Transcrevi ontem parte de um texto de reportagem – “Carta de amor a um pai racista” - da jornalista Fernanda Câncio sobre a ex-jornalista, actual professora e bloguista editada, Isabela Figueiredo, que decidiu publicar as suas memórias colonialistas acusatórias, trazidas na bagagem das suas recordações familiares, de doze anos embarcados para cá, por um pai que a estremece mas maltrata os negros da sua alçada produtiva, pai que irá representar, nas memórias publicadas, e já depois de morto, o símbolo da sua pátria colonialista, exploradora, racista e opressora.
Já por esses tempos do seu embarque – ou ainda antes, que o meu retorno com os cinco filhos se fez em 74 – os meus trinta e nove anos tinham topado com idênticos espécimes, talentosos ou menos, que para se protegerem das fúrias dos naturais africanos, decidiam passar as fronteiras do país (“fronteira entre todas as lealdades” na expressiva expressão de Câncio) onde eles próprios também tinham ganho a sua vida, acusando os menos conformados com a mudança, e traindo orgulhosamente a Pátria dos seus antepassados.
Esta Isabela Figueiredo na companhia da sua entrevistadora Fernanda Câncio, também trai, em continuidade da semeadura por tantos lançada à terra. Trai o pai e trai a pátria, que àquele associa, em simbólica analogia de tirania racista, indiferente à obra lá deixada por racistas e não racistas, embora ela só realce os primeiros, como genéricos da sua designação simplificada.
Enquanto, pois, houver Portugal, ele poderá contar com gente parecida com Isabela e com Câncio, que, mesmo sem experiência “in loco”, acusam por ouvir dizer, ou para se darem a conhecer, ou para se defenderem, como outros antes delas o fizeram, heroínas e heróis da nossa continuidade, paralelos da nossa imortalidade. Cada vez mais generalizados, socialmente falando. Daí a nossa esperança de sobrevivência.
Eis o texto de “Pedras de Sal”, também contido em “Cravos Roxos”, com que exemplifico o que atrás referi sobre os paralelismos diacrónicos da nossa heroicidade. É sobre uma professora, igualzinha, na vocação, a Isabela Figueiredo. Creio que também na argumentação:
“Uma professora por vocação”
Já por esses tempos do seu embarque – ou ainda antes, que o meu retorno com os cinco filhos se fez em 74 – os meus trinta e nove anos tinham topado com idênticos espécimes, talentosos ou menos, que para se protegerem das fúrias dos naturais africanos, decidiam passar as fronteiras do país (“fronteira entre todas as lealdades” na expressiva expressão de Câncio) onde eles próprios também tinham ganho a sua vida, acusando os menos conformados com a mudança, e traindo orgulhosamente a Pátria dos seus antepassados.
Esta Isabela Figueiredo na companhia da sua entrevistadora Fernanda Câncio, também trai, em continuidade da semeadura por tantos lançada à terra. Trai o pai e trai a pátria, que àquele associa, em simbólica analogia de tirania racista, indiferente à obra lá deixada por racistas e não racistas, embora ela só realce os primeiros, como genéricos da sua designação simplificada.
Enquanto, pois, houver Portugal, ele poderá contar com gente parecida com Isabela e com Câncio, que, mesmo sem experiência “in loco”, acusam por ouvir dizer, ou para se darem a conhecer, ou para se defenderem, como outros antes delas o fizeram, heroínas e heróis da nossa continuidade, paralelos da nossa imortalidade. Cada vez mais generalizados, socialmente falando. Daí a nossa esperança de sobrevivência.
Eis o texto de “Pedras de Sal”, também contido em “Cravos Roxos”, com que exemplifico o que atrás referi sobre os paralelismos diacrónicos da nossa heroicidade. É sobre uma professora, igualzinha, na vocação, a Isabela Figueiredo. Creio que também na argumentação:
“Uma professora por vocação”
«Depreende-se que o não é por precisão. Chama-se Maria Manuela Pereira, apresentou, segundo o “Notícias” a assinatura reconhecida, para o caso de a não quererem reconhecer, com certeza por desconhecimento da sua vocação, e dirige uma Carta Aberta ao Inspector Alves Pereira. Como é aberta, todos nós pudemos avaliar-lhe o conteúdo, que o Notícias em 28 de Junho achou por bem patentear-nos, pois cabe dentro dos esquemas democrático-literários do reputado jornal.
A Srª D. Manuela, professora por vocação, diz que leu e releu o depoimento do Sr. Inspector acerca do êxodo dos professores. Como não o percebeu, apesar da muita leitura, expõe-lhe as suas dúvidas. E depois da exposição, conclui afirmando que já se lhe acabaram as dúvidas à medida que as foi expondo. Mas dentro das suas fracas possibilidades de “escrevente”, convida o Sr. Inspector a esclarecer-lhas uma vez mais.
Apreciei a humildade na referência às suas possibilidades, em que não acreditei, mas humildemente confesso também as minhas dúvidas e suplico à Srª D. Manuela Pereira que mas esclareça: se as suas dúvidas já tinham findado à medida que as foi expondo, por que motivo exige mais explicações do Sr Inspector? E para mais traçando-lhe o estilo, a pretexto de que é pessoa de falas directas, detestando explicações palavrosas sem qualquer conteúdo. Por isso, caprichosamente, as quer simples e sem subterfúgios. Fico ansiosa à espera de ler a resposta simples do Sr. Inspector.
Entretanto, permito-me analisar o conteúdo simples e sem subterfúgios da Carta Aberta.
Parece que na nossa (da Srª D. Manuela) querida Quelimane não há nenhum professor que seja apóstolo nem educador, nem mesmo se salvando os de vocação, como a Srª D. Maria Manuela Pereira.
Todos eles ou acumulam dois cargos docentes, ou dão explicações além das aulas, ou dão aulas além doutro trabalho público. Não nos informa a Srª D. Manuela em qual dos grupos se enquadra, lapso sem importância de maior. Por tal motivo, digamos, acumulativo, os professores nem são apóstolos nem educadores. Esta dedução deixa-me intrigada, pois não vejo em que uma acumulação possa impedir um apostolado, como se verifica diariamente entre os médicos, os advogados e outras classes livres, com a diferença de que nestes os resultados da acumulação são mais visíveis, embora idênticos os do apostolado.
Afirma em seguida a Srª D. Manuela que nunca a imprensa a ofendeu, embora não seja diferente da maioria – donde se depreende que o é da minoria. Tudo isso sem grande lógica, para apontar como responsável do boato a classe do professorado. Tantas responsabilidades já pendentes sobre tão onerada classe e ainda mais essa a pesar nela!
Parece que o Sr. Inspector embirrou com os termos “opressor”, “colonialista” e outros assim desagradáveis que, como português, lhe chamaram. A Srª D. Manuela diz-se estupefacta, pois aqueles a ela nunca, há cinco anos que lecciona. Ela mereceu outros – subversiva, comunista, revolucionária – nunca opressora nem colonialista. Eis-nos, pois, chegados, à coroa de glória da Srª D. Manuela: democrata, com muita honra é o que ela é, que um título é sempre um título e esse actualmente tem muita saída.
Também não admite a Srª D. Manuela a imposição da nossa cultura em Moçambique, não acha isso lícito e enerva-se, embora até se orgulhe da cultura portuguesa. Mas queria estudar as duas culturas paralelamente, a portuguesa e a moçambicana e não a deixaram. A Srª D. Manuela é uma digna descendente do Viriato que lutou com todas as veras para que a romanização não fosse um facto na Lusitânia. A Srª D. Manuela, digna descendente do lusitano, não desejaria o aportuguesamento em Moçambique, apesar de se orgulhar da cultura portuguesa, orgulho sem dúvida resultante da superioridade rácica surgida depois da dita romanização, mas de que se mostra representante muito contrariada e desejosa de retroceder em busca do primitivo mais fácil.
Quanto à obra material que os portugueses cá introduziram, considera a Srª D. Manuela iradamente que ela foi só para benefício dos exploradores portugueses. E afirma-se professora por vocação, a Srª D. Manuela! Nas horas vagas, provavelmente, por isso não deu pelos alunos portugueses que pululam nas escolas. Também não dá pelos doentes africanos que pululam nos hospitais. Nem por todos aqueles funcionários africanos que vão pululando pelos serviços públicos, em virtude dos cursos que os tornaram aptos para isso. Médicos e advogados africanos conhece alguns, com certeza, conquanto não pululem, nisso dou-lhe melancolicamente razão.
Entende, igualmente, depois de fazer rigoroso exame de consciência, que temos sido muito desumanos com os africanos, e convida-nos a fazer o mesmo exame. Pus-me logo a fazer o meu e não achei que fosse, mas não sei qual o resultado do exame do Sr. Inspector.
A minha Marta até já me disse que tem muito medo se houver a tal mudança de governo preconizada pela Srª D. Manuela e os outros democratas, a fim de se tratar tudo com maior humanidade e se desenvolver tudo com maior velocidade.
Quando esse governo vier, a Srª D. Manuela desempenhará nele um cargo de vocação que modificará os esquemas desumanos anteriores, tenho a certeza. E é essa certeza que me leva a não recear o futuro, como a minha Marta, e a não participar, como professora que sou, por curso e precisão, no êxodo dos outros professores.»
Não sei se a Srª D. Manuela ficou por lá onde defendeu os que amou ou se também participou no êxodo dos professores. Eu confesso que participei, em desmentido da promessa, com pejo o recordo.
Mas hoje, a hora é de Obama. Hora de Isabela Figueiredo aproveitar a deixa, lembrando massacres que parece não terem existido, em Moçambique, acusando o pai morto de tropelias em vida, que talvez ele não tenha cometido, mau grado os whiskies, perfeitamente desculpáveis, das suas farras – (isto é o que diz a minha amiga, desconfiada das memórias da criança de doze anos, que foi Isabela quando abandonou o seu solo pátrio, também em retorno paternalmente protegido) – para torná-lo, ao pai, símbolo da pátria racista, em homenagem globalizante, de ternura filial e patriótica.
Isabela Figueiredo já está a ter notoriedade, na venda do seu livro, nas entrevistas televisivas, nas reportagens jornalísticas, nas fotos do seu prazer. A Pátria, reconhecida, premeia.
A hora é de Isabela Figueiredo, e de todos os promotores do seu sucesso, que são muitos, hora de Fernanda Câncio, talvez também da Srª D. Manuela Pereira, como pessoas sensíveis à cor e à dor da cor, quando é diferente da sua própria. Há sempre pessoas sensíveis à dor da cor diferente, embora em expressão unívoca, em desprezo pela dor dos da própria cor.
Estamos na hora de Obama. Saber aproveitar é uma virtude.
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