Não é de Pacheco Pereira este,
é de Alberto Gonçalves que, sem rebuço nem delicadezas próprias de quem, como o
primeiro, informa eruditamente que sim mas que também, para sair bem no
retrato, afirma cristalinamente que não, e responsabiliza redondamente o
cinismo da ambiguidade e dos truques de linguagem, dos que, sentindo o mesmo
medo que todos sentem, o rodeiam em apuramento de razões contrárias, novos
heróis do «nem carne nem peixe» destes novos tempos escorregadios como
tentáculos de polvo inerte. Tal o denuncia Alberto Gonçalves, no seu artigo
frontal - «Foi assim que a Europa perdeu a guerra», por meio de onze
proposições-síntese das onze reacções que analisa: a reacção épica, da constatação
e apelo; a cosmética, da iluminação nas fachadas dos crimes; a especializada,
dos politólogos apurados e entorpecedoramente vãos; a ecuménica, da
aceitação religiosa universal, mesmo, naturalmente, a “do gentio, que inda
bebe o licor do santo rio”; a herege,
avessos a qualquer prática religiosa, e por conseguinte também à do mesmo
gentio absorvedor do mesmo licor; a alucinogénica, da moderação e
silêncio dos islâmicos, aparentemente não fundamentalistas, mas por todos respeitados; a baptismal,
que se regula pela nacionalidade europeia do terrorista suicida, para melhor
ilibar o asiático, antes da confirmação do nome Mahomed ou Abdula que o registo
informa; a cartesiana, do nosso ministro Costa, desvalorizando a
percentagem dos ataques perpetrados, ínfimos em face da multiplicidade dos não
perpetrados; a sociológica, investigadora carinhosa e desculpabilizante
dos crimes, em virtude dos contextos vivenciais dos criminosos; a inimputável,
que responsabiliza, no recrudescimento terrorista, as más políticas dos
poderosos do mundo; a queixinhas, acusadora das fobias gerais contra o
Islão; a mumificada, específica do PCP, que, para qualquer novidade, e
portanto nesta também, petrificou
nas acusações à direita.
Um magnífico estudo, este de
Alberto Gonçalves, menos histórico que o de Pacheco Pereira, mas de uma sagacidade
interpretativa contundentemente esclarecedora.
Foi assim que a Europa perdeu
a guerra
27 DE MARÇO DE 2016
Alberto Gonçalves
Não
é só o terrorismo islâmico - desculpem o pleonasmo - que entra na nossa rotina:
a Europa também já tem reacções ao terrorismo na ponta da língua, sempre
determinadas, sempre previsivelmente demolidoras para a moral de psicopatas.
Sobretudo nas esferas oficiais, há a reacção épica, na qual nos
declaramos chocados, apelamos à união dos povos e das crenças e juramos não nos
deixar abater pela violência de uns poucos transviados. Tamanho fervor lírico
abala brutalmente os terroristas.
Depois,
há a reacção cosmética, dedicada a organizar vigílias, a iluminar
monumentos a fim de convocar a Paz (como os antigos convocavam a chuva) e a
proclamar nas "redes sociais" a profunda indignação que cada atentado
nos suscita. Os mais activos chegam a pendurar no Facebook a frase "Je
Suis (O Que Calhar)". Não custa imaginar o efeito destas medidas em sujeitos
habituados a degolar inocentes.
Há
a reacção especializada, normalmente assegurada nos estúdios televisivos
por "politólogos" que começam por lembrar "a complexidade da
questão", princípio que desenvolvem para consumo das massas até
adormecê-las. O que as dissertações fazem aos membros do Estado Islâmico não
deve ser bonito.
Há
a reacção ecuménica, preocupada em esclarecer que todas as religiões
zelam pela harmonia universal, incluindo aquelas com uma significativa
quantidade de devotos empenhados em rebentar com o próximo. É coisa para
deprimir os candidatos a mártires.
