sábado, 9 de janeiro de 2010

A lei

Falámos da lei do casamento gay – a nossa primeira lei do ano do centenário da nossa República diacronicamente tripartida - considerámos como estamos cada vez mais evoluídos pois parece que fomos o sexto país europeu a adoptá-la, o oitavo a nível mundial, e isso nos fez lembrar outras datas do nosso vanguardismo descobridor, festejámos assim a nossa emancipação dos tabus ancestrais, colocando-nos entre os vanguardistas esclarecidos da lei gay.
A minha amiga conteve a sua euforia. Achou que a partir de agora já ninguém segurará os nossos filhos na exibição cada vez mais sem resguardo das suas tendências amorosas.
Eu estou mais habituada, pois recordo que a partir do 25 de Abril de 74, na minha escola em Lourenço Marques, de repente, sem tir-te nem guar-te, comecei a topar com os casais de amorosos aos beijos e carícias das suas ternuras desfraldadas democraticamente. Os conselhos directivos já não tinham mão na compostura, que a instituição do regime democrático atribuiu todos os poderes em liberdade ao povo, e assim, nos intervalos, nos passeios da cerca da escola, a cada passo nos defrontávamos com os alunos e alunas em manifestações indiscretas do seu amor juvenil, o que nessa altura ainda me causava espanto, por tacanhez, acho eu agora, que estou mais conformada.
Na verdade, nas escolas de cá também a moda pegou, meninos e meninas adolescentes achavam que o recreio era sítio ideal para anunciarem ao mundo que o mundo tinha que respeitá-los na sua exibição, sem reciprocidade no respeito, todavia, dada a sua indiferença em relação aos espectadores do seu palco improvisado.
Mas agora é que vai haver variedade nos casais que se desunharão a acariciar-se nos diversos espaços, entre os quais os escolares – casais de sexos diferentes ou do mesmo sexo, que a lei do respeito anunciado em relação aos casais unisexo é para se cumprir, deve mesmo fazer parte dos objectivos de avaliação discente e sobretudo docente, em expansão universal dos afectos amorosos, que os pudores antigos – há quem lhes chame hipocrisias sociais da burguesia – mandavam reservar a outros recintos.
Mas o Sr. PM, entre outros que também o expuseram, expôs sobre o respeito humano e até se apelidou de humanista, devido, certamente ao seu conhecimento das “litterae humaniores”, isto é dos clássicos, entre os quais o “Satyricon” de Petrónio, e foi por esse motivo que a lei passou na assembleia.
A minha amiga repontou:
- Dá mesmo a impressão de que isto serviu para queimar tempo. Mas assim somos mais modernos.
- E cultos,
acrescento eu, sensibilizada pela referência do nosso PM ao seu humanismo, que tanto o aproxima, até na distinção do vestir, do “árbitro das elegâncias” Petrónio, escritor do tempo da decadência romana. Mas nisso de queimar tempo, o nosso PM vai continuar passeando-se: já foi a Paris - diferentemente do “Conquistador” dos “da Vinci” que foi ao Brasil, Praia e Bissau, Angola, Moçambique, Goa e Macau e até foi a Timor - tratou da lei gay, vai agora pelas terras portuguesas do continente, e não sei se do território insular, triunfante, retrai-se na questão do Orçamento, melindrosa, dizem os rancorosos. E vai ganhando dóceis votos de uma triunfal carreira abençoada, porque sancionadora de novas bênçãos.

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