Da autoria de Francisco Gomes de Amorim.
Publicada no “A Bem da Nação”:
OS
CIGANOS
Que
ideia fazemos nós, quase todos, dos ciganos? O que sabemos nós dos ciganos? Uma
vaga noção das suas grandes festas de casamentos, que são avessos ao
assentamento, propensos ao nomadismo e às vezes a pequenos furtos, músicos,
vida descontraída, figuras de lindas mulheres fatais, como a Ciganinha de
Cervantes, a Cigana de Tolstoi, Shakespeare não deixou de referir que um lenço
“verdadeiro talismã” que Otelo oferece a Desdêmona, vinha de sua mãe que o
tinha recebido de uma gypsy, a
Carmen, de Merimée, imortalizada na ópera de Bizet ou a Esmeralda de Notre Dame
de Paris, e muitas outras mais cantadas por grandes escritores, que invadiram o
nosso imaginário, sempre desligando essas figuras à realidade da vida do povo
cigano.
Há
alguns anos o sucesso imenso do grupo musical dos Gypsy Kings, invadiu os
teatros do mundo, e... vamos adiante.
Vários
nomes definem este povo, conforme as regiões onde vivem, desde ciganos em
Portugal, gitanos em Espanha, gitanes em França, zigeuner em alemão, zingani ou zingari em Itália,
gypsies em
inglês e, sobretudo roms ou romis. Na Rússia são os Ruska Roma. Romis é o nome
geral que preferem, uma vez que os outros exónimos (do grego homens de fora) lhes pareceram, com o evoluir
dos tempos depreciativos.
Rom de roma, palavra
de origem do sânscrito, significa homens ou conjunto de populações nómades, e foi este nome que
adoptaram universalmente.
Em 1979
a ONU concedeu um status
consultivo à União Internacional Rom.
Foi a
linguística, no século XIX, que “desvendou” a origem deste povo: a Índia,
possivelmente do Rajastan, quando os ingleses conseguiram traduzir,
interpretar, o sânscrito, com o qual a língua básica do romis se aproxima, como
a de algumas línguas vivas daquele país, o caxemir, hindi, gujarati e outros.
Hoje
quando se fala em roms a
maioria das pessoas deve associá-los aos romenos, ou pelo menos que tenham
vindo da Roménia. Nada mais falso. A língua dos roms é o romani, a dos romenos
romane, e há ainda o romanche falado num cantão da Suíça. O romani, o idioma
dos roms é de
origem indo-ariana, enquanto os outros são latinos.
Como a
história antiga de todo o Industão, pouco mais refere do que contos ou lendas
de reis e sobretudo de deuses, a história do povo em geral é omissa, o que não
permite saber mais sobre a origem dos roms.
Consta
que, por volta do século X, este povo começou a sair do Industão, perseguido
pela invasão muçulmana, ou por estes obrigados a lutar nas suas fileiras; o
historiador Hamza relata a chegada à Pérsia de doze mil zotts, músicos indianos, a que chamaram de tchinguenis, e dois séculos mais tarde dois frades
franciscanos encontraram em Creta indivíduos que consideraram descendentes de
Cham, filho de Noé, de pele escura. Entretanto um grupo grande tinha feito
passagem, passagem essa onde demoraram alguns séculos, por Modon, cidade e
porto de mar na costa leste de Morea, na Grécia, lugar que era conhecido por
Pequeno Egipto, por estar no meio de terras secas com um estuário que, bem
menor, lembraria o delta do Nilo.
Os
gregos chamaram a esse povo de músicos e cartomantes, que faziam adivinhações
lendo a palma das mãos, de atkinganos ou atsinganos de onde se percebe a origem da palavra
ciganos, com todas as variantes da Europa continental.
Como
daqui continuaram a expandir-se para o resto da Europa, os que chegaram às
Ilhas Britânicas, onde aliás foram mal recebidos, alguns se intitulavam condes
e duques do tal “Pequeno Egito”, e assim ficaram conhecidos por egypsies ou simplesmente gypsies.
Houve um
período, quando entraram em França levando uma carta de recomendação do
Imperador Segismundo, rei da Germânia e da Bohemia, foram chamados de boémios.
Músicos, dançarinos, “bons vivants”, não está agora difícil saber porque se
chama a quem gosta da boa vida, farra, música e descompromissos, um boémio! Foi
um “presente” que os ciganos distribuíram pela Europa, e que perdura até hoje.
Quer dizer que todos os “farristas” terão uma espécie de DNA cigano!
Apesar
de músicos, bailarinos e “bruxas”, os ciganos eram habilidosos ferreiros, com
uma superior qualidade no fabrico de ferramentas agrícolas e de guerra: espadas
e lanças. À medida que avançavam pela Europa os seus serviços foram sendo
requisitados pelos senhores, mas não tardou a sentirem a aversão das
corporações locais, o que os levou a perderem o apoio dos senhores, passarem
fome e obrigados procurarem novos destinos.
O medo,
a pior arma com que os humanos até hoje se procuram “defender”, é atacando e
maltratando os que se apresentam mais fracos (desde há muito os ciganos, depois
os negros africanos e os aborígenes da Austrália e, sob o nazismo, judeus,
ciganos e homossexuais), e no final da Idade Média instigados pela igreja que
considerava bruxaria as “habilidades” das mulheres ciganas, e o descaso dos
homens para o trabalho inseridos nos contextos sócio económicos da época, a
perseguição não se fez esperar. Em 1592 o rei de Portugal publicou um édito
mandando que os judeus abandonassem o país, dando-lhes no máximo quatro anos. À
boa moda portuguesa ninguém abandonou coisa alguma! Mas não foi só em Portugal.
Em muitos outros países houve também tentativas de expulsão que não resultaram.
Hoje
estão em todos os países da Europa e da América. No Brasil... estão cada vez
mais integrados e confundidos com a população geral, tanto os de renda menor,
como em ambientes profissionais académicos: dentistas, bacharéis, médicos,
hoteleiros, etc. A maioria faz-se passar por descendente de portugueses ou
italianos, mas mantém nos seus ambientes privados o culto da língua romani, e
os costumes tradicionais do seu povo.
Há um
aspecto da cultura rom que conquistou o mundo de forma espectacular: a música e
a dança.
Levaram-nas
para países tão dispares como a Espanha e a Rússia, ouve interpenetração da
música local com a dos novos povos, e hoje nós temos danças russas com “jeito”
cigano e sobretudo o flamenco, resultado da mistura com a milenar tradição
musical andaluza, uma das mais belas músicas da terra, um dos espectáculos, e
música, que não há quem não aprecie e se impressione ao ver e ouvir as
guitarras, as danças e os cantos, que são a voz da dor e da resistência, e se
transformaram em obra de arte.
Se
houvesse alguma dúvida sobre a origem indiana dos ciganos, dos roms, não era
necessário mais do que ver as suas danças, maravilhosas, com aqueles movimentos
das mãos, tipicamente indianos, que até passaram para o balé clássico. Nenhuma
bailarina, mesmo dos balés de Paris ou São Petersburgo poderia dançar sem
complementar a dança com a “mímica” das mãos. E nisso as danças indianas e o
flamenco são imbatíveis.
Por
hoje... chega. Vou ver uns bailados flamencos!
Já
pensaram o quanto temos que agradecer aos roms?
07/04/2016
Francisco Gomes de Amorim
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