sábado, 24 de setembro de 2016

A sebe



Numa das muitas antologias literárias que me passaram pelas mãos, fixei a quadra inicial de um  poema mais ou menos narrativo de António Feliciano de Castilho, sobre uns amores de dois adolescentes, “cena Romeu e Julieta estás a ver?” – amores proibidos pelos respectivos progenitores – mas terminando alegremente com a perspectiva da destruição da sebe das roseiras para um final feliz («Mas queiras tu, queira eu…» - creio que assim começa a última quadra, sem que me lembre do resto, que, com grande pena, não encontro na Internet, e há muito perdi o rasto da antologia antiga, Castilho naturalmente arrumado dos programas escolares, como objecto de curiosidade, quando muito  referido de passagem por conta da Questão Coimbrã, polémica que marcou uma viragem literária, contrária certamente a uma sua literatura mais ou menos artificial, apesar da graciosidade de alguns quadros bucólicos que descreveu, como o poema que a Internet revela “Treze Anos”: “Já tenho treze anos /Que os fiz por Janeiro/ Madrinha casai-me / Com Pedro Gaiteiro” ). Começava assim o poema de Castilho, de que me lembrei a propósito da Quadratura do Círculo desta semana:
Há entre os nossos quintais
Duas sebes de roseiras
Foi posta por nossos pais
Para servir de fronteiras.

Na verdade, a imagem da sebe me veio à ideia - a “cena” dos muros sendo demasiado pretensiosa no caso presente - com Pacheco Pereira a convidar os amigos das disputas habituais a irem abrir os três a janela diante do mar, para a lufada de ar da maresia, após as informações esplendorosas de Jorge Coelho de que o investimento se vai mesmo realizar em Portugal - com a injecção de capital exterior para isso - o que, aliás, explica a alegre confiança e ironia de António Costa contra os do Restelo que lhe desfazem na “geringonça”, desconhecedores da injecção, ao contrário de Jorge Coelho, que a conhece e sabe dar valor às carências nacionais, condenando decididamente as políticas anteriores de Passos, (esquecido dos condicionalismos em que navegava a nau deste).
Mas, retomando a sebe, de facto, existe uma entre os três da quadratura, não por oposição de parentes contrariados, mas por incompatibilidades próprias, resultantes das ideologias pessoais, sebe, aliás, bastante florida de rosas também, os espinhos, quando eriçados, logo retomando os punhos de renda das civilidades, que se me perdoe o surrealismo da imagem. Mas nunca, como hoje, a sebe fora tão esplendidamente anulada, no geral regozijo que sucedeu à informação do opositor socialista, adepto inquestionável das virtudes governativas de  António Costa.
O debate hoje iniciou-se a respeito da escaramuça altissonante causada pela proposta do Bloco de Esquerda de taxar o imobiliário com que os ricos disfarçam a sua riqueza escondida nos tais paraísos fiscais, isenta dos impostos pátrios, e criando nessas mansões o seu próprio paraíso vivencial, saboreando da pátria o bom clima e o saboroso alimento, que ainda é o que se leva desta vida, além da brincadeira, ai, ai. É claro que os ricos não gostaram da graça e António Costa teve que pôr água na fervura, explicando que não era tanto assim, como o Bloco dizia que queria que fosse, com Mariana Mortágua a explicar e dizendo verdades muito justas e muito sentidas que, de resto, Pacheco Pereira, que não perde a ocasião de cascar em Passos Coelho,  apoiou, afirmando que o que ela disse já Passos o propusera, bem claro - taxar as casas dos ricos, por conta dos dinheiros resguardados fora, para buscar as côdeas dos remendos pecuniários de que Costa precisa para o seu acordo com Bruxelas, para Bruxelas não se zangar connosco, continuando a servir-nos e a taxar-nos, como é justo, mas cada vez mais excessivamente, por conta da insignificância dos investimentos cá.
Não importa continuar o relato sobre os temas disputados na Quadratura, cada um a seu modo, com a perspicácia e a orientação específicas, Pacheco Pereira, como sempre lançando as garras (linguagem surrealista) sobre o pobre Passos Coelho, com pano para mangas, secundado desta vez por Lobo Xavier, por causa do tal livro que se comprometeu a apresentar mas de que se escusou posteriormente, o que também lhe não é perdoado, no empolamento da moralidade para os bons costumes. Quanto a Jorge Coelho, gostei que se escusasse à lavagem da roupa suja, e em vez disso tirasse o tal coelho da cartola, a respeito da veracidade dos investimentos, como bom prestidigitador, o que fez terminar o debate sem sebe e com o perfume da maresia, sugerido por Pacheco Pereira.

2 comentários:

cardigos1917 disse...

Gostei. Grande abraço de saudades Dona Berta Brás. Cumprimentos. Casimiro Rodrigues

Por AmaisB disse...

Desculpe, sr. Casimiro Rodrigues, ficou em duplicado e não sei apagar Também tenho uma grata lembrança de si. Obrigada e um abraço. Berta Brás