Ora aqui está uma fábula muito conhecida
Sobre a necessidade de
cada um de nós
Deitar mão à sua obra
quando a obra é apetecida,
Ao invés de contar com
a mão do vizinho
Geralmente encolhido
no seu cantinho,
A menos que uma certa
luva
Lhe cubra a mão com
carinho.
Acho que essa anomalia
É mais comum hoje em
dia:
Muita mão, muita luva,
a definir
A amizade que cada um
diz sentir,
Para se empenhar a
ajudar
E ele próprio
Também poder progredir.
Será assim?
Eu, por mim,
Creio na amizade
Que se encontra na
vida
E que da vida é beleza
Quando há sinceridade:
Amigo do seu amigo
É como se deve ser
De certeza.
Além disso a cotovia
Já o nosso Anto dizia,
Fala depressa demais,
É tagarela,
- Bem proveito para
ela -
E Anto disse à Maria
Que pedisse à cotovia
“Que fale mais devagar
Não vá o João acordar”,
Em convite à
preguicite.
António Nobre o que devia
Era deixar a cotovia
Falar como ela queria
Para acordar o João
Do seu sono,
Como mais uma lição
Da cotovia,
A acrescentar à da fábula
De La Fontaine, e não
Deixar dormir o João
Como é nossa condição
De dorminhocos
Tontos.
A cotovia e os seus filhos com o dono dum
campo
«Não contes senão contigo»: é um provérbio vulgar.
Eis como Esopo o pôs a crédito
Para a gente meditar:
As cotovias fazem seu ninho nos trigais
Quando estes estão tenros, ainda em erva,
Ou seja, cerca do tempo da semeadura,
Em que tudo no mundo ama e pulula demais,
Como diz Lucrécio em
“De Natura
Rerum”:
Monstros marinhos no fundo do mar,
Os tigres nas florestas, as cotovias nos campos
Sem nunca fartar.
Mas uma destas últimas deixara passar
Os meados da primavera
sem aproveitar
Dos amores primaveris o
prazer.
Contrariada, ela dispôs-se, todavia,
Contrariada, ela dispôs-se, todavia,
A imitar a natureza e a
ser mãe como devia.
Constrói um ninho,
choca os ovinhos, e faz nascer
À pressa, segundo o
melhor que podia.
Os trigos em volta, amadurecidos
antes que a ninhada
Crescesse em força,
para voar e se pisgar,
A cotovia, de mil cuidados agitada,
A cotovia, de mil cuidados agitada,
Vai procurar comida, avisa as crias
Para estarem alerta, de
sentinela.
«Se o dono dos campos
vier com o filho,
(Quando vier), diz ela,
Escutem bem: segundo o
que ele disser,
Cada uma de nós terá
Que daqui abalar.
Assim que a cotovia
deixou a família sozinha
O dono do campo chegou
com o seu filho.
«Estes trigos estão
maduros, disse-lhe ele,
Ide chamar os nossos
amigos,
Pedir-lhes que tragam
as foices, ao raiar do dia
Para nos darem uma
mãozinha.
No regresso, a cotovia,
Acha a ninhada
alarmada.
Começa um: «Ele disse
que, erguida a aurora,
Os amigos fossem
chamados para o ajudarem….»
- Se não disse senão
isso, nada nos apressa ainda
A mudar de lugar; mas é
para amanhã
Que será preciso bem
escutar acerca da sua vinda.
Entretanto, alegrai-nos ; eis aqui comida.
Entretanto, alegrai-nos ; eis aqui comida.
Enfartados, adormecem,
as crias e a mãe também.
A madrugada nasce, e nenhum dos amigos à vista.
A madrugada nasce, e nenhum dos amigos à vista.
A cotovia a voar, vem o
dono à sua ronda
A alma isenta de festa:
«Estes trigos não
podiam, disse ele, estar de pé.
Os nossos amigos bem
erram, como erra quem crê
Em preguiçosos
tamanhos, tão lentos para trabalhar.
Meu filho, ide os
parentes chamar,
Pedir-lhes a mesma
coisa,
Sem tardar.»
O terror na ninhada é
mais forte do que nunca.
“Ele disse os parentes,
mãe, está na hora…
- Não, meus filhos,
dormi em paz, não deixemos ainda o ninho.»
A cotovia estava certa,
pois ninguém apareceu.
Pela terceira vez, os campos veio ver o camponês:
«O nosso erro é
extremo, disse ele iradamente,
Em esperar sobre os
outros, quando ninguém
É mais amigo ou parente
Que cada um de si mesmo.
Aprendei bem a lição,
filhos do meu coração:
Sabeis o que é
preciso ? É que, com a nossa família, amanhã,
Cada um pegue na sua
foice.
É o mais eficaz; e num repente
A nossa seara acabaremos,
se assim fizermos.»
Assim que foi conhecida
essa intenção
Pela cotovia:
«É agora, filhos meus,
que temos de partir»
E os pequenos, em
revoada,
Caindo, volteando, sem
trombeta,
Partiram pelos céus
fora.»
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