Um texto optimista, o de Diogo Queiroz de Andrade, a
respeito de Macron e as suas reformas, pese embora os distúrbios de animadversão
que a sua política tem provocado ( V. «Macron governa à direita,
suscita paixões e gera grandes antipatias - Clara Barata, Público, 7 de
Maio de 2018: «Desde que foi eleito, há um ano, lança reformas a um ritmo
imparável. Mas os franceses não sentem que a sua vida tenha melhorado,
sobretudo os mais jovens.» Tornou-se “o
Presidente dos ricos” para muitos franceses. Emmanuel Macron, que
repetiu como um mantra não ser “nem de direita nem de esquerda”, teve um
primeiro ano de governação à direita, lançando reformas a um ritmo imparável,
mas com um défice de preocupações sociais. Mas mais do que isso, o estilo de
governar exaspera mais de metade dos franceses. “É incapaz de dialogar. Pensa
deter a verdade absoluta e quer impor o seu ponto de vista sem consultar
ninguém.”
Penso que sim, que E. Macron é
demasiado arrogante, e que o povo francês é demasiado insatisfeito, habituado
às revoluções, e que Macron se arrisca, nas suas ousadias, apesar das empatias
com os grandes, que a imprensa regista, mas que não parecem sinceras. Lembra um
dançarino a mover-se num chão movediço, com muitos requebros é certo, mas com
um olhar frio e cortante, sem amor pelo seu par… impressão subjectiva esta, que
não aquenta nem arrefenta. Mas ele lá anda, no seu tablado, e vejo outra
notícia do Expresso, via Internet: «Macron, May
e Merkel reagem a Trump em conjunto: pedem responsabilidade ao mundo e
contenção ao Irão».
Oxalá seja positiva a presença de Macron nas questões do
desarmamento nuclear, oxalá estas personagens responsáveis da Europa consigam
fazer valer as suas razões, no clima de instabilidade que se propaga na Ásia e
no mundo, e que o magnífico historial de José Pedro Teixeira Fernandes traz
à baila, no seu artigo do Público, «IRÃO E COREIA DO NORTE: DECISÕES NUCLEARES À VISTA»,
nas sinuosidades das interligações entre os povos do armamento nuclear na Ásia e na
possibilidade de afectação sobre eles, da presença do poderoso leader americano, mula
velha como o vinho da nossa lavra, que às vezes compro, quando está em
saldo, o que acontece frequentes vezes, tal como acontece com Trump, na
volubilidade baratucha das suas decisões temperamentais.
I
- EDITORIAL
Macron,
o reformador
Há muitos políticos ambiciosos a estudar a
agenda e o estilo de Macron. Não só porque lhe gabam o sucesso, mas acima de
tudo porque lhe cobiçam a substância.
DIOGO
QUEIROZ DE ANDRADE
PÚBLICO, 7 de
Maio de 2018
Emmanuel Macron chegou há um ano, ainda não parou de reformar e com isso
já divide a nação francesa. Ainda bem que o faz. É preciso recordar de onde vem Macron:
o jovem presidente vem do anti-sistema, de fora do esquema dos partidos
tradicionais que ainda hoje não conseguiram fazer a sua renovação. E vem, como
diz o próprio, de um terreno que não é “de direita nem de esquerda”, para
agitar a democracia.
O que é mais interessante em Macron é como, vindo deste anti-sistema,
conseguiu ocupar todo o sistema – deixando a oposição para os extremistas de um
lado e do outro que se digladiam por atenção. E trouxe para o centro político
os mais jovens, que continuam a apoiar fervorosamente o seu presidente.
França precisava de desmantelar um código de trabalho arcaico e isso foi
feito. Precisava de reformar o ensino superior e a lei lá passou. Precisava de
resolver uma lei de asilo e imigração e também o fez, calando pelo caminho os
extremistas da Frente Nacional. Lançou uma política nacional de inovação que
muitos comentadores nem sequer entendem. Precisava de assumir a bandeira da
Europa com firmeza e só não se foi mais longe porque a parceira alemã se
atrasou com problemas domésticos. Foram reformas boas ou más? Foram reformas,
ainda é cedo para saber os seus efeitos. Fez aquilo para que foi eleito, o que
é mais do que podem dizer muitos primeiros-ministros europeus.
