segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

As listas de espera

Foi sobre o novo estatuto matrimonial que iniciámos a conversa de hoje, sobre aquilo a que a minha amiga apelidou de “casamento dos famosos, casamento das famosas”. E justificou, que não é pessoa que deixe de explicar, sempre que surja a oportunidade de ser precisa explicação:
- O casamento é uma instituição já banalizada, banalizada ao nível mediático. Estávamos reduzidos aos casamentos dos príncipes e das princesas para criar charme nas nossas vidas. Mas agora vão aparecer esses, não de charme, mas de espectáculo gostoso.
- Mas ainda temos os casamentos do Santo António...
- Não, os do Santo António vão ser os dos homossexuais. Os outros vão para a lista de espera. É caso certo. O Sócrates está tão contente, tão contente, que vai convencer o amigo dele, o presidente da Câmara, António Costa, a combinar com o Santo António que agora o casamento é só para eles e só para elas. Os outros, mete-os na lista de espera. A gente está a brincar, mas com certeza é isso que vai acontecer.
- O meu marido, que vê as mesas redondas, ouviu numa delas, creio que com o João Pereira Coutinho, o Francisco José Viegas e mais não sei quem, que consideravam despropositados os argumentos dos intelectuais de esquerda, defendendo o casamento dos da mesma espécie, quando dantes até condenavam a instituição do matrimónio, para os de espécies diferentes. Não se entende tanta insistência. Só para criar bagunça.
- Eu digo que uma das razões fortes desses, a de poderem deixar as heranças aos parceiros, não é razão de peso. Podem sempre fazer testamento em vida. O que eles querem de facto é exibir-se. Porque lá o juntarem-se, ninguém tem nada com isso.
Pareceram-me de uma extrema nobreza as palavras de condescendência da minha amiga, em que eu alinho, não só atida ao provérbio “cada qual com seu igual”, mas dentro de uma linha de pensamento de magnanimidade humanista, como a do nosso PM que também a tem, segundo ele próprio expressou.
Mas a minha amiga trazia outra na manga – não usamos cartola ainda – que a muito custo mostrou, depois de muito instada pela minha curiosidade, que com as suas evasivas despertou.
-Mas não ponha isso aí, disse, mostrando-me, finalmente, a folha que recortara do “Correio da Manhã”, onde se dizia que a Clara Pinto Correia, ilustre bióloga, dá a cara pelos seus orgasmos, mostrando as fotos deles – dos orgasmos e da cara da Clara - tiradas pelo seu companheiro dos orgasmos, Pedro Palma.
Afinal, a notícia também vem no “Diário de Notícias”, não há que esconder o facto, que a bióloga Clara até há-de gostar que a citemos, e à foto mais querida deles, que vem no Notícias e foi excluída abusivamente do “Correio da Manhã” - aquela com a Clara de olhos abertos, fechados os olhos nas outras mais fotos.
Parece que estão expostas no Centro Cultural de Cascais e a minha amiga só cismava sobre a hipótese dos alunos da Clara irem lá ver, mas eu respondi que a televisão também mostra cenas dessas, já ninguém se rala e é sempre bom haver uma pessoa ilustre a exemplificar estas coisas da evolução dos costumes.
Eu, aliás, até em tempos já tinha feito um texto onde dava a entender estas mudanças sociais prováveis, tendo tido mesmo, nessa altura, que arrostar com a crítica entristecida do meu Pai, que achava que não devia meter o texto no meu livro “Cravos Roxos”. Mas meti. E vou transcrevê-lo, para mostrar como os meus dons de “Cassandra”, tão inutilmente divinatórios como os dela, já previam os orgasmos fotografados da Clara Pinto Correia:

“O Êxito das Palavras”
( in “Mais Pedras de Sal”, 2ª Parte do III Livro “Lusos 74”)

