“Orgulhosamente sós”, frase atribuída a Salazar, é retomada no Editorial
do Público de 13/3, para justificar o posicionamento da facção britânica
avessa à continuidade do Reino Unido na União Europeia, mostrando o quanto essa
opção poderá ser negativa, no isolacionismo a que condenará os ingleses.
Lembrou-me a
frase de Salazar, que tanto se parafraseou no seu tempo, creio que em autocrítica
parodística pela nossa matreirice interessada em destruir esse mito. O certo é
que ele foi destruído, e nos aproximámos assim de quem nos reduziu à condição
do «humildemente acompanhados”, que, de resto, condiz com a nossa
modéstia de povo sempre mais espectador do que participante – (embora sempre
expectante relativamente a dinheiros emprestados pela mesma União Europeia) - na consciência da nossa insignificância
cultural, mau-grado os heroísmos passados, da abertura de rotas para o mundo, no
interesse próprio.
Também eu gostava que os Ingleses permanecessem ligados
à União Europeia, habituada que estou a vê-los sempre em comando, quer quando dominam
o mundo da Ásia e África, América e Oceânia, expandindo os seus produtos, a sua
língua e a sua cultura, quer por razões
de afectos nacionais, devido a velha aliança que mantivemos em momentos de
crise, como no tempo de D. Fernando, ou no de D. João IV, casando a D. Catarina
de Bragança com um Stuart, a quem oferecemos Bombaim e Tânger, mais o hábito,
ao que parece, do «five o’clock tea» e a “marmelade”, coisa
significativa, além dos Doze de Inglaterra e o seu Magriço, defensores
da honra feminina inglesa no tempo do duque de Lencastre, coisa de pouca monta,
mas que Fernão Veloso valorizou contando-a aos marinheiros, como passatempo, antes
da «súbita procela» que desabou sobre as naus do Gama, como mais uma das insídias de Baco, mas desta
vez já perto do destino –“Terra de Calecu, se não me engano”, o que foi dito
pelo alegre piloto melindano. O certo é que os Ingleses nos favoreceram com o
Beresford e o Wellington, nos tempos da Revolução Francesa e seguintes da
ausência da corte, a “banhos” no Brasil, e mais uns empréstimos necessários
para recompor as finanças, no século XIX e seguinte, dívida que só o orgulhoso
do Salazar conseguiu combater, embora retomada nestes tempos de acompanhamento
democrático sem orgulho de maior.
Mas quando o Editorial do Público defende a
permanência da Inglaterra na União Europeia, será que não o regem idênticos considerandos
sobre a superioridade inglesa, como poderoso auxiliar do equilíbrio desta, mais
do que o interesse pelo próprio equilíbrio do Reino Unido?
Editorial
Público, 13/3/16
Orgulhosamente…
sós?
Pode o Reino Unido apartar-se da
União Europeia e a história ter um final feliz? Há eurocépticos que dizem que
sim, apontando a UE como “um sorvedouro de dinheiro que subverte a democracia”
e um “anacronismo”. Mas o salto no abismo que propõem, com a promessa (não
garantida) de que existirá um pára-quedas a evitar danos maiores, não está a
convencer as grandes empresas e os gigantes da finança londrina. Além de uma
parte considerável do eleitorado, que teme poder ficar a perder com tal
aventura. Com o referendo marcado para 23 de Junho e com quatro meses de
campanha, já em marcha, a antecedê-lo, as principais interrogações dos
britânicos não são políticas mas económicas e centradas nos seus próprios
benefícios. O que ganharão se ficarem? O que perderão se saírem? Cameron, que
se lançou nesta aventura por razões de sobrevivência política e agora terá de a
levar até ao fim pelas mesmíssimas razões, sabe que é a isto que tem de dar
resposta. E já o fez na quinta-feira, ao dizer: “Para aqueles que defendem a saída,
a perda de empregos e os danos na economia podem ser danos colaterais ou um
preço que vale a pena pagar. Para mim, não são. Não há nada mais importante do
que proteger a segurança financeira dos britânicos.” A segurança, aqui está uma
palavra que muitos levarão a sério. Trocar o certo pelo incerto foi coisa
que não convenceu, por exemplo, os votantes no referendo escocês. E escolheram
permanecer no Reino Unido. Ficaram no “clube”. Agora é o país inteiro que deve
escolher ficar ou sair do “clube” maior, a União Europeia. Clube onde não
tem de usar a mesma moeda, mas onde beneficia de vantagens comerciais não
negligenciáveis num mercado único de milhões de pessoas. É para isto mesmo que
alertam Guntram Wolff e André Sapir, do think tank Bruegel, num artigo intitulado
O mito da soberania do Reino Unido:
“Ser membro da União Europeia concede ao Reino Unido uma forte influência e a
capacidade para exercer a sua soberania ao nível da União Europeia. Se sair da
União Europeia, o Reino Unido terá de enfrentar uma escolha, entre negociar com
a União Europeia e o resto do mundo os termos dos acordos comerciais ou
virar-se para o isolamento.” Cameron e o seu governo empenham-se em
convencer os britânicos a votarem pela permanência, mas terão pela frente uma
oposição insistente e empenhada. A realidade, mais do que as intenções,
ajudará. E se os britânicos fizerem contas, verão que o “orgulhosamente
sós”, e simultaneamente poderosos, é, no mundo global de hoje, uma quimera.
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