Ele devia sentir-se muito infeliz. Para todos os
efeitos, embora as sondagens já o indicassem, a esperança é sempre a última a
morrer, e até ao fim ela se manteve. Mas às 20 horas soube-se que as sondagens
estavam certas, que a Coligação ganhara, que o PS perdera, que o BE
ultrapassara o PCP, como deixavam prever, e as reacções não se fizeram
esperar. Um BE triunfante e pouco
depois, com a força do seu pequeno-grande triunfo, expondo a sua
indisponibilidade para um acerto viabilizando a governação da direita, cuja
maioria relativa era tragicamente ineficaz para se governar em condições. O
PCP, certamente que vivendo a sua dose de humilhação, vendo o seu horizonte de
terceira força ofuscado pela graciosidade feminina que lhe roubara o lugar, tentou
disfarçar e logo lhe seguiu no rastro, apontando idênticos motivos de recusa,
há muito repisados – o seu anti-desemprego, o seu anti-Europa e anti-euro, a sua
defesa dos trabalhadores, a sua pertinaz recusa do capitalismo, com, a par
disso, as habituais ameaças de deitar abaixo sem peias, todas as tentativas de
governação serena e construtiva.
E logo a
sugestão foi feita de liquidar o partido ganhador, a favor de um governo de
esquerda mais amplo de sentido e eficácia. Os analistas da Coligação ainda se
rebelaram com a perfídia, um honesto Pires de Lima acusando tal hipótese de fraudulenta,
contra os sorrisos beatíficos dos comparsas de mesa de opinião diversa, aliás
já por Pacheco Pereira, Mefistófeles burlão, sugerida, à cautela, antes – não
fossem as sondagens dar certas - através de um rectângulo brincalhonamente – se não malignamente –
repartido em dois de diferente dimensão, o menor reservado, naturalmente para a
direita, o que significava que a esquerda é que deveria governar, por muito que
expressassem divergências de fundo, PS e esses outros.
Mas era a vez de António Costa decidir. E ele falou,
em discurso aparentemente bem disposto, retardando decisões, embrulhando as
pistas, prolongando a agonia de uns e de outros, ele que dissera não fazer
ajustamentos com a direita, que pedira o apoio da esquerda para a maioria
absoluta, mas que, na realidade, não o obtivera. Começou por afirmar que não se
demitia, o que fez engolir em seco muitos que contavam com isso – (por não ter
ultrapassado com vantagem Seguro, que ele destronara antes, a pretexto de uma
vitória do PS, possível com ele).
Não foi possível essa vitória. Mas António Costa,
embora um tanto confusamente, conseguiu demonstrar finalmente a sua tese: ele
não alinharia com uma esquerda de convicções políticas contrárias, e com o
governo de direita saberia impor as suas condições para viabilizar entendimentos.
É justo. Uma coligação a três – já que os outros se
estão borrifando para o país – é infinitamente melhor do que a dois, o país
precisa de todos, e o povo, que soube decidir, premiando quem soube trabalhar
melhor, merece esse apoio.
Um povo que outrora chegou longe, o mesmo que agora
foi capaz de distinguir onde reside mais seriedade e poder de reconstrução. Um povo habituado ao
sacrifício, mas sabendo escolher o seu mestre de Avis contra os menos
patriotas, fautores da desordem.
António Costa merece os abraços – e não só os dos seus correligionários.
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