terça-feira, 8 de março de 2016

Ter esperança



É o que afirma Fátima Campos Ferreira, no remate do seu programa de hoje, 7/3, sobre os Portugueses e o seu amor pátrio. Não posso deixar de a admirar, pelo afinco com que defende o seu país, incansavelmente, no seu Prós e Contras, rodeando-se de personalidades que a forçam a investigar, a preparar bem os seus questionários, a procurar gente portuguesa no mundo, com êxito nos seus trabalhos nesse mundo, e com maior ou menor saudade do seu país. Jorge Sampaio e Ramalho Eanes foram os convidados desta noite. Jorge Sampaio fala bem e gosta de falar – sempre gostou - cheio de entusiasmo e de ideias bem concebidas no convencionalismo de uma leitura democrática, de quem sabe que a dívida é enorme num país impreparado e onde a corrupção atingiu níveis que necessariamente o enredam em malhas sem destrinça possível, mas continua a falar. Ramalho Eanes é bom orador também, criado dentro dos princípios da disciplina militar, sabendo bem que sem essa nada se constrói de positivo, a não ser palavras que o vento leva – o que um ou outro interveniente, bem sucedido no estrangeiro, confirmou, apesar da dedicação pela causa patriótica da laboriosa Fátima, falando na fuga de cérebros, no mundo sem fronteiras, na necessidade de atrair oportunidades e mais outros chavões bem intencionados do nosso psitacismo que factores incontornáveis de paralisia económica atam ao torno da nossa desesperança.
Do programa de Fátima Campos Ferreira, o que teve maior relevância para mim foi a crítica de Ramalho Eanes à pretensão do futuro PR – Marcelo Rebelo de  Sousa – de celebrar o 10 de Junho junto das Comunidades Portuguesas em Paris. A mim repugna-me o acto, de puro desrespeito para com o seu “chão pátrio” e atrevimento parolo em utilizar o “chão” alheio, como se tivesse esse direito de “incomodar” a nação francesa, que terá mais que fazer do que assistir ao nosso folclore domingueiro, num dia que só a nós deve interessar.  Mais uma vez a ousadia pouco educada e grotesca da nossa pelintrice exibicionista que a mim me parece desprezível, pelo que revela de actuação mal educada numa liberdade boémia e pouco decente. Dispendiosa também me parece. Mas pouco deve isso interessar a mais um daqueles que parece não se incomodar com a dívida, disposto, sim, a passear a sua importanciazita pelo mundo. Relembro a imagem de Mário Soares a afirmar, creio que em Itália, a um qualquer veraneante, que “era o presidente de todos os portugueses”. Meninos brincalhões que envergonham o chão pátrio, mais digno que a pequenez desses.
Por isso, não acho que deva ter esperança, a tal esperança que defende para nós Fátima de Campos Ferreira. Porque se continua a criticar um governo – o anterior – que, para todos os efeitos, quis erguer o país na responsabilidade de uma honradez que grande parte do povo não aprecia, povo do choradinho e do palavrão, povo que continua na cauda, em termos de nível educacional, comandado agora pelos que apenas acham que só têm direitos, entre os quais, o direito de exigir os seus direitos.
Tudo isto é grotesco. Alberto Gonçalves sabe-o bem, e com a coragem de sempre, defende os seus pontos de vista menos optimistas que os de Clara Ferreira – quer em relação a esse povo –de linchadores, já desde os tempos da crise de 1383/85, segundo a pena de Fernão Lopes, e que José Saramago revelou amante de espectáculos de autos-de-fé – o que se vê na Internet, por exemplo, na virulência dos ataques de esquerda a quem não for de esquerda – e for livre de alienações, outras que as de uma razoável formação ética.
É sobre o livro de José Raposo, que naturalmente defende. É sobre o governo de António Costa que também escreve. Sem esperança. Mas com muito saber, graça e ousadia. O que nos vai restando, dos cacos em que nos estilhaçamos, continuamente…

