terça-feira, 26 de maio de 2009

Os promotores do destino

Creio que é sina. Os escritores do século XIX bem se fartaram de criticar políticas e políticos, estes como dirigentes ineptos de um país formado por gente na sua maioria iletrada, pobre, e vergando a cerviz aos abusos do poder. O sentimento de injustiça que nos persegue é, de resto, tema recorrente na nossa literatura desde que ela se definiu como tal, e ninguém mais capaz que Camões para o explicitar:
“Quem pode ser no mundo tão quieto, / ou quem terá tão livre o pensamento, / quem tão experimentado e tão discreto, / tão fora, enfim, de humano entendimento / que, ou com público efeito ou com secreto, / lhe não revolva e espante o sentimento, / deixando-lhe o juízo quase incerto, / ver e notar do mundo o desconcerto?”
“Quem há que veja aquele que vivia / de latrocínios, mortes e adultérios, / que ao juízo das gentes merecia / perpétua pena, imensos vitupérios, / se a Fortuna em contrário o leva e guia, / mostrando, enfim, que tudo são mistérios,/ em alteza d’estados triunfante, / que, por livre que seja, não se espante?”
“Quem há que veja aquele que tão clara / teve a vida que em tudo por perfeito / o prório Momo às gentes o julgara, / ainda que lhe vira aberto o peito, / se a má Fortuna, ao bem somente avara, / o reprime e lhe nega seu direito / que lhe não fique o peito congelado, / por mais e mais que seja experimentado?” ....
“Deixo agora reis grandes, cujo estudo / é fartar esta sede cobiçosa / de querer dominar e mandar tudo, / com fama larga e pompa sumptuosa. / Deixo aqueles que tomam por escudo / de seus vícios e vida vergonhosa / a nobreza dos seus antecessores, / e não cuidam em si, que são piores.” ...
Mas o “Malhadinhas”, não é menos expressivo na forma como rasoira o estado de sítio em que sempre vivemos, ele próprio bom exemplo da camada populacional menos evoluída, e usando apenas a linguagem do seu entendimento, curtido por espertezas, afectos e as suas andanças de recoveiro amante do que supõe justo:
“Sabem os meus fidalgos, eu só queria ser rei um dia. Um dia não era cabonde; mas uma semana. Se fosse rei uma semana, afianço-lhes que mondava Portugal. Uma fogueira em cada oiteiro para os ministros, os juízes, os escrivães e os doutores de má morte. Para estes decretava ainda uma cova bem funda, com obrigação de cada homem honrado lhes pôr um matacão em cima. Uma choldra de ladrões!”
Aquilino Ribeiro escreveu “O Malhadinhas” nos anos 20, muito antes ainda da jurisdição governativa de Salazar de quem não gostava. Mas o seu conceito pessimista da governação e das classes liberais exploradoras já antes deste se revelava, prova de uma constância secular no desmando do nosso atropelo às regras de uma cultura humanista.
Salazar foi um estudioso, dedicado ao seu país, ele próprio intransigentemente avaro e mesquinho – consigo próprio – na forma como permitiu a pobreza e o atraso de uns, fechando os olhos e os ouvidos à ignomínia de outros, talvez por incapacidade de controlar todo um caudal de adeptos do maquiavelismo dos seus egoísmos de parasitas, poltrões e traiçoeiros, tão bem já definidos por Vieira na sua alegoria dos peixes.
Por tudo isso, a tal fórmula para “Como salvar Portugal”, tão em moda, me parece mais um meio bem intencionado de desperdiçarmos discursos bonitos mas inanes, enquanto se vão perpetrando cada vez mais crimes sociais, na permissividade e na impunidade.
Pondo a tónica na nossa “auto-estima”, quando a tragédia do desemprego alastra, querendo acentuar que “o que é preciso é...”, quando não temos meios para o ser, visto que tanto do nosso trabalho se pauta pela incompetência, desorganização, ineficácia, pela nossa impreparação e pelo desrespeito como norma, quando não temos esperança de vencer a crise na Justiça, que nos falta, na Política em que se brada muito na desordem, no Ensino, com educandos indisciplinados, desinteressados em se valorizar, destituídos os educadores de competências que tinham, com sobrecarga actual de inutilidades palavrosas desviantes do sentido real da sua docência, no Governo, enfim, em que parece não haver mais governo...
Salvar Portugal”, “auto-estima”, “optimismo”, balelas da nossa pseudo-eficiência, anestesia no nosso incumprimento.

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