domingo, 24 de janeiro de 2010

“O que a gente aprende não esquece”

Estava a dormir no sofá, mas acordou e começou na sua ladainha de quadras que pouco depois começou a cantar. Neste momento, canta – cansadamente, mas com prazer, porque está sol e é domingo - e repete, umas que já lhe ouvi, outras que escuto pela primeira vez: E mistura os cânticos com as lágrimas do seu passado, sempre presente, cada vez mais presente. De vez em quando pára para reflexão, de letra e tom.
-Ó mamã, mas quando é que ouviste isso, que nunca te ouvi antes?
- Eu era muito pequenina. O que a gente aprende não esquece.
E assim as transcrevo, pois fazem parte do passado cultural da minha mãe, que todo ele regressa à baila, em evocações cada vez mais centenárias:

Anda o sol atrás da lua
A lua atrás do luar
Minha alma atrás da tua
Sem a poder encontrar.

Ó luar da meia noite
Guarda-te lá para o verão
Que estes rapazes de agora
Querem escuro, luar não.

Quando eu era solteirinha
Usava fitas e laços.
Agora que sou casada
Tenho o meu filho nos braços.

Algum dia eu já fui
Raminho de andar na mão.
Agora sou a vassoira
Com que tu varres o chão.

Ó minha mãe da minha alma
Ó pai do meu coração
Por muitos anos que eu viva
Não lhes pago a criação.

Minha mãe p’ra me casar
Prometeu-me três ovelhas
Uma manca e outra cega
E outra musga das orelhas.

Meu amor disse que vinha
Quando a lua viesse,
A lua já vai tão alta
Meu amor não aparece.

Por aquela rua abaixo
Vai um gato rebéubéu
Que lhe cortaram o rabo
Para a fita do chapéu.

- “Era uma prima do Zé Carrazedo que cantava isto, ainda me lembro, tinha uns cinco anos:

Ó criada vai lá abaixo
Abrir a porta ao patrão
Vem depressa para cima
Para abanar o fogão.

Varre, varre, varre,
Linda vassoirinha
Só tu és minha
E eu sou o teu amor.
Varre, varre
Linda vassoirinha
Abana abana
Meu abanador.

A graciosidade dos temas - dos amores desprezados, das marotices amorosas, das experiências vividas, da ternura filial - envoltos na capa dos astros que iluminam a Terra, quanta coisa bonita que ignorava, juntamente com o adjectivo “musgo”, aplicado ao gado lanígero de orelhas minúsculas que ficou na tradição popular.
“O que a gente aprendeu não esquece”, disse a minha evocativa mãe.
Não é tão verdade assim, mas gostaria que a juventude de agora fosse das que aprendem bem. Para não esquecerem mais. É preciso aprender bem.

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