Teresa de Sousa dá-nos
conta do enredo entre a Europa e os Estados Unidos, com as visitas, ao que
parece ineficazes, do presidente francês e da chanceler alemã ao presidente
americano, que continua a exibir o seu orgulho de decisor universal, disposto a
quebrar compromissos, ou não, conforme lhe der na veneta, e apesar das
simpatias para as câmaras televisivas, especialmente com E. Macron. Todos testemunhámos
isso, através dos noticiários. E Donald Trump prepara-se agora para ir pôr o pé
na Coreia do Norte, não como fez o presidente da Coreia do Sul, certamente, deitando
pazadas de terra e água comuns aos dois países sobre um pinheiro de paz, mas
com o mesmo sorriso felino escondendo um pensamento de orgulho contente e de
efeito imprevisível. O certo é que o mundo está pendente de Trump e dos caprichos
de Trump que Teresa de Sousa vai relatando, na incerteza que paira sobre os
destinos do mundo, como novela de múltiplos enredos ou manta de retalhos de
muitas costuras. E fica sempre a impressão do grotesco das imagens de chefes
europeus pedindo batatinhas a um tal fulano que rebenta de empáfia e de cinismo.
Por cá, um homem sério e
competente, Nuno Crato, tocando uma vez mais na tecla do ensino, que ao
que parece melhorou, mas que novas propostas de alteração pretendem fazer
piorar, talvez por propósitos que apostam cada vez mais na massificação, na
generalização igualitária. É preciso muita paciência!
I- Uma semana alucinante
Merece o Presidente americano o crédito que se atribui a si próprio? A
resposta não é imediata. Aparentemente, seguiu um padrão que parece ter
resultado: utilizar o incomparável poderio militar americano e o seu gigantesco
mercado de “último recurso” para criar as condições de uma negociação mais
favorável aos Estados Unidos.
1. Vivemos uma semana extraordinária.
Começou com uma notável visita de Estado do Presidente francês ao seu
homólogo americano, a primeira do seu mandato, que decorreu de uma maneira a
muitos títulos inédita. Emmanuel Macron foi recebido por Donald Trump como um
verdadeiro “amigo” e um velho aliado, sem que o Presidente francês tivesse de
fazer a mínima cedência quanto às suas divergências com Trump e a sua política
externa. Bastou ouvi-lo no Congresso, num discurso muito mais próximo da
visão de Obama sobre a América e o mundo, do que a de Trump. Já se
sabia, mas não houve da sua parte a tentação de cair numa linguagem
“diplomática”, remetendo as divergências para as entrelinhas. Estavam todas nas
linhas. O Financial Times faz-lhe um rasgado elogio. Trump também não cedeu
praticamente nada, do Irão ao comércio, passando pela Síria. Quando
recebeu Angela Merkel na Casa Branca para uma visita de trabalho, um
acontecimento internacional verdadeiramente extraordinário estava a decorrer do
outro lado do mundo. Teve como protagonistas os Presidentes da Coreia do Norte
e da Coreia do Sul, reunidos na linha de demarcação do Paralelo 38 para
prometer pôr fim à guerra da Coreia (50-53) e anunciar a desnuclearização da
Península. O gesto de Kim Jong-un ultrapassou as melhores expectativas, mas
ainda falta uma explicação completa das suas motivações. Sabemos que não se
converteu num defensor da paz, mas já tinha dado alguns sinais de que a sua
política poderia mudar. A questão que fica é saber se, desta vez, é a
sério. Há, no entanto, uma nova realidade a partir da qual é preciso criar
as condições para que não seja mais uma falsa partida. Enquanto víamos as
imagens inéditas dos dois líderes coreanos a atravessarem a linha de demarcação
de mão dada, Trump, ao lado de Angela Merkel, lembrava que, sem ele, o que o
mundo estava a ver na Península da Coreia não teria sido possível, lamentando a
falta de iniciativa dos seus antecessores, democratas e republicanos.
