quarta-feira, 13 de maio de 2009

Zelo

Trata-se de uma ilustre história nossa, que me traz à ideia mais uma fábula, tanta é a multiplicidade de fábulas do La Fontaine com aplicação à nossa causa. Mas suponho que às dos mais também, pois na questão da originalidade só lá pelos séculos passados é que se nos pôde alcunhar de pioneiros. Agora, pelo contrário, até costumamos posicionar-nos modestamente nos últimos lugares das listagens sobre as coisas positivas.
Esta é, assim, a história de seis cavalos puxando um coche penosamente por uma ladeira acima, bem suados e babados, que o calor era “de ananases”, como o definiu Eça um dia, diante do Fradique Mendes, a quem queria agradar usando termos do reportório fino e só lhe acudindo as sordidezas da gíria. Também o caminho era árduo e poeirento, impróprio para as patas delicadas dos cavalos da corte, e assim o consideraram o padre e as damas do seu transporte, que até desceram do coche para aliviarem os cavalos do seu excesso de peso. A mosca quis ajudar nesse lance e picou, picou, em azáfama e num zumbido bem de mosca, mas quando chegaram ao cimo da ladeira embandeirou em arco, considerando-se a promotora do êxito da viagem e pediu a paga aos cavalos.
Também por aqui há disso, veja-se o caso Felgueiras, veja-se o caso Freeport, vejam-se outros mais. Zeloso e amigo, o sr. Procurador do Euro-Just diz-se que se apressou, qual mosca zelosa, a avisar no primeiro, a ameaçar, no segundo, e assim a Justiça se fechou em copas, deixando fugir inicialmente a Felgueiras do caso Felgueiras e preparando-se para protelar e mesmo encerrar o segundo caso, segundo consta, por subentendidas sugestões de pressão para que tudo ficasse em pratos limpos, apagando os alvos importantes de suspeitas, e deste modo aplanando o caminho árduo da governação dos nossos governantes, autárquicos ou ministeriais, que todos têm as suas mais-valias, e se propõem prosseguir em frente, na sua ladeira penosa, bem escudados pela mosca.
O Senhor Procurador, eficiente nos avisos, não deixará de exigir a sua paga, à semelhança da mosca, e não terá a condenação de que agora se fala. Se a tiver, outro cargo superior ao de agora lhe será ofertado e este caso da pressão - existente ou não - é mais apenas um desvio ao caso principal que convém arquivado.
Os senhores jornalistas também deveriam ser menos metediços, pois igualmente lembram a mosca. Não sei se se trata de zelo expurgativo moralizador o deles, se de zelo sensacionalista, de efeito lucrativo para a sua imprensa. Há muito poder, no quarto poder. E nem sempre pelos melhores motivos.
Mas os processos que o seu zelo investigador vai despoletando arrastam-se e arquivam-se, por falta de provas ou por excesso de tempo decorrido e chegamos sempre ao fim da ladeira, embora cada vez mais suados e esgotados. Os outros poderes também são bons, não tenhamos dúvidas disso.
A nossa vinha, ao contrário da de Cesário, é que já não “verdeja vicejante”, está cada vez mais ressequida, porque o nosso tempo se foi escoando com os tais casos da nossa governação, que brotam como cogumelos e que impõem os afazeres de muitas moscas, para os sanar e de muitas pagas para as honrar.

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