segunda-feira, 25 de maio de 2009

Desenterrando memórias: José Saramago Prémio Nobel 1998

A sua obra ficcional forma panorama amplo de originalidade, humor satírico, informação livresca, agudeza psicológica e crítica, imaginação amplificadora, universos alucinantes, conhecimento humano, traduzidos num discurso desconcertante, pela irregularidade da sua estrutura frásica com a ausência da pontuação clássica, técnica que exige do leitor uma atenção permanente e participante na descodificação dos registos linguísticos – do narrador ou das personagens.
Como se este estilo “acumulativo” de registos, de Saramago, fosse símbolo da nossa época mediática, ruidosa e veloz, em que as vozes chegam e se impõem na força da sua oralidade, sem tempo para apresentações, ou para respirar pausadamente, e simultaneamente permitindo a percepção e desmontagem dos comportamentos e temperamentos das personagens, juntamente com o riso sardónico do seu narrador.
Dir-se-ia que, para além da vastidão de elementos culturais e de conceito que informam a complexidade da sua obra, esta deve a sua originalidade também à matéria-prima humana que nela se realiza através do discurso poderoso, na sua unidade estilhaçada em fragmentos semânticos a descobrir, bem longe da técnica do discurso semidirecto ou indirecto livre de Eça, que já no seu tempo constituíra original forma de expressão, sem nunca perder, todavia, o equilíbrio gramatical, nem a clareza, nem o destaque psicológico das personagens, com a ocultação do narrador.
Mas nestes séculos XX e XXI, cada vez mais marcados pelo tecnicismo, pela especialização, pela variedade, pela transformação, não espantam tais características de uma escrita exigente da participação do leitor, progressivamente mais apto, não só em consequência da ambiência de registos a descodificar que desde a infância o envolvem, como ainda pelo desenvolvimento dos estudos linguísticos e semânticos que possibilitam uma análise mais esclarecida de cada escritor.

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