sexta-feira, 1 de maio de 2009

“Eu não devo nada ao trabalho”


Hoje é o primeiro de Maio, dia feriado, e comecei-o a cantar a “Internacional”, enquanto preparava os legumes da sopa para festejar zelosamente o Dia do Trabalho, dando ao litro. Também, é verdade, na tentativa, sempre abortada, de extrair algum quilo em excesso, próprio da idade, da atracção das doçuras e do desleixo na prática do exercício físico tão vivamente aconselhado para a qualidade de vida, para evitar os gritos de dor que o Camilo Pessanha sintetizou com arte - “Dos meus ossos o lume a extinguir-se breve”.
O que é facto é que me esmerei na limpeza do pó e nas comidas, antes das compras com a minha amiga que sempre se alonga nos protestos contra a deficiente criação do Homem, que tanta carga de calorias tem que ingerir diariamente. Ela acha que a frase do Jeová aos nossos primeiros pais, expulsos para este desterro - “Comerás o pão com o suor do teu rosto” - deveria circunscrever-se apenas a pão, para não exigir tanto dispêndio de energias na preparação dos cozinhados de cada dia. Por isso é elegante, vê-se que cuida bem da sua beleza, indiferente aos doces, e sempre protestando contra tanta refeição diária.
Chegámos ao Pingo Doce, na safra diária de recolher produtos para os cozinhados, mas era Dia do Trabalho, e, espanto dos espantos, o Pingo Doce fechara. Aquele doce Pingo Doce que está sempre à mão para a última compra e o último presente quando a memória falhou, o Pingo Doce tinha as portas encerradas neste Dia do Trabalho, em antífrase, tal como o lugar “Felix” do “seco, fero e estéril monte” “onde nem ave voa ou fera dorme” do Camões, lhe mereceu o apodo de “infelice”, também “por antífrase”.
Comprámos o pão do Jeová, indicativo de um conhecimento industrial já bem acentuado no Éden, embora não acreditando nós na sua variedade de panificação, de que usufruímos agora, e prontificámo-nos a subtrair tarefas na confecção dos pratos, para acompanhar a interpretação que fez o Pingo Doce do seu Dia do Trabalho, aliás, perfeitamente moldado ao conceito generalizado de festejo e feriado.
Quando regressei a casa, a minha mãe perguntou-me que dia era hoje. - Sexta-Feira, Dia do Trabalho, feriado nacional.
Eu não devo nada aoTrabalho, trabalhei muito toda a vida”, foi imediata a resposta.
Ainda pensei recalcitrar, como de costume. Achei que a frase “não devo nada ao trabalho” se aplicava de preferência aos calaceiros, aos desempregados ou mesmo aos sem abrigo, estes por comodismo, quando não por outras razões mais adversas, ou, se a memória me não falha, àqueles de quem se diz que “não foi a trabalhar que ganhou estatuto”.
Outros casos há exemplificativos dessa ausência de débito.
Por mim, acho que devo muito ao trabalho, que me deu a possibilidade de criar família e status, “com o suor do meu rosto” da imposição bíblica, além de que entendo que, só trabalhando, é que os países e os povos progridem, mau grado algumas opiniões mais cépticas.
Mas afinal, também foi isso que fez a minha centenária mãe. Não deve ao trabalho nada porque sempre lhe deu tudo.
E se todos assim pensassem, viveríamos com mais desafogo. Em termos de nação, é claro. Globais.

Nenhum comentário: