“Papel da Mulher, na literatura da Resistência (Conclusão)”
“E assim, mesmo os escritores de vanguarda, que aparentemente apoiam uma igualdade de direitos da mulher, não deixam, sempre que vem a talhe de foice, de a pôr a ridículo nas suas pretensões, como é o caso de Vergílio Ferreira, em “Cântico Final”, ao apontar os exageros da mulher em parecer culta, esquecido de que o seu “Cântico Final” é todo ele uma resenha de questões da ordem do dia, numa ânsia de mostrar erudição e actualização de conhecimentos que em nada fica a dever, possivelmente, à boa Cidália – a “nova-rica” intelectual em causa.
Quanto a Urbano Tavares Rodrigues, ele nos vai dizendo o seu parecer, por vezes através das personagens femininas estrangeiras, como no caso de “Imitação de Felicidade”, onde duas francesas criticam a servidão das portuguesas em relação aos seus homens, mas se aproveitam escancaradamente da liberdade machista nacional para sua recreação pessoal. De resto, a atitude aparentemente livre e compreensiva quer de um quer de outro escritor, não convence ninguém, o primeiro demasiado egotista para que lhe interessem os problemas femininos, o segundo demasiado luxurioso para que – apesar das referências tão em moda, sempre de bom efeito patentear – na mulher lhe não interesse mais do que um corpo que se espose sinuosamente com o seu. Mesmo quando analisa a independência sexual da mulher – “Ave Esventrada” parece que só esse campo lhe merece predilecção, dentre os tão variados das reivindicações femininas, o que faz pressupor que só esse o favorece no seu campo de acção. Muito portuguesmente exigirá, sem dúvida, que em casa a mulher ou a criada o sirvam – tudo o mais é literatura... e sexo.
Também Sttau Monteiro em “Angústia para o Jantar” coloca uma personagem indignada – Gonçalo, retrato do cidadão rico e “blasé” dos nossos dias – a participar numa conversa familiar de porteiros, onde o único bife será, à boa maneira portuguesa, para o homem – só porque é macho – o qual passara a manhã de domingo a ler o jornal, enquanto a mulher se afadigara a varrer, esfregar, cozinhar, olhar pelos filhos – mas a mesma personagem indignada (retrato provável do autor), sustentará amantes e desdenhará da mulher – desta vez com reciprocidade “raffinée” – também à boa maneira marialvesca portuguesa, que beija a luva às senhoras e em casa é intratável, ou é cortesão dentro e fora de casa, mas indiferente e distante, sob o ponto de vista conjugal.
A “Curva da Estrada” de Ferreira de Castro foca o caso da rapariga (espanhola) abandonada pelo noivo, e de cuja pureza se rosnaram intrigas. Ela própria se autoflagelará em novenas e devoções de arrependimento, bem integrada na mesma sociedade condenatória das fraquezas femininas, desde que não sejam autenticadas pelo selo da autoridade judicial ou eclesiástica. E se o irmão – socialista liberal - a quer benevolamente fazer confessar, indiferente a tais selos, ela própria se encerra no seu mutismo envergonhado, sobre o qual pesam tradições de séculos.
Ainda dentro da temática das prepotências masculinas, a literatura neo-realista, seguindo a lição de Cesário, focará o caso das mulheres trabalhadoras entregues à libidinosa cobiça dos patrões prepotentes – “Gaibéus”, “Fanga” de Redol – o das criadas de servir – “Escada de Serviço” de Afonso Ribeiro – o das “mulheres a dias” – “Maria vai, Maria vem, romance da mulher a dias” de Luísa Dacosta - o da prostituta enfim, a quem a primeira experiência sexual é o primeiro passo na escala da degradação. Este último tema é vastamente analisado, e se “Aves da Madrugada” de Tavares Rodrigues traduz, à maneira de Sartre, o humanitarismo – em situação bem mais grotesca, em todo o caso – dessas mulheres, “Angústia para o Jantar revela a irritabilidade das mesmas e má vontade em relação às mulheres casadas, a quem os maridos são fiéis aos fins de semana, por ética convencional. O próprio “Domingo à Tarde” de Fernando Namora descreve uma destas figuras, um pouco irreal, despida de preconceitos, já por natureza própria, já por saber que o nada em breve sobre ela desceria. Se, pois, Dumas Filho se atrevera, um século antes, a focar o tema escandaloso das Damas das Camélias, neste nosso século humanitarista e desenvolto, o tema sofre larga e voluptuosa aceitação, sendo constantes as referências na literatura portuguesa contemporânea.
Outras facetas sob que se nos apresenta a mulher na novelística neo-realista são a dureza do seu trabalho (“Gaibéus”), a miséria da sua condição (“O Trigo e o Joio”), a irritabilidade resultante da vida de miséria (“Vagão J”), a doença (“Esteiros”), a vida animal que conduz ao próprio incesto (“O Ser e o Ter” de Marmelo e Silva), o tema das mulheres invertidas (Nita Clímaco), o das incapazes de, com receio de perderem no conceito do mundo, se libertarem de um casamento frustrado, onde o marido faz uma vida livre e sem preconceitos... em relação a si próprio (“Burguesia” de Luísa Dacosta).
Mas, se o escritor aparentemente se indigna quando foca de um ponto de vista superior e paternalista os seres femininos inferiores ou necessitados de protecção – como sejam a mulher do povo explorada e oprimida – numa igualdade de posições já adoptará a ironia distante de quem se não convence de que tal igualdade é possível. E a mulher para o escritor português do século XX ainda é, à boa maneira aquiliniana e portuguesa de todo o sempre, a descontarem-se as hipocrisias literárias, simples objecto de luxúria, interesse ou perversões do homem, pois das intelectuais o escritor troçará, como Vergílio Ferreira, com Tolentino por mestre, e assim das burguesas, como Rodrigues Miguéis, também com o mesmo mestre na origem.
Porque o escritor português, como bom português, não abdica facilmente dos seus direitos – e entre eles conta-se, evidentemente, os da não ingerência nos serviços inferiores da barca familiar, destinados à mulher e imprescindíveis, é certo, para a boa manutenção do físico, mas inibitórios de um viver mais livre e independente destinado ao homem, mais feito para os superiores prazeres do espírito... e os do corpo também, sempre que venha a talhe de foice e fora do zelo doméstico.»
É um facto que a sociedade mudou, marido e mulher trabalham, os filhos começam cedo a sua senda de “desintegração” do meio familiar, colocados em infantários, numa roda-viva dos pais que precisam de se interapoiar, o homem extirpando os resquícios da convenção machista que lhes sobrou de outrora - teoricamente o pai como representante do “fornecedor do alimento”, a mãe, a boa “fada-do-lar”, activa e atenta. Já não foi assim no meu tempo de trabalhadora, muito menos o é hoje. Mas a mulher acumula funções de peso com a casa, o trabalho, a família, o homem deve mesmo participar, no ritmo febril dos novos tempos.
E bem é quando há trabalho. Porque o pesadelo actualmente é a falta dele, as gerações que estudam, numa sociedade desintegrada, sem perspectiva de uma colocação, os serviços fechando, a robotização substituindo a intervenção humana, o descalabro social com o espectro do desemprego... Para não falar dos outros óbices sociais, de filhos entregues a si, sujeitos ao aventureirismo das pragas actuais, de expansão da droga, do rapto, da pedofilia, das falsas pedagogias que apoiam a indisciplina, numa incompreensão do valor da liberdade...
O papel dos pais deve ser mais interventivo do que nunca, em paridade. Já não se trata da libertação da mulher, mas da consciência da sua acção na engrenagem da vida.
“E assim, mesmo os escritores de vanguarda, que aparentemente apoiam uma igualdade de direitos da mulher, não deixam, sempre que vem a talhe de foice, de a pôr a ridículo nas suas pretensões, como é o caso de Vergílio Ferreira, em “Cântico Final”, ao apontar os exageros da mulher em parecer culta, esquecido de que o seu “Cântico Final” é todo ele uma resenha de questões da ordem do dia, numa ânsia de mostrar erudição e actualização de conhecimentos que em nada fica a dever, possivelmente, à boa Cidália – a “nova-rica” intelectual em causa.
Quanto a Urbano Tavares Rodrigues, ele nos vai dizendo o seu parecer, por vezes através das personagens femininas estrangeiras, como no caso de “Imitação de Felicidade”, onde duas francesas criticam a servidão das portuguesas em relação aos seus homens, mas se aproveitam escancaradamente da liberdade machista nacional para sua recreação pessoal. De resto, a atitude aparentemente livre e compreensiva quer de um quer de outro escritor, não convence ninguém, o primeiro demasiado egotista para que lhe interessem os problemas femininos, o segundo demasiado luxurioso para que – apesar das referências tão em moda, sempre de bom efeito patentear – na mulher lhe não interesse mais do que um corpo que se espose sinuosamente com o seu. Mesmo quando analisa a independência sexual da mulher – “Ave Esventrada” parece que só esse campo lhe merece predilecção, dentre os tão variados das reivindicações femininas, o que faz pressupor que só esse o favorece no seu campo de acção. Muito portuguesmente exigirá, sem dúvida, que em casa a mulher ou a criada o sirvam – tudo o mais é literatura... e sexo.
Também Sttau Monteiro em “Angústia para o Jantar” coloca uma personagem indignada – Gonçalo, retrato do cidadão rico e “blasé” dos nossos dias – a participar numa conversa familiar de porteiros, onde o único bife será, à boa maneira portuguesa, para o homem – só porque é macho – o qual passara a manhã de domingo a ler o jornal, enquanto a mulher se afadigara a varrer, esfregar, cozinhar, olhar pelos filhos – mas a mesma personagem indignada (retrato provável do autor), sustentará amantes e desdenhará da mulher – desta vez com reciprocidade “raffinée” – também à boa maneira marialvesca portuguesa, que beija a luva às senhoras e em casa é intratável, ou é cortesão dentro e fora de casa, mas indiferente e distante, sob o ponto de vista conjugal.
A “Curva da Estrada” de Ferreira de Castro foca o caso da rapariga (espanhola) abandonada pelo noivo, e de cuja pureza se rosnaram intrigas. Ela própria se autoflagelará em novenas e devoções de arrependimento, bem integrada na mesma sociedade condenatória das fraquezas femininas, desde que não sejam autenticadas pelo selo da autoridade judicial ou eclesiástica. E se o irmão – socialista liberal - a quer benevolamente fazer confessar, indiferente a tais selos, ela própria se encerra no seu mutismo envergonhado, sobre o qual pesam tradições de séculos.
Ainda dentro da temática das prepotências masculinas, a literatura neo-realista, seguindo a lição de Cesário, focará o caso das mulheres trabalhadoras entregues à libidinosa cobiça dos patrões prepotentes – “Gaibéus”, “Fanga” de Redol – o das criadas de servir – “Escada de Serviço” de Afonso Ribeiro – o das “mulheres a dias” – “Maria vai, Maria vem, romance da mulher a dias” de Luísa Dacosta - o da prostituta enfim, a quem a primeira experiência sexual é o primeiro passo na escala da degradação. Este último tema é vastamente analisado, e se “Aves da Madrugada” de Tavares Rodrigues traduz, à maneira de Sartre, o humanitarismo – em situação bem mais grotesca, em todo o caso – dessas mulheres, “Angústia para o Jantar revela a irritabilidade das mesmas e má vontade em relação às mulheres casadas, a quem os maridos são fiéis aos fins de semana, por ética convencional. O próprio “Domingo à Tarde” de Fernando Namora descreve uma destas figuras, um pouco irreal, despida de preconceitos, já por natureza própria, já por saber que o nada em breve sobre ela desceria. Se, pois, Dumas Filho se atrevera, um século antes, a focar o tema escandaloso das Damas das Camélias, neste nosso século humanitarista e desenvolto, o tema sofre larga e voluptuosa aceitação, sendo constantes as referências na literatura portuguesa contemporânea.
Outras facetas sob que se nos apresenta a mulher na novelística neo-realista são a dureza do seu trabalho (“Gaibéus”), a miséria da sua condição (“O Trigo e o Joio”), a irritabilidade resultante da vida de miséria (“Vagão J”), a doença (“Esteiros”), a vida animal que conduz ao próprio incesto (“O Ser e o Ter” de Marmelo e Silva), o tema das mulheres invertidas (Nita Clímaco), o das incapazes de, com receio de perderem no conceito do mundo, se libertarem de um casamento frustrado, onde o marido faz uma vida livre e sem preconceitos... em relação a si próprio (“Burguesia” de Luísa Dacosta).
Mas, se o escritor aparentemente se indigna quando foca de um ponto de vista superior e paternalista os seres femininos inferiores ou necessitados de protecção – como sejam a mulher do povo explorada e oprimida – numa igualdade de posições já adoptará a ironia distante de quem se não convence de que tal igualdade é possível. E a mulher para o escritor português do século XX ainda é, à boa maneira aquiliniana e portuguesa de todo o sempre, a descontarem-se as hipocrisias literárias, simples objecto de luxúria, interesse ou perversões do homem, pois das intelectuais o escritor troçará, como Vergílio Ferreira, com Tolentino por mestre, e assim das burguesas, como Rodrigues Miguéis, também com o mesmo mestre na origem.
Porque o escritor português, como bom português, não abdica facilmente dos seus direitos – e entre eles conta-se, evidentemente, os da não ingerência nos serviços inferiores da barca familiar, destinados à mulher e imprescindíveis, é certo, para a boa manutenção do físico, mas inibitórios de um viver mais livre e independente destinado ao homem, mais feito para os superiores prazeres do espírito... e os do corpo também, sempre que venha a talhe de foice e fora do zelo doméstico.»
É um facto que a sociedade mudou, marido e mulher trabalham, os filhos começam cedo a sua senda de “desintegração” do meio familiar, colocados em infantários, numa roda-viva dos pais que precisam de se interapoiar, o homem extirpando os resquícios da convenção machista que lhes sobrou de outrora - teoricamente o pai como representante do “fornecedor do alimento”, a mãe, a boa “fada-do-lar”, activa e atenta. Já não foi assim no meu tempo de trabalhadora, muito menos o é hoje. Mas a mulher acumula funções de peso com a casa, o trabalho, a família, o homem deve mesmo participar, no ritmo febril dos novos tempos.
E bem é quando há trabalho. Porque o pesadelo actualmente é a falta dele, as gerações que estudam, numa sociedade desintegrada, sem perspectiva de uma colocação, os serviços fechando, a robotização substituindo a intervenção humana, o descalabro social com o espectro do desemprego... Para não falar dos outros óbices sociais, de filhos entregues a si, sujeitos ao aventureirismo das pragas actuais, de expansão da droga, do rapto, da pedofilia, das falsas pedagogias que apoiam a indisciplina, numa incompreensão do valor da liberdade...
O papel dos pais deve ser mais interventivo do que nunca, em paridade. Já não se trata da libertação da mulher, mas da consciência da sua acção na engrenagem da vida.
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