terça-feira, 5 de maio de 2009

Educar para o optimismo

Ouvi a informação num noticiário televisivo matinal sobre uma professora que, desagradada do desânimo instalado neste país soalheiro, decidiu orientar os alunos para o optimismo, numa estratégia que resultou em respostas muito alegres das crianças entrevistadas, considerando a necessidade de manterem a sua auto-estima.
Estimei ouvi-las, admirei o seu saber e recordei mesmo um livro que uma biblioteca pública lourençomarquina/(maputina) me emprestara nos finais dos anos quarenta, que também expunha sobre o optimismo. Pela idade das crianças – 8, 9, 10 anos, ou até menos – achei que não se tratava da leitura do “Cândido ou o Optimismo” de Voltaire, embora as aventuras daquele pudessem comparar-se às aventuras extraordinárias ou mesmo tenebrosas dos filmes animados que hoje elas vêem com tanto gosto. Não, a professora explicara sobre a auto-estima que é preciso manter, mau grado os sarilhos em que andamos todos enfiados, tinha, pois, uma intenção didáctica a sua estratégia docente de educar pedantemente para o optimismo.
Quanto ao bastardo do Cândido, tratava-se de um ser ingénuo e crédulo, educado por um filósofo que expunha sobre todas as coisas muito estreitamente – o sábio Pangloss – igualmente educador dos filhos do barão, tio do Cândido. Segundo Pangloss “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”, embora as várias aventuras a todos eles sucedidas, frequentes vezes provassem o contrário, de uma maneira perfeitamente atroz, donde se conclui a intenção irónica e parodística de Voltaire ao expor sobre o optimismo. E tudo começara num beijo de Cândido à sua amada prima Cunegundes, logo expulso pelo pai desta, à maneira do Simão Botelho e da Teresa Albuquerque, nessa altura ainda desconhecidos, mas em perfeita imitação da estreiteza aristocrática e política que já separara os eternos amantes Romeu e Julieta. É claro que no final, as personagens se reencontram e continuarão a amar-se, (ao contrário dos outros exemplos dramáticos citados), mau grado a fealdade atrabiliária de Cunegundes, já sem grandes ambições, todos eles, e descrentes no Eldorado, mas “cultivando o seu jardim”, a conselho dum bom velho turco que os acolheu, prova de que há, ou, pelo menos, houve, turcos bons.
A professora, ao ensinar os seus meninos a serem optimistas, parece querer minimizar o horror da sociedade em que vivem alguns outros meninos, cujos pais, desempregados, sentem o seu anterior mundo estável a desmoronar-se, mundo em que nos inserimos todos, afinal, na preocupação pelo futuro de todos os nossos meninos, e apesar dos passeios ao "México" dos mais abastados e menos preocupados.
A professora não parece desenvolver princípios para uma educação racional que torne os seus alunos atentos ao mundo, com a irrequietude de crianças, certamente, mas com a inteligência apoiada em matérias que as desenvolverão, no sentido de produzir, mais tarde, melhor do que os adultos do mundo em que vivem hoje.
Porque a tal estratégia da educação para o optimismo não parece mais do que uma estratégia narcísica e vaidosa, de chavões amorfos como esse tal da auto-estima, que dá aos meninos uma convicção de importância e lhes fecha os olhos para o que é, realmente, importante - a responsabilização pelos próprios actos, o interesse pelo mundo, o valor do saber.
Pobres das crianças que aos dez anos não sejam, não direi optimistas, pois desconhecem o sentido do termo, mas apenas felizes!
Pobre país este, que, em vez de apoiar estratégias de ensino sensatas e racionais, utiliza os meios mediáticos para continuar a lançar atoardas “pedagógicas” que nunca mais nos libertarão da pobreza espiritual que nos identifica.
Nem sequer conseguimos detectar se a nossa mediocridade é causa ou efeito de si própria. Tal como na adivinha sobre a prioridade do nascimento - do ovo ou da galinha.

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