimento implicaria
não menos do que a inversão total ou parcial da política de Passos Coelho desde
2011. Isto provocaria uma ruptura quase imediata com a Europa (que já avisou
que não está disposta a tolerar uma aventura sem pés nem cabeça) e também com
os credores que não estão ali para aturar fantasias, sobretudo à sua custa. Em pouco
tempo (seis meses?), Portugal ficaria na miséria e os políticos que fazem
sentimento, e ganham votos, com a miséria do próximo teriam de se apresentar em
Bruxelas de cabeça baixa e chapéu na mão a pedir esmola. Isto arruinaria o PS e
a extrema-esquerda, ou acabava rapidamente com a República democrática, ou as
duas coisas.
Mas
nada impede que António Costa, em vez de se virar para a esquerda, se vire para
a direita, tanto mais que anda por aí a piscar o olho aos dois lados. Se o PS
se comprometesse a sustentar, ainda que indirectamente, a coligação, perdia
toda a sua ala radical, no meio de uma gritaria alucinada e torpe, e não é
absurdo pensar que perdesse também uma boa parte da ala moderada para o PSD e
afins. Neste beco sem saída, António Costa não pode abrir a boca, nem dar um
passo em sentido algum. E pouco a pouco a confiança internacional de que o país
precisa para viver irá desaparecendo. À mansa maneira portuguesa, os nossos
políticos, de Cavaco a Jerónimo, começaram a sofrer o assalto da realidade. E a
festa vai durar.
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