2. Merece o
Presidente americano o crédito que se atribui a si próprio? A
resposta não é imediata. Aparentemente, seguiu um padrão que parece ter
resultado: utilizar o incomparável poderio militar americano e o seu gigantesco
mercado de “último recurso” para criar as condições de uma negociação mais
favorável aos Estados Unidos. Quando, em 2017, Kim acelerou o
desenvolvimento de ogivas nucleares e dos mísseis de longo alcance capazes de
as transportar até território americano, Trump respondeu-lhe à letra, lembrando
que o seu botão nuclear era mil vezes mais poderoso do que o dele. O mundo
começou a preocupar-se a sério com o risco de uma escalada incontrolável. A
China aceitou aumentar a pressão sobre o seu cada vez menos obediente
protegido, cortando alguns abastecimentos. Xi fez alguns gestos diplomáticos
para mostrar que a sua política externa seria mais ambiciosa para não perder
terreno numa zona onde quer competir com os EUA pela hegemonia. Aceitou falar
directamente com Seul e adoptou uma posição mais construtiva em relação aos EUA.
Aperta o regime internamente, enquanto o abre ao exterior. Mas o que é
verdadeiramente novo nesta aparente “reconciliação” entre as duas Coreias, não
é o encontro de sexta-feira passada. É o encontro de Kim com o Presidente
americano, dando a Trump um papel central numa região em que a China quer ser a
potência hegemónica. O encontro dos dois Presidentes é, justamente, aquilo que
o regime de Pyongyang, (como o do Irão) mais ambiciona - de igual para igual
com a única superpotência mundial. Kim mostrou a Pequim que não era tão
dependente como se pensaria. Trump mostrou o “resultado” da sua política de
força: obrigar os “inimigos” a sentar-se à mesa com ele. A Rússia ou o Japão
foram marginalizados. Os dois Presidentes coreanos contam apenas com dois “fiadores”,
obviamente imprescindíveis: os EUA e a China. Por mais dúvidas que subsistam, é
por isso que o momento pode ser histórico e é diferente dos que se repetiram
nos últimos 25 anos, que rapidamente deram em nada e que, alguns deles, foram
explicados por condições internas que nem a dinastia déspota dos Kim poderia
ignorar por demasiado tempo, de tal modo se degradaram as condições de vida dos
coreanos, incluindo a fome. O que faz correr o último dos Kim é a questão que
falta deslindar. Os EUA vão manter a pressão e espera-se que a China também.
3. Entretanto, a par
das imagens de Trump e de Merkel na Casa Branca ou dos dois líderes coreanos em
descontraída cavaqueira, víamos em directo outro acontecimento mais modesto, desta
vez em Bruxelas, onde Mike Pompeo, já na sua qualidade de secretário de
Estado, era recebido na sede da NATO. Disse ao que vinha: “Imediatamente
depois da minha confirmação [no Congresso], tomei o avião para Bruxelas.” Havia
um motivo: participar no Conselho do Atlântico Norte, na sua última reunião
na velha sede da Aliança, que agora terá uma nova e muito mais moderna morada.
Trump ainda não deixou de bater na mesma tecla: a Europa tem de pagar muito
mais pelos serviços prestados pela América para garantir a sua segurança. A
escolha de Pompeo para a sua primeira deslocação não deixa, por isso, de ter
significado. De resto, as diferenças que Trump manteve com Macron sobre o
Irão e sobre o comércio, repetiu-as com a chanceler. Mesmo assim, Merkel
conseguiu o seu objectivo: demonstrar ao Presidente americano que, no que diz
respeito à Europa, não a pode tirar da fotografia: tem de lidar com Macron mas
também com ela.