Para os próximos meses, também já tem agenda conhecida: Precisa de rever
o esquema de pensões, remodelando a segurança social, e de quebrar a força dos
ferroviários. Não será coisa pouca para o segundo ano.
Há muitos políticos ambiciosos a estudar a agenda e o estilo de Macron.
Não só porque lhe gabam o sucesso, mas acima de tudo porque lhe cobiçam a
substância. E porque sabem que agora a bitola subiu, é preciso ter uma ideia
nacional e europeia e também a coragem de a pôr em prática. A Europa agradece
um presidente francês forte, que acredite nela. E os europeus, incluindo
aqueles que são governados por forças populistas e demagógicas que odeiam o que
a União representa, também agradecem.
II - OPINIÃO
IRÃO E COREIA DO NORTE: DECISÕES NUCLEARES À
VISTA
Está instalado um clima de máxima desconfiança entre os EUA e o Irão. É
quase inevitável projectar-se sobre o programa nuclear da Coreia do Norte. Se
não for assim será algo de extraordinariamente novo na política internacional.
JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
PÚBLICO, 8 de Maio de 2018
1. O mês de Maio de 2018 pode ficar marcado pelas questões nucleares
do Irão e da Coreia do Norte. O contexto é curioso e algo paradoxal. Em finais
de Abril instalou-se uma vaga de optimismo sobre a possibilidade de um acordo
relativo ao programa nuclear da Coreia do Norte (e até sobre a reunificação das
duas Coreias). Contrasta,
flagrantemente, com o pessimismo e a apreensão gerada pela grave crise do Verão
de 2017. Do encontro entre Kim Jong-un (Coreia do Norte) e Moon Jae-in
(Coreia do Sul), na zona desmilitarizada de separação, resultou uma declaração
conjunta. Nesse texto, ambos afirmavam “perante o seu povo de 80 milhões de
pessoas e perante o mundo inteiro, que não haverá mais guerra na Península da
Coreia”. Afirmavam, ainda, estar empenhados em prosseguir esforços
conjuntos com vista a uma “total desnuclearização”. (Ver “The
Panmunjom Declaration for Peace, Prosperity and Unification of the Korean Peninsula”
in BBC 27/04/2018). O tom cordial dessas declarações e o optimismo que geraram a nível
internacional contrasta, agora, com outra questão nuclear que se reabriu: a do
Irão. Nos últimos
tempos têm surgido múltiplos ataques ao acordo feitos pelo Presidente dos EUA,
Donald Trump. Pode estar em curso o processo que levará, de uma forma ou de
outra, ao seu abandono pelos norte-americanos (restando saber o que os outros
signatários, nomeadamente a China e a Rússia, tencionam fazer). Isso ocorrerá
se voltarem a ser aplicadas sanções económicas anteriormente suspensas e/ou se
for exigida uma renegociação em termos inaceitáveis para os iranianos. Importa,
assim, colocar em paralelo os dois casos para perceber como estes se interligam
e as consequências internacionais que daí podem resultar.
2. Vejamos
primeiro o caso do Irão. Após mais de uma década de tensões políticas
e de impasse negocial, em 2015 foi efectuado um acordo internacional para
evitar o uso do nuclear para fins militares. Envolveu os cinco membros
permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (EUA, Rússia, China,
França e Reino Unido) e ainda a Alemanha e a União Europeia —
informalmente, o P5 +1(*) e a União Europeia. (Ver Conselho Europeu / Conselho da União
Europeia, “Plano de Acção Conjunto Global e medidas restritivas”). Em troca de uma não prossecução do
programa nuclear para fins militares — permitindo, no entanto, o uso limitado
do nuclear para fins civis —, o acordo previu um levantamento gradual das
sanções que tinham sido impostas ao Irão. Para Barack Obama e John Kerry
foi uma negociação diplomática particularmente difícil (os acontecimentos da
revolução iraniana de 1978/1979 ainda estão bem presentes na memória dos
norte-americanos), mas que garantia a paz no Médio Oriente. Todavia,
internamente, sempre foi contestado pelo Partido Republicano. No plano
internacional, desagradou também aos países árabes sunitas, os principais
aliados dos EUA no Médio Oriente, em especial à Arábia Saudita. Estão
envolvidos numa luta pela supremacia com o Irão, em particular nas guerras da
Síria e do Iémen. Para além dos árabes sunitas foi duramente contestado por
Benjamin Netanyahu, Primeiro-Ministro de Israel, que o qualificou como “erro
histórico para o mundo”.