A notícia coligi-a n’ “O DIA” de 5 de Fevereiro. Trata-se dos abusos e vigarices nos tratamentos sexuais, em oportuno artigo do Reader’s Digest de Fevereiro, segundo a informação em destaque no jornal. Mais se informa que os problemas comuns, tais como ejaculação prematura, impotência ou incapacidade de atingir o orgasmo, resolvidos normalmente se tratados por terapeutas sexuais qualificados, se o forem por charlatães e vigaristas, mais tramados ficarão os casais que a eles recorram, traumatizados pelas ditas deficiências.
Senti um prazer muito íntimo ao ler num diário, também lido pelas crianças, uma informação tão necessária para as pessoas com distúrbios sexuais inferiorizantes. E avalio quanto ela foi recebida com idêntico gozo íntimo, dada a confrontação vantajosa, por quem ejacule a tempo, com a potência devida e num orgasmo pleno de realização e de motivações para futuros êxitos. As próprias crianças, de almas vibráteis, a quem a Rádio e a Televisão oferecem programas infantis contendo encantadoras histórias de fadas e ingénuos desenhos animados, devem ter saboreado a notícia com sagaz curiosidade.
Tive ocasião de folhear numa livraria o Reader’s de Fevereiro – as deficiências económicas procedentes da descolonização não me permitem infelizmente adquirir as obras de mais nomeada – e pude observar que o reclame do artigo sexual também aparece na capa da revista.
Deduzi assim da importância universal do assunto e compreendi imediatamente o ponto de vista desenvolto de quem deu a notícia n’ “O DIA”. De facto, uma das gratas conquistas do nosso 25 de Abril, além da fraternidade, liberdade e igualdade – embora com os poderes populares em excedente, segundo gentil expressão do nosso popular Zeca Afonso – foi sem dúvida a simplicidade e a naturalidade sem falsos tabus nem preconceitos, implantados em todos os sectores, incluindo o da linguagem oral e gestual, e também a escrita – do caso em foco.
Aliás, já há muito me apercebera de quão válida fora, nesse sentido, a tarefa dos escritores “engagés” para imporem uma linguagem tão natural quanto possível, e a sua eficaz tentativa de vencerem esses tabus retrógrados, traduzindo literariamente os seus actos e sensações sexuais. Mas nenhum como o Urbano Tavares Rodrigues para revelar minudências de voluptuosidades que farão desmaiar de prazer as pessoas dadas aos desmaios e manifestando dessa forma requintes de sensibilidade de um Amadis.
Logo após a implantação do regime democrático, pude constatar que muitas das obras antes censuradas ditatorialmente continham termos desafectos aos pudores fascistas.
Foi o caso de um poema de Eugénio Lisboa – “Camoniana Fernandina” – após o “25 de Abril” extraído da gaveta pelo consagrado crítico literário moçambicano para o jornal “Notícias” de Lourenço Marques, como demonstração da violência literária tiranizante anterior a essa data.
Do poema mono-estrófico que, pelo título, deveria parafrasear Camões e Pessoa, apenas fixei um termo chocante para a minha sensibilidade de fascista que era então – mas já não sou, confesso sem falsa modéstia. Era o termo “fornicar” , o qual me proporcionou amplas perspectivas sobre o futuro das letras e da formação moral da sociedade portuguesa, de resto bem demonstrada já agora através de revistas pornográficas e dos filmes eróticos abundantes e dos jornais ideológicos também abuindantes, como “A MERDA”, consentidos pelo nosso governo, e apregoados estes últimos em frases ladinas por crianças vendedoras com um precoce sentido autocrítico bastante pessimista, inexistente no crítico literário supracitado. De facto, a uma delas captei, num comboio do Cais do Sodré, entre outras a frase: “Isto é uma grande MERDA!”, ao que uma passageira, com notável senso económico, necessário nestes tempos de carência, se apressou a interrogar com afável conivência, ante o sorriso dos demais passageiros: “Então e quanto custa essa MERDA?”
O único motivo de estranheza para mim consiste no facto de no ensino secundário – e até mesmo já no primário – ainda se não terem implantado eficientes cursos de educação sexual, com demonstrações “in loco” entre os mestres ou os alunos, para preparar melhor estes últimos sobre as funções naturais da vida vegetativa, afinal idêntica às dos animais sem tabus e dos quais a sociedade humana tende a aproximar-se numa cada vez mais ampla simpatia humanitarizante.
Por todas estas razões, poderemos calcular, como num futuro próximo os cumprimentos entre os amigos se apresentem aproximadamente neste teor:
- Então, pá, fornicaste bem esta noite?
Ou que o filho cuidadoso pela reputação extradomiciliária do pai em apuros, indague carinhosamente:
- Então, pai, ejaculaste a tempo? Não sentiste complexos de impotência? Quanto a mim, graças a Deus, pai, não tenho problemas. É cada orgasmo que até vejo estrelas!”





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