sábado, 2 de maio de 2009

“Haec tempora”


In illo tempore”, na Coimbra do meu tempo, não na de Trindade Coelho, havia um estudante de Direito – Narana Coissoró – de uma beleza original, olhos verdes num rosto belo e trigueiro, estatura alta, garbo no andar, que penso ter despertado paixões olímpicas, condizentes com a sua figura apolínea.
Quando, anos depois, o reconheci, lamentei que os deuses não tivessem poupado tal “espécime”, que tanto se diferenciava dos demais estudantes portugueses. Narana Coissoró estava menos olímpico, nos seus traços alargados, mas o mesmo rosto tranquilo dizia-nos que mantinha a altivez irónica com que descodificava situações ou teorias, de forma simples e sem rodeios, com a coragem precisa de um espírito liberto.
Alegrava-me escutá-lo, como me alegrou que pertencesse ao CDS, o partido que mais se assemelhava, na sua ideologia, àquela que respeitava a disciplina, como outros valores do passado. Narana Coissoró não desdenhava a Pátria, porque fora educado a não vilipendiar o sentido desse termo, tal como a maioria dos povos unidos por uma história comum.
Por isso, estranhei o comentário lido hoje de alguém que escuto e leio sempre com prazer, pela sua arte discursiva e juízos de valor que pontuam, dum modo geral, a inépcia política alheia, defendendo, todavia, figuras políticas que também estimo.
Tal comentário referia alguns dos actuais blogues portugueses “inclinados para uma direita ideológica herdeira do Independente e do Paulo Portas e Monteiro”, “na sua atitude um pouco enjoada e nefelibata sobre o 25 de Abril”, “em moda nascida por volta de 1974”, dentro da liberdade então alcançada, concluindo que o enjoo dos nefelibatas o enjoa a si próprio porque a única verdade que para ele conta é a de poder impunemente e em liberdade desancar no Engenheiro Sócrates e seu governo, o que não acontecia antes do 25 de Abril em causa.
Começo por desmontar a última observação do seu texto de ABRUPTO, que comenta com a frase “No fundo é simples”: Com efeito, se Pacheco Pereira não podia desancar Sócrates antes de 74, é porque na altura, com apenas dezassete anos, o futuro engenheiro devia andar a jogar à bola, ou a treinar corridas, ou mesmo a ler os livros de Platão para merecer um dia a fama que seu pai sonhou para ele ao registar-lhe o nome, e que ele corroborou posteriormente, como se tem visto. Por isso, ao invés de simples, me parece bem arrevesada tal conclusão anacrónica.
Quanto ao nefelibatismo da tal direita bloguista, na linha do Independente, de P. Portas ou mesmo de M. Monteiro, também me parece um ponto de vista anacrónico, já que os três elementos referidos são bastante posteriores a 1974, donde se segue que esse nefelibatismo enjoativo para José P. Pereira já fora nado à data daqueles.
Não, Narana Coissoró nunca se sairia com um comentário destes tão abusivo e desprovido de nexo, porque ditado apenas pelo narcisismo e suficiência auto-valorativa, cujas consequências sobre o enjoo nem mesmo os sais de frutos ou o kompensan ajudarão a minimizar.

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