domingo, 24 de janeiro de 2010

“Os lobos e as ovelhas”

«Após mil e mais anos de guerra declarada,
A paz entre Lobos e Ovelhas foi projectada.
Tratava-se, aparentemente, de uma medida acertada
Para qualquer das duas partes,
Porque, se é certo que os Lobos comiam muito animal desgarrado,
Os Pastores, com a sua pele, faziam um vestuário mais adequado.
Nunca liberdade houve, nem a respeito de pastagens,
Nem nas carnificinas, por seu lado.
Eles não podiam dos seus bens gozar
Senão tremendo.
Concluiu-se, pois, a paz: oferecem-se reféns;
Os Lobos, os seus Lobinhos; e as Ovelhas, os seus cães.
A permuta sendo feita nas formas convenientes
E regulada por comissários competentes,
Ao fim de algum tempo os senhores Lobinhos
Fizeram-se lobos perfeitos e desejosos de carnificina,
Apanham-se numa altura em que, do curral,
Os Senhores Pastores, imprevidentes,
Estavam ausentes,
Iniciaram a chacina,
Estrangulando metade dos cordeiros mais gordinhos,
Tinham avisado os seus familiares secretamente.
Os Cães, que, na sua boa fé repousavam, em segurança,
Enquanto dormiam, foram estrangulados sem tardança.
Tudo feito tão rapidamente
Que a morte, por estes mal foi sentida,
Felizmente.
Tudo despedaçado; nem um só escapou com vida.»

Embora esta fábula não venha, talvez, a propósito
Do que se passa connosco,
Que até somos um povo pacífico
La Fontaine, se a criou,
Ou se em alguém ainda mais antigo se inspirou,
Vem provar à evidência
A sua competência
Na ciência antropológica,
Porque uma fábula tem aplicação prática,
Aplica-se ao homem
De hoje e de ontem.
De amanhã também:
Os lobos acabam por sempre imperar,
Mesmo que às vezes pareçam vergar
Em acordos de ôs fechados
Com a dóceis ovelhinhas de mé més abertos
A balar.
Dos acordos fechados com os lobos
Convém duvidar.

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