(*) P5+1 é um grupo de países que, em junho de 2006, juntaram esforços
diplomáticos para negociações sobre o programa nuclear do Irã. O
grupo é constituído pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia) mais a Alemanha. O P5+1 é às vezes
referido como E3+3 ou UE3+3, em alusão aos três países da União
Europeia aí representados.
3. Abandonar o acordo nuclear feito pelo P5+1 e União Europeia
com o Irão envia a “mensagem certa” à Coreia do Norte antes das negociações
sobre o seu programa nuclear. É assim que Donald Trump vê o impacto de
uma possível denúncia unilateral. Na sua óptica, o acordo com o Irão é um
mau exemplo para o programa nuclear da Coreia do Norte. Entre os vários
argumentos usados contra esse “horrível acordo” — sobre o qual tem mostrado um
enorme cepticismo quanto à sua eficácia —, está o seu período temporal
limitado. Passados alguns anos o Irão ficará “livre para ir em frente e
criar armas nucleares. Isso não é aceitável". (Ver “Trump: Killing Iran nuclear deal
will send 'right message' to North Korea ahead of talks” in USA Today,
30/04/208) Numa
abordagem similar, o Primeiro-Ministro israelita afirmou ter na sua posse
documentos comprovativos de um programa nuclear paralelo, com o objectivo de
produzir armamento nuclear. Todavia, os dados agora revelados parecem ser
anteriores à realização do acordo feito em Julho de 2015. (Ver “Ex-Mossad
chief says Netanyahu’s show on Iran had ‘nothing new’“ in Times of Israel,
2/05/2018). A
ser assim, não comprovam a sua violação. Contribuem é para acentuar a
desconfiança já instalada entre as partes sobre a boa-fé no seu cumprimento. E
aumentam as dúvidas sobre as intenções futuras do Irão quanto ao nuclear, mas isso
é sempre algo do domínio da subjectividade.
4. Se o acordo efectuado com o Irão é um mau acordo e não serve
para a Coreia do Norte, já o acordo feito com a Líbia parece ser o modelo
preferido pelo governo dos EUA. John Bolton, o actual conselheiro
de segurança nacional de Donald Trump, afirmou que uma negociação — tal como
foi efectuada no passado com Muammar Kadhafi —, poderia ser um modelo para
abordar o problema da Coreia do Norte. Mas o que é apresentado um caso de
sucesso de desarmamento nuclear por John Bolton certamente terá outra leitura
por Kim Jong-un. (Ver “Libya as a Model for Disarmament?
North Korea May See It Very Differently” in NYT, 29/04/2018). Muammar Kadhafi foi deposto e morto em
2011, na sequência das revoltas da chamada “Primavera Árabe”. Na altura, as
potências ocidentais decidiram intervir na Líbia ao lado dos rebeldes. (Oficialmente,
apenas com o objectivo de criar uma zona de exclusão no espaço aéreo líbio, nos
termos de Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas de 17 de
Março de 2011). Face a esta experiência, a ilação mais óbvia para Kim
Jong-un é que o acordo feito por Kadhafi para abandonar o seu programa nuclear
é um modelo — só que um modelo para aquilo que nunca deverá aceitar. (Ver Arms Control Association, “Chronology of Libya's
Disarmament and Relations with the United States”). Na verdade, é improvável que a intervenção
militar ocidental tivesse ocorrido na Líbia se esta tivesse chegado ao patamar
nuclear da Coreia do Norte, dado o enorme risco de o fazer num país com armas
nucleares.
