domingo, 31 de maio de 2009

“Pôr as escolas a rir”

É com esta expressão que Manuel António Pina, na crónica “Alegria no Trabalho”, chegada por via Internet de 11 de Maio, comenta o texto de Margarida Moreira, Ex.ma directora regional da Educação do Norte, em agradecimento optimista, após quatro anos de trabalho em prol da “educação” portuguesa, não sei se abrangendo o resto dos pontos cardeais, colaterais e intermédios do nosso país maneirinho no mapa. Creio que ficou encalhado no Norte. Pelo menos só agora o topei, mas por deficiência minha, por não lidar bem com a via informática.
António Pina transcreve o texto e o mesmo eu faço:
Faz hoje quatro anos. / Tem dias que parece que o tempo se emaranhou nas coisas e nas pessoas. / Tem outros dias em que tudo parece ter ocorrido ontem. / Contudo há algo que o tempo tem os limites certos: / Foram quatro anos bons de amizade, de solidariedade e de prazer de poder contar com o vosso profissionalismo e apoio. / Em nome da Direcção o muito obrigado .” Margarida Moreira.
Conclui com um poema:
Da voz das coisas / Só a rajada de vento / dá o som lírico / às pás do moinho. Somente as coisas / tocadas pelo amor das outras / têm voz.” Fiama Hasse Pais Brandão
Pois eu concordo com António Pina, embora, de maneira nenhuma, pretenda especular sobre as influências sofridas no dito texto, mas atribuo as suas gafes linguísticas – solecismos, em designação elegantemente erudita - a sequelas do sinistro Acordo Ortográfico da lusofonia – ou, mais prazenteiramente, talvez apenas a influências da telenovela brasileira, dos provavelmente exclusivos lazeres espirituais da Ex.ma directora, pois que, devido aos inúmeros afazeres burocráticos do seu cargo, pouco tempo lhe restará, obviamente, para leituras em português ou mesmo para o estudo da Gramática Portuguesa.
Esta, ensinar-lhe-ia que o verbo “ter” não é impessoal como o “haver”. Pede sujeito. Pergunta-se ao verbo: quem tem dias? A semana? O mês? O semestre? O ano? O bebé (a flor / o bezerro) que nasceu? O sujeito da acção. Mas não é isso que quer exprimir Margarida Moreira: "Há dias", sem sujeito, e não "tem dias", que pede sujeito. Também em “algo que o tempo tem os limites”, está suprimida a preposição “em” antes do relativo de função adverbial, centrado o complemento directo n’ “os limites”: "algo em que".
O texto de Ex.ma directora pedia uma revisão, antes de ser publicado, feita mesmo por algum desses professores que não mereceram o cargo de titulares, segundo os critérios selectivos do recente modelo de avaliação ministerial.
De resto, para mostrar a autenticidade e a dimensão da sua gratidão, apoia o seu discurso num poema lírico de Fiama Hasse Pais Brandão, cujo discurso lírico, ao mostrar desprezo pelos murmúrios dos que são falhos em amor, conclui sobre a exclusividade da voz para os tocados por ele – que são as “coisas” no poema, as “pessoas” no conceito altamente educativo de Margarida Moreira – as pessoas sem voz, porque sem amor pelas normas da sua avaliação. Excluídas, pois, do grupo da solidariedade e do profissionalismo, da gratidão de Margarida Moreira. Sem cinismo.
Manuel António Pina considera que o texto tem uma única finalidade, positiva em todo o caso: “Pôr as escolas a rir”, coisa pouco esperável, no actual clima de infelicidade que se vive nas escolas.
E embora concorde, tenho pena, uma pena patriótica, num desejo de libertar do ridículo a nossa actuação como gente viva. Mas sempre o nosso sussurro – não me atrevo a chamar-lhe voz – tropeça na certeza de que o ridículo recai apenas sobre nós, pela inutilidade do nosso protesto, pura pincelada crítica, como o são a revista à portuguesa, ou a anedota, as mesas redondas de intervenção crítica, ou mesmo os textos analíticos dos seres superiores, tais como os de António José Saraiva.
Tomemos Cícero como modelo da nossa inútil indignação: “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra”?

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