4. O mesmo padrão
poderia ser aplicado à ameaça de guerra comercial que hoje paira sobre o mundo,
graças à mudança de 180 graus da política americana. É uma “guerra” sem armas
nucleares, mas que pode ter consequências devastadores, incluindo a guerra. É o
que a História do início do século passado nos ensina, apesar de o mundo viver
nessa altura a sua segunda “globalização”. Trump começa por
anunciar que tenciona rasgar a maioria dos acordos de comércio livre com vários
parceiros económicos, desde a aliada Europa até à poderosa China. Pôs
fim à Parceria de Comércio Transpacífica (TTP) com onze países da
Ásia-Pacífico, negociada por Obama e que não incluía a China. Ameaçou Pequim
directamente, aplicando as novas tarifas do aço e do alumínio. Apresentou aos
chineses uma longa lista de produtos que passariam a pagar tarifas mais altas
para entrar no mercado americano. Avisou a Europa de que não teria qualquer
contemplação especial com os aliados, embora lhes tenha dado uma moratória que
termina a 1 de Maio. Bruxelas já tem uma lista de produtos que poderá
também taxar, desde a polpa de laranja à carne ou às Harley-Davidson. Por
enquanto, apenas quer aliviar a tensão. Falta saber como. Os EUA
funcionam como o mercado de último recurso para garantir as exportações de
muitos países, sobretudo em época de dificuldades económicas. É isso que
explica o seu défice comercial com quase todo o mundo, mas também parte da sua
força. Xi mostrou-se disponível para encontrar uma solução e deu já um
sinal de abertura para o sector automóvel. Macron e Merkel adoptaram um tom
bastante mais conciliatório. Propõem que se mantenha a suspensão das novas
tarifas para o aço e o alumínio e oferecem uma nova negociação que reduza
drasticamente as já baixas tarifas dos produtos industriais que os dois países
trocam entre si. Estamos a falar dos dois maiores mercados mundiais. Merkel
quer continuar a vender os BMW e os Mercedes que Trump acha que vê em excesso
nas estradas americanas. As ameaças são para “obrigá-los” a sentar-se à mesa,
diz a Casa Branca. Tem tido algum resultado. Mas nada garante que se
mantena, no longo prazo. As outras potências acabarão por reagir. O
proteccionismo atingirá uma vasta classe média americana, cujos rendimentos estão
há décadas estagnados mas que mantém o acesso aos bens de consumo, dado o seu
preço baixo e a sua etiqueta “made in China”. O isolacionismo também já cobrou
um preço muito elevado aos EUA. Quando, depois da Grande Guerra, a América se
fechou sobre si própria, descobriu tarde de mais o que isso lhe custaria. Teve
de voltar à Europa apenas vinte anos depois, para salvá-la de si própria numa
guerra que se tornou mundial.
II-PASSEIO ALEATÓRIO
Contra argumentos não há factos
Todos os indicadores, em
especial os estudos internacionais, mostram um grande avanço na educação mas é
agora, quando os sucessos são evidentes, que os “especialistas” dizem que tudo
precisa de mudar.
A frase ‘contra factos
não há argumentos’ é bem conhecida. Mas há quem funcione ao contrário. Para
alguns, os factos não contam. Só interessam os argumentos. Ou, como dizem, misturando
pós-modernismo com desfaçatez, o que interessa é a ‘narrativa’.
Assim estão alguns atores
políticos e alguns agentes educativos.
Lembram-se do que alguns
políticos e ditos especialistas em educação diziam no princípio deste século,
quando muitos, entre os quais o autor destas linhas, falavam em crise na
educação? Diziam que era “catastrofismo”, que “tantos zeros e tantas negativas”
não eram sinal de crise no ensino da matemática, lamentavam que os indicadores
“alimentem mediaticamente a opinião pública” e diziam que não éramos “nem
piores nem melhores” que os outros.
Quem tiver dúvidas e quiser
ler uma surpreendente coleção de declarações de responsáveis políticos e
educativos da época pode ler as citações que coligi nas páginas 21 a 27 do meu
livro “Eduquês”.
Relembremos alguns
factos. Qual era a situação relativa do nosso país? No TIMSS, em matemática do
4.º ano, de entre os países participantes, estávamos no antepenúltimo
lugar, com 475 pontos. Atrás de nós, havia apenas a Islândia e o Irão.
No PISA, em 2000, de
entre os países participantes que pertenciam então à OCDE, Portugal ocupava a
antepenúltima posição em ciências e a leitura. Em matemática, só tinha três
países atrás. .
A taxa de abandono
escolar precoce era 43,6% em 2000. Quer isto dizer que apenas 56,4% dos jovens
entre os 18 e os 24 estavam a estudar ou tinham completado o Secundário. Na
União Europeia apenas Malta tinha um resultado pior..
Em 2000, as taxas de
reprovação eram escandalosamente altas. Atingiam cerca de 10% no 4.º ano, 16%
no 9.º e 50% no 12.º.
Neste quadro triste,
desde a Presidência da República ao Conselho Nacional de Educação, criticava-se
o “catastrofismo”e dizia-se que não, que a educação não estava em crise! Eram
os críticos que estavam enganados.
Entretanto, tudo ou
quase tudo melhorou. Fruto de um esforço persistente das escolas, dos
professores, dos pais e de vários governos, chegámos a 2015 com um panorama
totalmente diferente. No TIMSS, em matemática do 4.º ano, passámos do antepenúltimo
lugar para um lugar cimeiro, acima da média, com 36 países atrás de nós.
