terça-feira, 26 de janeiro de 2010

“Patriotismo voltado para fora”

Foi na RTP Norte que hoje ouvi a distinção entre “amor pátrio” e “patriotismo”, numa entrevista feita a Artur Santos Silva que foi quem fez a referência à distinção. Mas não chegou a distinguir, efectivamente, pois do que ele falou logo a seguir, como presidente da “Comissão Oficial do Centenário da República”, foi do “patriotismo voltado para dentro” que era o de antigamente, ao que parece – não exemplificou – e “patriotismo voltado para fora” que é o dos nossos tempos e sobretudo dele, que constitui um bom exemplo disso. Com efeito, não só é bisneto de um grande revolucionário republicano da Revolução nortenha de 31 de Janeiro de 1891 contra a Monarquia, mas é também dono de cabedais importantes, os quais certamente lhe permitirão viajar lá para onde tem o patriotismo voltado, e por isso lhe foi ofertado o encargo das Comemorações do centenário do 5 de Outubro que vão custar ao Estado dez milhões de euros, alguns dos quais transitarão para a conta bancária de SS. Este, aliás, parece que foi fundador do BPI, para melhor investir internamente com reflexos pessoais no seu patriotismo exterior e os dez milhões são coisa de nada se pensarmos na importância da República para o bem-estar do nosso povo, como disse ainda SS, que disso é prova cabal, por entre muitos mais exemplos cabais das nossas provas pátrias.
De resto, nem prestei mais atenção à entrevista, feita com muita educação e delicadeza, porque logo a seguir surgiu a referência ao Orçamento, nos nossos noticiários repetitivos, à sua aprovação ou não. Mas já está tudo decidido pelo sim, de uma forma, pois, "confortável para todos" - disse o Dr. António Vitorino ontem à Judite de Sousa a respeito dessa aprovação - confortável não só para o Governo que se vê aprovado, como para os que se abstêm – contribuindo, deste modo, para aprovar o Governo, mas, virtuosamente, ressalvando as suas próprias consciências e seriedade patrióticas que mandariam escrupulosamente não aprovar. E foi o Dr. António Vitorino que falou, com satisfação, no sim para todos confortável.
Até telefonei sobre isso à minha amiga, e ficámos ambas muito confortadas, pois que, entretanto, ouvimos dizer que também iríamos comparticipar no conforto de todos, com o défice nos nossos vencimentos, para cobrirmos patrioticamente o défice externo, e ajudarmos às despesas dos festejos do centenário republicano tão eficazmente representado.
O nosso patriotismo ficou assim bem assinalado com o nosso contentamento real, sem raízes na realeza, é certo, mas resultante do nosso honrado espírito de colaboração nas medidas patrióticas de pagamento das dívidas, eu, aliás, ingénua como sou - e não é para me gabar que o assinalo - ainda com mais firmeza de convicção do que a minha amiga muitas vezes refractária a esta coisa de medidas.
Ficou, no entanto, um pouco obstruída a nossa satisfação, por não termos podido decidir, por falta de explicação, se era uma questão de "patriotismo" o que nos movia, com maior ou menor firmeza, se de "amor pátrio", e se, qualquer que ele fosse, estaria mais voltado "para fora" se mais "para dentro". Porque, “entre les deux, notre coeur balançait”, sem bem sabermos do que falávamos, já que SS preferiu usar esses chavões definidores para justificar facilmente os resultados positivos das suas ideologias económicas, alargadas, generosamente - a minha amiga falou em demagogia - a todo o espaço social português, por via de ser um espaço republicano.

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