Às vezes, quando recordo com a minha amiga os tempos da nossa escola primária e da nossa escola secundária, em contestação contra os que a acusam de demasiada rigidez, é para lembrarmos o encantamento dessa fase, de inconsciência da vida que nos esperava. Lembramos os professores, bons e menos bons, os colegas, as brincadeiras no recreio, que, logo que acabavam os cinquenta minutos de aula, não podíamos perder, ocupando as respectivas posições para os jogos de basebol, os mortos, com o ringue, o caçador, os saltos à corda e o berlinde... Oh! O berlinde!
Em África, as aulas começavam às 7h 30, às vezes às 6h30 da manhã, para a ginástica com a Drª Deolinda Martins, acabavam às 12h20 e, duas vezes por semana, salvo erro, havia mais duas aulas à tarde. Lanchávamos bem, líamos, brincávamos, estudávamos, éramos disciplinados segundo as regras de então. As notas finais mostravam o nosso cumprimento, era necessário ter positiva em todas as disciplinas para se passar de ano.
Mais tarde, já professora no mesmo espaço africano, as modernas pedagogias aliadas às modernas técnicas de ensino, apontaram o rigor da disciplina antiga, defenderam mais autonomia para o aluno, foram retirando gradativamente a autoridade disciplinar ao professor, permitiram que os alunos acedessem ao ano seguinte reprovados numa disciplina, posteriormente em duas. O papel reservado à memória, pela interiorização de conhecimentos foi gradualmente abandonado, recorreu-se à compreensão e dedução pela imagem, por vezes os livros lembravam as bandas desenhadas, com cada vez menor recurso à palavra escrita, na escola primária o método global da imagem para a letra e o fonema substituiu o tradicional e mais racional método da leitura alfabética, silábica e frásica. A aritmética ignorou as tabuadas, adoptou a teoria dos conjuntos. E nunca mais os alunos tiveram problemas para resolver, problemas que os livros escolares da 4ª classe tão profusamente continham, nem a álgebra nos anos seguintes, em que tantas gerações de alunos resolviam os inúmeros problemas do Palma Fernandes, despertou mais as capacidades de compreensão dos alunos, incapazes de resolver contas sem ser por computador.
O 25 de Abril, na vizinhança do liberalizador “Maio de 68” francês, trouxe a explosão, com a destruição das regras – de disciplina, sobretudo – geradora do caos. O caos nas famílias, o caos nas escolas. Os professores passaram por isso, mas nunca como hoje, em que os professores têm uma sobrecarga de aulas e acompanhamentos, nas mesmas turmas de cerca de trinta alunos, como eram dantes, em que estes se comportavam bem.
Mas a notícia que vem no Diário de Notícias deste domingo, 10/1, é a prova flagrante da insensatez brutal instalada no nosso mundo de falsa bondade para com a criança, em que pais e professores são condicionados por leis atropeladoras do seu direito a uma repressão sensata, leis hipocritamente escamoteadoras da realidade social exigente e repressiva que a espera na vida activa.
Ela refere, em letras garrafais, que “CRIANÇAS TOMAM CADA VEZ MAIS MEDICAMENTOS PARA SE ACALMAREM”. E conta casos. O de três irmãos hiperactivos, com défice de atenção na escola que tomam comprimidos de “Ritalina”, o que os domou, tornando-se mais atentos na escola e mais sociáveis.
35.845 as embalagens de metilfenidato vendidas em 2004, 140.424, as vendidas em 2009, diz o esquema gráfico da notícia. Com efeitos secundários de febre, agressividade, alteração de humor, hipertensão arterial, perda de apetite, perda de cabelo, de sono, taquicardia, dores de estômago, erupções cutâneas.
É este o novo universo infantil.
E para se domarem as crianças, que uma palmada a tempo teria ensinado no momento próprio a respeitar regras de educação, dão-se-lhes medicamentos para a nova designação de má criação: hiperactividade, que os torna desatentos, insubordinados, preguiçosos, desinteressados, esquivos.