Há
a reacção herege, que aproveita para recordar o carácter maligno das
religiões em geral, no impecável pressuposto teórico de que apenas o acaso
impede budistas, católicos e judeus de se explodirem regularmente em aeroportos
ou estações de metro. Isto para os "jihadistas" é devastador.
Há
a reacção alucinogénica, que supõe um vastíssimo "islão
moderado" em comunidades que respondem às acções dos radicais com
estímulo, protecção e, no mínimo, silêncio. Atitudes assim mantêm os bombistas
em respeito.
Há
a reacção baptismal, que aguarda pela divulgação da naturalidade dos
"suicidas" para explodir (sem trocadilho) de júbilo: "Vêem, seus
racistas? Vêem como afinal os tipos eram belgas?" - belgas chamados
Mohamed e Abdul. Os dados do registo civil provocam razia nas fileiras do
Daieche ou lá o que é.
Há
a reacção cartesiana, superiormente manufacturada por António Costa:
"Por cada atentado que ocorre há dezenas que não ocorreram." E por
cada português iluminado por um primeiro-ministro destes há milhões de
estrangeiros que não o conhecem. Bem feito para os homicidas.
Há
a reacção sociológica, que lamenta as chacinas por mera formalidade, já
que no fundo se interessa exclusivamente pelas causas "profundas" das
ditas. Se um tarado trucida xis pessoas a sangue-frio, importa é compreender o
"contexto" que impeliu o pobrezito. As vítimas são irrelevantes se
comparadas com a análise dos subúrbios em que o tarado cresceu, a ausência de
políticas urbanísticas "transversais", a falta de estímulos
governamentais à aculturação dos imigrantes, o desemprego e, em suma, o que
servir para desviar a atenção da matança e nos transforme, a nós sem excepção,
nos seus autores simbólicos. Tomem, extremistas, que já almoçaram.
Há
a reacção inimputável, que isenta os assassinos e responsabiliza
exclusivamente George W. Bush (ou outro americano "imperialista" à
mão; ou Israel) pelo "fundamentalismo islâmico". Os fundamentalistas
nem sabem onde se hão-de meter.
Há
a reacção queixinhas, que anda a catar indícios de
"islamofobia" para denunciar às pessoas de bem tão horrendo crime.
Ide buscar, sacripantas.
E
há a reacção mumificada, consubstanciada no deputado do PCP que culpa as
"políticas de direita" pelo zelo exterminador de inúmeros muçulmanos.
Há oitenta anos que os comunistas aplicam a mesma lengalenga a tudo o que
acontece, num transe que hesita entre a demência e a pulhice. De qualquer modo,
em matéria de carnificinas os fanáticos do profeta ainda têm a aprender com os
apóstolos de Estaline - um enxovalho merecido.
No
fim de contas, um facto é inegável: nem todo o terror do universo consegue
impedir-nos de fazer figuras escandalosamente ridículas. E, se é difícil
arranjar maneira de controlar o ódio de tresloucados, é facílimo impulsioná-lo,
bastando para tal proceder exactamente como temos procedido. Este caldo de
ingenuidade, êxtase "multicultural" e, no limite, simpatia inconfessa
pelos terroristas (por via da aversão ao "sistema") representa, na
prática, a abdicação do Ocidente. E o perigo eventual da erupção
"xenófoba" na Europa, para que muitas donzelas sensíveis alertam, é
simplesmente uma consequência plausível da tragédia em curso, que poucos
assumem. Atribuir os cadáveres de Bruxelas, por exemplo de Bruxelas, aos
instintos de três ou quatro criminosos é esquecer o bairro que os produz. Ou as
crianças de Antuérpia que os celebram em plena sala de aula. Ou o café de Liège
que exibe a bandeira palestiniana e proíbe a entrada a judeus. Ou a marcha
contra o medo suspensa "por questões de segurança".
Atolados
em conversa fiada e na tolerância infinita face ao alegado
"desenraizamento" do "outro", vamos renunciando àquilo que
nos define e, sejamos francos, eleva acima da barbárie. Não tarda, os
desenraizados seremos nós. E os bárbaros estarão em casa.
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