Clara
Ferreira Alves é uma escritora dos
quatro costados, que alia uma experiência de vida nas sete partidas do mundo -
ou apenas naquelas onde a leva talvez um apelo de fraternidade, talvez uma
curiosidade de repórter da actualidade e, para todos os efeitos, uma grande
coragem de samaritana num mundo tresloucado a fechar o futuro às próximas
gerações – que alia, pois, a sua experiência, curiosidade e samaritanismo, a
uma extrema lucidez de percepção, que lhe advém dessa muita experiência
viageira, da muita leitura, da muita maleabilidade de adaptação aos diversos
esquemas político-partidários que se lhe atravessaram no percurso etário. Gosto
de a ouvir e ainda mais de a ler, e noto que tem evoluído (o evolucionismo faz
parte de todo o ser, Darwin mais outros sábios o disseram, contrariando a
própria Bíblia, de gentes parecidas com as de hoje). Clara Ferreira Alves tem
evoluído no sentido de uma cada vez
maior compreensão do fenómeno político, os seus radicalismos irónicos para com
os governos mais à direita abrandando, em
face de uma esquerda tentando impor-se, a pretexto de uma maior bondade, na
realidade – ela sabe-o bem – com maior penúria mental, advinda da iteração sem
tréguas dos slogans maniqueístas sobre ricos e pobres, exploradores e explorados,
capitalismo e trabalhadores, o discurso da tanga sobre os deserdados, em suma,
e do ódio subjacente aos "herdeiros", na realidade, com igual ambição de poder e de riqueza – ela sabe-o bem – que irmana
todas as frontes humanas, como já afirmava Sá de Miranda ao “Rei de muitos Reis”, D. João III:
Onde
há homens há cobiça;
cá
e lá tudo ela empeça,
se
a santa, igual justiça
não
corta, ou não desempeça
o
que a má malícia enliça.
Dessa tacanhez dicotómica e esperteza de ambição
acusa o tal Pablito que, ao invés dos outros partidos mais à direita, não tem
escrúpulos em destruir o seu país, tal como os nossos próprios pablitos de
fraca cultura histórica e muita gana de substituir os partidos do governo, ou,
por cá, no caso actual, de impor as suas condições ao grupo que governa,
indiferentes a dissipações nacionais em que podem redundar as suas exigências das
caridadezinhas vistosas.
E
no meio dos pablitos de meia tigela, outras realidades do sistema do el dourado
europeu, de que o Reino Unido é representante-mor, oferecendo trabalho duro aos
expatriados de outros países em busca de uma sobrevivência longe da casa dos
pais, concluídos estudos superiores que não têm escoamento no seu próprio país
nem tão pouco lá, no el dourado londrino, e que se reduzem ao “Luísa sobe a
calçada” das revoltas democráticas dos nossos Gedeões de outrora, mas em
espaço estrangeiro, apesar dos cursos superiores e como recurso supremo.
De
tudo isso trata a Pluma Caprichosa de 20/2, e por isso lhe transcrevo o texto «São
todos iguais», excelente como é toda a sua pluma, que pode ser bem
caprichosa porque maleável de sabedoria e arte, ainda que discordasse das suas
teorias mais próximas dos pablitos de todas as eras. O prazer de lhe gravar a
prosa supera o sacrifício de a copiar, por má vontade do Expresso – e agora do
Público também - em não disponibilizar a transcrição dos seus artigos para
guardar no meu blog.
SÃO TODOS IGUAIS
E, 20/2/16
Li
para aí que o azougado Pablo Iglesias do inevitável Podemos não se tem
entendido com os socialistas espanhóis porque quer, para ele e para o seu
partido, nada mais nada menos do que o controlo dos serviços de informações de
Espanha, o controlo da espionagem e da contraespionagem. E nós que pensávamos
que o azougado se interessava exclusivamente pela geração perdida, pela
injustiça social, pela desigualdade, pelo fim da austeridade e pelo desemprego,
combatendo o capitalismo como Don Quijote combateu os moinhos de vento
coadjuvado não por Sancho mas por Sánchez.
