quinta-feira, 28 de maio de 2009

Passeio de carroça

João de Deus adaptou muito bem as fábulas de La Fontaine, que a gente decorava na adolescência. É o caso dos três animais – cabra, carneiro e cevado – a caminho do mercado, não, em todo o caso, como a Mofina do pote de azeite que lhe vai cair depois de, a pé para a feira de Trancoso, aquele a ter enlouquecido em dança orgíaca de riqueza visionada, bem diferente das orgias reais e firmes de agora, que não se quebram como o seu pote.
Os três animais desta fábula não vão a pé, mas de carroça – por não existir ainda o automóvel da poluição - guiados por um carroceiro que, apesar de bonacheirão e dialogante, se incomoda com os gritos do porco e lho diz, comparando o comportamento manso dos seus companheiros de viagem – a cabra e o carneiro – acomodados no seu canto, sem protestarem contra os solavancos, embora intimamente indispostos com a escandalosa chinfrineira do camarada.
O carroceiro não é de meias tintas e exalta-se, de fueiro em riste para o caso de o diálogo falhar: “Pois o senhor não vê que esta nem chora, nem ao menos as lágrimas lhe saltam, como é tão natural numa senhora? Goelas não lhe faltam, e de ferro! Mas é cabra! Teve outra educação! Não dá um berro sem alguma razão! E julga que este cavalheiro é mudo? É sério, tem propósitos, é sisudo! Às vezes berra que estremece tudo. Mas só quando é preciso! Tem juízo! Miolo...”
Mas o porco tem a experiência do seu destino a cumprir. Sabe que esse destino é o tacho, bem diferente do do carneiro que dará capotes e do da cabra que dará leite. E por isso se lastima: “Mas porcos não se ordenham nem tosquiam! Demais sei eu o fim com que se criam! Demais sei eu! Por isso gritei, grito e gritarei, do fundo da minha alma até à morte: Aqui d’el-rei! Aqui d’el-rei!”
Vem agora a alegoria: O carroceiro está visto que pode representar o nosso primeiro ministro, conduzindo a carroça para seu governo – apesar de já poder contar com diversos outros meios sofisticados de transporte e os mais que hão-de chegar - de diálogo pronto e fueiro, este para as falhas do diálogo. A cabra é símbolo da maioria, às vezes silenciosa, outras vezes fazendo a greve das suas ambições em berros altissonantes. O carneiro, mudo a intervalos, será o nosso presidente, estremecendo de furor entre os espaços da sua mudez. Quanto ao porco, representa sem dúvida os partidos que gritam sem esperança, esclarecidos sobre o seu destino e o destino de todos nós.
E a moral da história: “Infelizmente, quando o mal é fatal, a lamúria que vale? Que vale a prevenção? Antes ser insensato que prudente. Um insensato, ao menos, menos sente. Não vê um palmo adiante do nariz. Vê o presente e está contente. É mais feliz.”
Aliás, já o tinham dito as bem-aventuranças da nossa paz, prometendo-nos o reino dos céus. Para compensar.

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