Enviou-mo João Sena por
email, talvez enganado como eu.
O Bruno fez hoje catorze anos tímidos, que julgo não
chegarão - talvez infelizmente – ao
quadro apresentado por Mia Couto / Ruth Manus, de uma geração que contesta o
passado oprimido dos pais e dos avós, gerações antigas, soterradas em
compromissos, em trabalho externo, mas seguindo adequadamente as obrigações
próprias dos seus ajustamentos com a vida
- do emprego, do lar, da família, das diversões q.b..
Segundo Mia Couto / Ruth Manus, uma geração moderna
cavalgou numa lógica de prioridades – prioridade do estudo, do curso superior,
do emprego que pontua o mérito, do mérito que premeia o homem, com lautas
espórtulas em função de um progredir para o qual é chamado favorecendo a
empresa. E viajando. A prioridade das viagens, na ânsia de abarcar a aldeia
global em que se tornou o mundo, tornando cada vez mais real a frase latina do «a
nada do que é humano sou alheio» - «Homo sum, humani nihil a me alienum
puto».
Uma geração que virou, pois, escrava do conceito da
liberdade opcional, e quando despertou, sentiu que, afinal, talvez o viver mais
moderado, das justas ambições de uma vida familiar e simultaneamente de
trabalho, de ambição tantas vezes abafada no meio termo da modéstia,
provavelmente tornasse esse homem antigo mais feliz, e o homem moderno, das
prioridades racionais – indiscutivelmente mais egoístas – menos realizado do que
os seus antepassados.
Um texto assustador. É certo que, neste país de tantas
pessoas que enriquecem indevidamente – não, forçosamente, jovens – os patrões,
como em todos os tempos, sugam os empregados, em baixos salários e em excesso
de horas de trabalho. E essas gerações ambiciosas e amantes das prioridades não
serão assim tantas quantas aponta Mia Couto.
Para o Bruno e os meus outros netos mais novos – a
Mafalda, a Beatriz e o Sebastião – só desejo que um dia saibam aliar
racionalidade e sentimento, na construção das suas vidas, as minhas netas mais
velhas – a Ana e a Catarina – tendo sabido criar as suas próprias opções, com
inteligência e coração. Quanto ao Pedrinho, que a Ana nos irá apresentar em
Julho, que ele seja semente de uma geração bem diversa “da triste geração
que virou escrava”, segundo conceito justamente apreensivo de Mia Couto
/ Ruth Manus.
«A triste geração que
virou escrava»
– Mia Couto? Ruth
Manus?
“E a juventude vai escoando entre os dedos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre.
Tinha pena dos avós, que casaram cedo e nunca viajaram
para a Europa.
Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguer, a escola e as viagens em família para pousadas no interior. Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Tinha pena dos pais, que tiveram que camelar em empreguinhos ingratos e suar muitas camisas para pagar o aluguer, a escola e as viagens em família para pousadas no interior. Tinha pena de todos os que não falavam inglês fluentemente.
Era uma vez uma geração que crescia quase bilíngue. Depois vinham noções de
francês, italiano, espanhol, alemão, mandarim. Frequentou as melhores escolas.
Entrou nas melhores faculdades. Passou no processo seletivo dos melhores
estágios.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão. E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Foram efetivados. Ficaram orgulhosos, com razão. E veio pós, especialização, mestrado, MBA. Os diplomas foram subindo pelas paredes.
Era uma vez uma geração que aos 20 ganhava o que não precisava. Aos 25 ganhava o
que os pais ganharam aos 45. Aos 30 ganhava o que os pais ganharam na vida
toda. Aos 35 ganhava o que os pais nunca sonharam ganhar. Ninguém podia os
deter. A experiência crescia diariamente, a carreira era meteórica, a conta
bancária estava cada dia mais bonita. O problema era que o auge estava cada vez
mais longe. A meta estava cada vez mais distante. Algo como o burro que
persegue a cenoura ou o cão que corre atrás do próprio rabo. O problema era uma
nebulosa na qual já não se podia distinguir o que era meta, o que era sonho, o
que era gana, o que era ambição, o que era ganância, o que necessário e o que
era vício.
O dinheiro que estava na conta dava para muitas
viagens. Dava para visitar aquele amigo querido que estava em Barcelona. Dava
para realizar o sonho de conhecer a Tailândia. Dava para voar bem alto. Mas,
sabe como é, né? Prioridades. Acabavam sempre ficando ao invés de sempre ir. Essa
geração tentava se convencer de que podia comprar saúde em caixinhas. Chegava a
acreditar que uma hora de corrida podia mesmo compensar todo o dano que fazia
diariamente ao próprio corpo. Aos 20: ibuprofeno. Aos 25: omeprazol. Aos 30:
rivotril. Aos 35: stent. Uma estranha geração que tomava café para ficar acordada
e comprimidos para dormir. Oscilavam entre o sim e o não. Você dá conta? Sim.
Cumpre o prazo? Sim. Chega mais cedo? Sim. Sai mais tarde? Sim. Quer se
destacar na equipe? Sim.
A triste geração que virou escrava da própria carreira
Mas para a vida, costumava ser não: Aos 20 eles não
conseguiram estudar para as provas da faculdade porque o estágio demandava
muito. Aos 25 eles não foram morar fora porque havia uma perspectiva muito boa
de promoção na empresa.
Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório. Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia. Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum sentido. Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro. Só não tinha controle do próprio tempo. Só não via que os dias estavam passando. Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bónus do final do ano não comprariam os anos de volta.”
Aos 30 eles não foram no aniversário de um velho amigo porque ficaram até as 2 da manhã no escritório. Aos 35 eles não viram o filho andar pela primeira vez. Quando chegavam, ele já tinha dormido, quando saíam ele não tinha acordado.
Às vezes, choravam no carro e, descuidadamente começavam a se perguntar se a vida dos pais e dos avós tinha sido mesmo tão ruim como parecia. Por um instante, chegavam a pensar que talvez uma casinha pequena, um carro popular dividido entre o casal e férias em um hotel fazenda pudessem fazer algum sentido. Mas não dava mais tempo. Já eram escravos do câmbio automático, do vinho francês, dos resorts, das imagens, das expectativas da empresa, dos olhares curiosos dos “amigos”.
Era uma vez uma geração que se achava muito livre. Afinal tinha conhecimento, tinha poder, tinha os melhores cargos, tinha dinheiro. Só não tinha controle do próprio tempo. Só não via que os dias estavam passando. Só não percebia que a juventude estava escoando entre os dedos e que os bónus do final do ano não comprariam os anos de volta.”
Texto de Mia Couto? De Ruth Manus?
(Imagens retiradas aleatoriamente da
internet.)
Entretanto queria avisar que dentro de poucos
publicarei na TRAVESSA um texto sobre uma aventura que vivi na praia de
Benaulim.
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