Nós
que pensávamos que o que move Pablo é a necessidade de reinventar as esquerdas
europeias segundo novos paradigmas de beleza e de justiça, de harmonia e de
paz, e o que o azougado quer é controlar as informações secretas e deste modo
ter nas mãos não apenas um pássaro e sim dois ou três. O Pablito quer não
apenas salvar a Espanha, ou destruir Espanha, visto que se bate tanto pelo
referendo catalão, o Pablito quer abocanhar Espanha. Enquanto os
socialistas torcem o nariz, espantados pela ousadia, o PP continua a dar-nos
as obras completas da sua corrupção em folhetim. Mais meia dúzia de
alcaides, figurões e suas perfeitíssimas instituições metidos na embrulhada dos
milhões sonegados ao Estado. No entretanto, os vizinhos do lado levam uma
vida semelhante aos belgas mas sem a batata frita e o mexilhão. A Espanha
está sem governo.
Nunca
a Europa e o projecto europeu desceram a
profundidades tão perigosas onde não entra a luz. Governados por grandes peixes
cegos, os europeus assistem à derrocada dos sistemas políticos tradicionais e à
substituição progressiva por outros sistemas políticos que querem exactamente a
mesma coisa que os sistemas políticos tradicionais. Exercer o poder de modo a
que o poder lhes não escape das mãos. E, claro, destruir os outros poderes
controlando a demagogia e os fluxos de informação de modo a garantir o voto
popular. Até ao dia em que o seu voto seja desnecessário. É
mais ou menos isto que quer Pablo Iglésias. Ou o que querem Varoufakis e
filósofos como Slavoj Szizec. Perdi a minha admiração pelos diagnósticos de
Varoufakis quando se descobriu que estava disposto a retirar a Grécia do euro
usando mecanismos antidemocráticos e subvertendo o Parlamento. Nada que o pós
moderno Zizek não tenha andado para aí a espalhar, camuflando a sua
desconfiança da democracia com propósitos de uma revolução anticapitalista
feita em nome do povo. Quem não apoiasse o Syriza tinha um bilhete directo para
o gulag. Disse ele a brincar, claro. Estas ideias totalitárias que reciclam a
cartilha marxista não são nada que a História não nos tenha oferecido antes de
Marx. Há sempre um mecânico disposto a montar a guilhotina na praça principal e
a denunciar e a aniquilar os inimigos do progresso. Vive dentro de cada um de
nós, como um vírus escondido, um minúsculo Robespierre.
Londres
é o lugar onde a Europa começa a partir-se aos bocados. A capital está cheia de
jovens europeus obrigados a sair do seu país ao cabo de anos à procura de um
emprego que lhes permita sair da casa dos pais. Estão envelhecidos e
desiludidos. Têm cursos universitários e trabalham aos balcões dos armazéns,
servem às mesas dos restaurantes, varrem soalhos, despejam caixotes do lixo,
atendem clientes. Levantam-se de madrugada e deitam-se tarde. Londres entrou no
ciclo americano das 24 horas e é cada vez mais uma cidade americana, mais perto
do frenesi de Nova Iorque do que da sonolência das cidades alemãs. Dado o bom
estado de uma economia que vai criando empregos, os jovens espanhóis, tal como
os gregos, os italianos, os portugueses, são uma nova espécie de emigrantes. Os
pais pensaram que os filhos viveriam melhor do que eles e os filhos ainda
dependem dos pais para sobreviver os primeiros tempos num lugar
estranho e, como me disse um jovem espanhol, enquanto limpava mesas no
restaurante, cruel. Este criado de mesa tem um curso de gestão. Nunca chegou a
exercer. Em Espanha, procurou
emprego durante mais de um ano, mas tudo o que lhe ofereciam eram estágios
não remunerados ou insuficientemente remunerados, a termo. Nem estabilidade nem
um salário. Em Londres espera vir a conseguir qualquer coisa, se ficar tempo
suficiente. E não gosta de Londres nem da língua inglesa, que fala com acento
grave. Pelo menos ali, diz. A máfia dos partidos não tem influência. O trabalho
não depende de conhecer um patrão do PP ou do PSOE. E quanto a partidos,
estamos conversados. Nem é bom falar. São todos iguais, dizem estes jovens
naquele tom cansado da vida que ninguém deve ter aos vinte anos. Pablo
Iglésias acaba de demonstrar o teorema.
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