Portugal prometido
Alberto Gonçalves
DN, 6/3/16
É típico das nações exóticas: um livro apenas excita os que desejam proibi-lo. Henrique Raposo escreveu, julgo que em registo entre as memórias e a literatura de viagem, acerca da região dos seus antepassados. A obra chama-se "Alentejo Prometido". Pelo menos um dos capítulos trata da elevada taxa de suicídio naquelas paragens. Não conheço o Henrique, excepto das crónicas no "Expresso". Não conheço "Alentejo Prometido", excepto das pré-publicações e referências na imprensa. Não conheço o Alentejo, excepto por três ou quatro passagens breves e umas semanas no quartel de Vendas Novas. Mas a minha ignorância na matéria, aliás presumivelmente semelhante à do lisboeta médio sobre Trás-os-Montes, não vem ao caso. E o caso é a exuberante exibição de fanatismo, e talvez algum desequilíbrio patológico, que o referido livro alimentou.
A história, que peço desculpa por repetir, começou após a presença do Henrique no programa "Irritações", da Sic Radical, onde falou da tal propensão suicida e de uma alegada indiferença à mesma. Num instante, a internet desatou a babar uma indignação rara até para os generosos padrões daquilo. Criaram-se petições sortidas, umas para suprimir o livro, outras para suprimir o Henrique. A página no Facebook do responsável pelo "Irritações", Pedro Boucherie Mendes, desapareceu por dias. A espelunca anfitriã do lançamento cancelou-o corajosamente. A polícia foi convocada para um local alternativo. Incansáveis activistas dos direitos civis ficaram civicamente mudos.
Nada disto é exactamente novo. O que se calhar não é comum é a desproporção do ódio face ao pretexto: que espécie de transtorno leva milhares de pessoas a perderem tempo e a cabeça, admitindo que a tinham, à conta de umas opiniões (e umas estatísticas) transcritas em papel? Diversos factores ajudam à festa.
Em primeiro lugar, há o ancestral afecto popular por linchamentos, embalados pelo conforto do anonimato ou pela força da multidão. Poucos fenómenos consolam tanto a humanidade quanto a impressão da razão atribuída pelo número: se "toda a gente" adere a uma "causa", seja esta a liberdade de expressão do "Charlie Hebdo" ou o silenciamento da expressão do Henrique, é aí que o cidadão mediano e medianamente cobardolas quer estar.
Em segundo lugar, há o estímulo à irracionalidade providenciado pela internet. Se antigamente a indignação das massas se traduzia no futebol ou nas dúzias de ociosos que prometiam, à porta dos tribunais, vingar sujeitos cuja existência lhes escapava dez minutos antes, hoje as "redes sociais" democratizam imenso o processo. Qualquer um, no recato do lar e sem despesas, está habilitado a despejar fúria em cima de quem lhe apetecer. Embora com resultados duvidosos, é a terapia ocupacional em voga.
Em terceiro lugar, há a circunstância de o Henrique não ser de esquerda, deformidade que, em Portugal, consubstancia desde logo um delito ou dois. Questionar a perfeição ética do eleitorado "natural" do PCP acrescenta três ou quatro. Ser, para cúmulo, editado "pelo" Pingo Doce, remata o cadastro e define um "fascista". Por experiência própria, sei que muitos "anti-fascistas" lidam um bocadinho mal com o contraditório e defendem o castigo sumário dos canalhas que o arriscam. Como os aparelhos ortodônticos, a tolerância é um penduricalho - bem bonito - que essa rapaziada usa na boca.
Por fim, há o "contexto" actual, que se não me engano favorece os instintos inquisitoriais. Se as recorrentes raivas da extrema-esquerda jamais precisaram de pedir licença aos titulares do regime, quando a extrema-esquerda é oficiosa e oficialmente o regime a raiva será praticamente obrigatória. E, daqui em diante, quase ininterrupta. É esperar para ver - e calar, na certeza de que a desilusão que o Alentejo suscitou no Henrique só afectará os iludidos pelo país inteiro.

Terça-feira, 1 de Março
Os parodiantes de Lisboa
É natural que, perante a extraordinária trupe cómica que alguns confundem com um governo, cada espectador tenha os seus favoritismos. Os tradicionalistas, por exemplo, preferem as anedotas brejeiras do dr. Costa, que para cúmulo se ri enquanto as conta. Os adeptos da comédia do embaraço optam pelo dr. Centeno, um Ricky Gervais de segunda apanha. As crianças deleitam-se com o humor físico do filho de Mário Soares, excessivo para as sensibilidades finas. E há os seguidores fiéis do nonsense do ministro da Educação (que arrasta o estilo desde Cambridge, como metade dos Monty Python), os fãs incondicionais do ministro do Ensino Superior (a rábula "Tenhemos Humildade" é já um clássico) e os devotos do dr. Santos Silva (velho mestre da piada involuntária). A mim, porém, quem me tira o discreto surrealismo do ministro da Economia tira-me tudo.
O homem abre a boca e, com a sisudez de Buster Keaton, as graças saem umas atrás das outras - e às vezes à frente: os níveis de fiscalidade não dissuadem o investimento estrangeiro; o aumento do preço dos combustíveis não prejudicará o sector do calçado; o Orçamento de Estado cria confiança. E a mais recente: as famílias com filhos evitam os restaurantes para não maçar os restantes clientes. Na semana que vem, o dr. Caldeira Cabral garantirá que o povo só não se desloca de helicóptero por causa das vertigens. É uma pena que a galhofa decorra à custa da nossa falência. Ainda assim, é um preço justo.

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