Passámos de 475 para 541 pontos. Passámos à frente da mítica Finlândia!
No PISA, das últimas
posições ocupadas em 2000, passámos em 2015 para cima da média da OCDE. Na
leitura, subimos de 470 para 498 pontos. Em matemática, progredimos de 454 para
492 pontos. E em ciências, passámos de 459 para 501 pontos.
A taxa de abandono
escolar precoce melhorou, descendo dos 43,6% em 2000 para os 28,3% em 2010 e
13,7% em 2015. Passámos à frente da Espanha e da Itália.
As taxas de reprovação
também melhoraram. Em 2015, no 4.º, 9.º e 12.º anos, desceram para 2%, 10% e
30%. Ou seja, no 4.º ano, e com a Prova Final da altura, reduziu-se a retenção
para quase um quarto do que era; no 9.º e no 12.º, reduziu-se para dois terços
do que era.
Se em vez de examinarmos
esses anos terminais de ciclo olharmos para as reprovações por ciclo, os
resultados são igualmente impressionantes. A conclusão é simples: com mais
exigência e mais organização conseguiu-se que os alunos tivessem mais sucesso.
Em 2015, com as
avaliações internacionais, tornou-se claro que as melhorias foram
generalizadas. Ao contrário de muitos países e situações em que, quando as
médias melhoram, os alunos mais fracos pioram e são deixados para trás, ou
daqueles países e situações em que os alunos mais fracos melhoram, mas a
insistência em reduzir as desigualdades piora o desempenho dos melhores alunos,
ao contrário de todos estes casos, em 2015, a melhoria dos estudantes
portugueses foi generalizada. Nem se “nivelou por baixo” nem se prejudicaram os
melhores.
Portugal recebe um
destaque particular do PISA também por essa razão. O relatório da
OCDE de 2015 afirma na página 266: “Macau (China) e Portugal foram capazes de
‘elevar todos’ no desempenho em ciências, matemática e leitura relativamente à
última década, aumentando o número de alunos no topo e, ao mesmo tempo,
reduzindo o número de estudantes nos níveis mais baixos. As suas experiências
mostram que os sistemas educacionais podem nutrir os melhores e simultaneamente
ajudar os estudantes com dificuldades.”
Esta melhoria em
praticamente todos os indicadores educativos foi progressiva entre 2000 e 2015.
Muitos fatores contribuíram para o progresso, mas o fator central foi o maior
rigor e a maior atenção aos resultados.
Ou seja, foi o trabalho
a montante e a jusante. A montante, foram programas sucessivamente mais bem
estruturados e rigorosos, foram metas curriculares, foi a melhoria dos manuais
escolares, obtida com um processo de avaliação e certificação, foi a atenção
especial à matemática e ao português, que se consideraram justamente como
matérias estruturantes, foram medidas de apoio especial aos alunos com mais
dificuldades, foi o desenvolvimento de vias profissionalizantes. A jusante, foi
a introdução sucessiva de uma avaliação mais rigorosa e frequente, com provas
de aferição ou provas finais e exames em todos os fins de ciclo, foi a
divulgação destes resultados, que permitiu corrigir o que não funcionava e
ajudou todos, pais, escolas, professores, alunos, a empenharem-se para melhorar
a educação. De uma maneira ou de outra, com problemas e desentendimentos, foi
esta a orientação geral seguida de 2000 a 2015, qualquer que fosse o partido no
governo.
O resultado foi um
progresso que se manifesta em todos os indicadores educativos. Em educação,
Portugal é um país diferente em 2015 do que era em 2000. Havia então um
percurso muito longo a fazer, apesar de muitos terem tentado negá-lo. Ainda
hoje há muito a melhorar, mas já não nos envergonhamos no
panorama internacional.
Pois que nos dizem agora
os mesmos que criticavam os “catastrofistas” de 2000? Dizem que não, dizem que
tudo piorou. E que solução oferecem? Continuar a progredir na linha do
que se fez entre 2000 e 2015? Não. O que sugerem é que se eliminem os
progressos e se retorne ao século passado, que se elimine o rigor dos programas
e se abandonem as metas curriculares, que se flexibilize o currículo e se
desvalorizem progressivamente os exames, que se esqueça a revisão e
certificação dos manuais escolares, que se abandone a exigência e rigor dos
conteúdos e se valorizem competências vagas.
Para quem os factos não
contam, só interessam as narrativas. Não interessa o país?!
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