A medicação para a docilidade, para o cada vez maior embrutecimento. Para vivermos em paz. Demos calmantes aos nossos filhos hiperactivos. Em vez de regras de educação. Mostremos ao mundo que somos pais amoráveis, incapazes da tapona, enquanto, às escondidas, ou mesmo às claras, os vamos drogando para os domesticar.
Em África, as aulas começavam às 7h 30, às vezes às 6h30 da manhã, para a ginástica com a Drª Deolinda Martins, acabavam às 12h20 e, duas vezes por semana, salvo erro, havia mais duas aulas à tarde. Lanchávamos bem, líamos, brincávamos, estudávamos, éramos disciplinados segundo as regras de então. As notas finais mostravam o nosso cumprimento, era necessário ter positiva em todas as disciplinas para se passar de ano.
Mais tarde, já professora no mesmo espaço africano, as modernas pedagogias aliadas às modernas técnicas de ensino, apontaram o rigor da disciplina antiga, defenderam mais autonomia para o aluno, foram retirando gradativamente a autoridade disciplinar ao professor, permitiram que os alunos acedessem ao ano seguinte reprovados numa disciplina, posteriormente em duas. O papel reservado à memória, pela interiorização de conhecimentos foi gradualmente abandonado, recorreu-se à compreensão e dedução pela imagem, por vezes os livros lembravam as bandas desenhadas, com cada vez menor recurso à palavra escrita, na escola primária o método global da imagem para a letra e o fonema substituiu o tradicional e mais racional método da leitura alfabética, silábica e frásica. A aritmética ignorou as tabuadas, adoptou a teoria dos conjuntos. E nunca mais os alunos tiveram problemas para resolver, problemas que os livros escolares da 4ª classe tão profusamente continham, nem a álgebra nos anos seguintes, em que tantas gerações de alunos resolviam os inúmeros problemas do Palma Fernandes, despertou mais as capacidades de compreensão dos alunos, incapazes de resolver contas sem ser por computador.
O 25 de Abril, na vizinhança do liberalizador “Maio de 68” francês, trouxe a explosão, com a destruição das regras – de disciplina, sobretudo – geradora do caos. O caos nas famílias, o caos nas escolas. Os professores passaram por isso, mas nunca como hoje, em que os professores têm uma sobrecarga de aulas e acompanhamentos, nas mesmas turmas de cerca de trinta alunos, como eram dantes, em que estes se comportavam bem.
Mas a notícia que vem no Diário de Notícias deste domingo, 10/1, é a prova flagrante da insensatez brutal instalada no nosso mundo de falsa bondade para com a criança, em que pais e professores são condicionados por leis atropeladoras do seu direito a uma repressão sensata, leis hipocritamente escamoteadoras da realidade social exigente e repressiva que a espera na vida activa.
Ela refere, em letras garrafais, que “CRIANÇAS TOMAM CADA VEZ MAIS MEDICAMENTOS PARA SE ACALMAREM”. E conta casos. O de três irmãos hiperactivos, com défice de atenção na escola que tomam comprimidos de “Ritalina”, o que os domou, tornando-se mais atentos na escola e mais sociáveis.
35.845 as embalagens de metilfenidato vendidas em 2004, 140.424, as vendidas em 2009, diz o esquema gráfico da notícia. Com efeitos secundários de febre, agressividade, alteração de humor, hipertensão arterial, perda de apetite, perda de cabelo, de sono, taquicardia, dores de estômago, erupções cutâneas.
É este o novo universo infantil.
E para se domarem as crianças, que uma palmada a tempo teria ensinado no momento próprio a respeitar regras de educação, dão-se-lhes medicamentos para a nova designação de má criação: hiperactividade, que os torna desatentos, insubordinados, preguiçosos, desinteressados, esquivos.
A medicação para a docilidade, para o cada vez maior embrutecimento. Para vivermos em paz. Demos calmantes aos nossos filhos hiperactivos. Em vez de regras de educação. Mostremos ao mundo que somos pais amoráveis, incapazes da tapona, enquanto, às escondidas, ou mesmo às claras, os vamos drogando para os domesticar.
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