5. Tudo isto leva a um aspecto crucial da questão. O caso da
Coreia do Norte não parece ser comparável a nenhum dos casos anteriores de
abandono de programas de armamento nuclear. É verdade que vários países,
de forma voluntária ou por pressão internacional, renunciaram aos seus programas
de armamento nuclear. (Ver “Nations that gave up on
nuclear bombs” in Newsweek, 27/08/2009). Todavia, nenhum estava num grau de
desenvolvimento de capacidades nucleares — e de mísseis balísticos — tão
avançado como aquele que a Coreia do Norte já terá atingido. (Ver Council on Foreign Relations “North Korea’s Military Capabilities”,
30/04/2018). Nem a Líbia quando abandonou o
seu programa em 2003, num acordo com os EUA e Reino Unido, nem o Irão
quando fez o acordo com os países do P5+1 e União Europeia em 2015. Assim,
a comparação mais próxima parece ser outra: a dos casos do Paquistão,
Índia e Israel. Todos estes Estados têm, tudo indica, capacidades
nucleares militares efectivas, embora não enquadradas pelo Direito
Internacional em vigor, estando afastados do Tratado de Não Proliferação de
Armas Nucleares de 1970. (Ver UNODA, “Treaty on the
Non-Proliferation of Nuclear Weapons”). Assim, enquanto os EUA e Ocidente olham para a
Líbia como modelo para um possível acordo de desnuclearização, a Coreia do
Norte olha para a Índia, Paquistão e Israel, como modelos para reconhecimento
do seu estatuto nuclear, se não de jure, pelo menos de facto.
6. Na Coreia do Norte, o regime de Kim Jong-un construiu a sua
legitimidade junto da população com o argumento da defesa do país contra
poderosos inimigos externos, especialmente os EUA. Tal como no Paquistão
(e também no Irão), as suas capacidades nucleares militares têm sido
apresentadas como um extraordinário feito nacional, o qual justificou imensos
sacrifícios ao longo de muitos anos. Se abdicar do programa nuclear militar o
regime está a destruir a sua legitimidade interna. Está também a tornar-se
vulnerável a um derrube por uma sublevação da população apoiada do exterior,
como aconteceu na Líbia em 2011. Nada indica que uma total
desnuclearização possa ser conseguida, mesmo em troca de uma ajuda económica
generosa e até de garantias de não intervenção política e militar dos EUA. Implicaria
um elevadíssimo grau de confiança entre as partes que não existe, nem é
provável que possa ser criado. Por outro lado, o interesse da China —
outro actor crucial nesta questão —, não pode ser ignorado. Como
potência mundial em ascensão está empenhada na sua própria versão da doutrina
Monroe. (A proclamação feita em 1823 pelo Presidente dos EUA, James
Monroe que qualificava qualquer intervenção das potências europeias nas
Américas como um acto de interferência hostil). A China só aceitará um
Estado-tampão nas suas fronteiras (situação actual), ou uma Coreia
desnuclearizada sem interferência política e/ou militar dos EUA às suas portas.
Os objectivos chineses são similares aos dos EUA em ascensão no século XIX,
quando procuravam afastar os europeus das Américas. Claro que, a ocorrer assim,
representará uma perda de poder e de influência para os norte-americanos na
Ásia-Pacífico.
7. A cimeira que se deverá realizar, ainda neste mês de Maio,
entre Donald Trump e Kim Jong-un tem gerado imensas expectativas. Provavelmente,
são largamente exageradas e fundamentalmente irrealistas para uma questão tão
complexa como esta. Num cenário já bastante optimista, algo parecido com o
acordo que o P5+1 e União Europeia fizeram com o Irão em 2015, será, talvez, o
máximo que se poderá esperar. Mas a negociação é ainda mais difícil
pois, como já notado, o grau de avanço nuclear da Coreia do Norte coloca-a mais
próxima do Paquistão, Índia ou Israel. Com todas as incertezas lançadas
sobre o futuro do acordo nuclear com o Irão, nem sequer é fácil ter optimismo
numa solução negocial desse tipo na Coreia. Para além das imensas dificuldades
políticas e técnicas que não podem ser subestimadas, qualquer acordo durável
implica um significativo grau de confiança entre as partes, quer para chegar a
um entendimento, quer para cumprir o acordado. No actual contexto, está
instalado um clima de máxima desconfiança entre os EUA e o Irão. É quase
inevitável projectar-se sobre o programa nuclear da Coreia do Norte que tem já
um longo historial de acordos falhados e trocas de acusações de incumprimento.
Se desta vez não for assim será algo de extraordinariamente novo na política
internacional. Tornará o populista Donald Trump e o ditador Kim Jong-un, nos
dois mais estranhos e improváveis candidatos ao prémio Nobel da Paz, desde que
foi instituído em 1901.
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