segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Um por todos



Ele devia sentir-se muito infeliz. Para todos os efeitos, embora as sondagens já o indicassem, a esperança é sempre a última a morrer, e até ao fim ela se manteve. Mas às 20 horas soube-se que as sondagens estavam certas, que a Coligação ganhara, que o PS perdera, que o BE ultrapassara o PCP, como deixavam prever, e as reacções não se fizeram esperar.  Um BE triunfante e pouco depois, com a força do seu pequeno-grande triunfo, expondo a sua indisponibilidade para um acerto viabilizando a governação da direita, cuja maioria relativa era tragicamente ineficaz para se governar em condições. O PCP, certamente que vivendo a sua dose de humilhação, vendo o seu horizonte de terceira força ofuscado pela graciosidade feminina que lhe roubara o lugar, tentou disfarçar e logo lhe seguiu no rastro, apontando idênticos motivos de recusa, há muito repisados – o seu anti-desemprego, o seu anti-Europa e anti-euro, a sua defesa dos trabalhadores, a sua pertinaz recusa do capitalismo, com, a par disso, as habituais ameaças de deitar abaixo sem peias, todas as tentativas de governação serena e construtiva.
 E logo a sugestão foi feita de liquidar o partido ganhador, a favor de um governo de esquerda mais amplo de sentido e eficácia. Os analistas da Coligação ainda se rebelaram com a perfídia, um honesto Pires de Lima acusando tal hipótese de fraudulenta, contra os sorrisos beatíficos dos comparsas de mesa de opinião diversa, aliás já por Pacheco Pereira, Mefistófeles burlão, sugerida, à cautela, antes – não fossem as sondagens dar certas - através de um rectângulo  brincalhonamente – se não malignamente – repartido em dois de diferente dimensão, o menor reservado, naturalmente para a direita, o que significava que a esquerda é que deveria governar, por muito que expressassem divergências de fundo, PS e esses outros.
Mas era a vez de António Costa decidir. E ele falou, em discurso aparentemente bem disposto, retardando decisões, embrulhando as pistas, prolongando a agonia de uns e de outros, ele que dissera não fazer ajustamentos com a direita, que pedira o apoio da esquerda para a maioria absoluta, mas que, na realidade, não o obtivera. Começou por afirmar que não se demitia, o que fez engolir em seco muitos que contavam com isso – (por não ter ultrapassado com vantagem Seguro, que ele destronara antes, a pretexto de uma vitória do PS, possível com ele).
Não foi possível essa vitória. Mas António Costa, embora um tanto confusamente, conseguiu demonstrar finalmente a sua tese: ele não alinharia com uma esquerda de convicções políticas contrárias, e com o governo de direita saberia impor as suas condições para viabilizar entendimentos.
É justo. Uma coligação a três – já que os outros se estão borrifando para o país – é infinitamente melhor do que a dois, o país precisa de todos, e o povo, que soube decidir, premiando quem soube trabalhar melhor, merece esse apoio.
Um povo que outrora chegou longe, o mesmo que agora foi capaz de distinguir onde reside mais seriedade e poder de  reconstrução. Um povo habituado ao sacrifício, mas sabendo escolher o seu mestre de Avis contra os menos patriotas, fautores da desordem.
António Costa merece os abraços – e não só os dos seus correligionários.


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