terça-feira, 8 de maio de 2018

“Vazio tens o teu coração na ponta do medo”



Um fado de amor da extraordinária Ana Moura, servindo para desligar da preocupação de uma guerra, que os jogos, não florais mas de cintura, no seu cinismo, arrogância e desprezo pelo universo inteiro vão deixando antever. Três textos de gente que sabe e que alerta - sobre o pesadelo da Eta que findou até ver, sobre as manobras de Trump na condução dos destinos das nações, que a insensatez ambiciosa de algumas delas poderá reduzir ao caos.
Um texto de Manuel Loff sobre o fim da Eta, um de Teresa de Sousa sobre os jogos de Trump, um de Manuel Louro sobre os avisos do ministro israelita acerca do poderio nuclear iraniano. Sim, vivemos na ponta do medo, por tudo o que foi nosso e não sabemos se o será para sempre, como julgávamos, que a própria Terra vai dando mostras da sua decomposição, de que somos criminosamente responsáveis. Mas a bruxa dos búzios só assiste aos amores, e não há quem nos vire a sorte, se não fizermos nós por isso.
Entretanto, esqueçamos momentaneamente os medos, ouvindo a e vendo as imagens desta figura graciosa de mulher nos seus vários espectáculos com que a Internet nos favorece, e à qual somos gratos por isso.
À espreita está um grande amor, mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração na ponta do medo
Vê como os búzios caíram virados p'ra norte
Pois eu vou mexer o destino, vou mudar-te a sorte (bis) (“OS BÚZIOS” – ANA MOURA)

I - OPINIÃO
ETA, o fim
O terror da ETA foi, em todo o caso, o pretexto ideal para o terror do Estado.
MANUEL LOFF
OBSERVADOR, 5 de Maio de 2018
Sete anos depois da sua declaração unilateral de "fim definitivo da violência armada", a ETA dissolveu-se. Nascida em 1959 entre os filhos da Guerra Civil espanhola (1936-39), em meios católicos nacionalistas, os seus fundadores fizeram a trajetória comum a muitos católicos progressistas e a grande parte da esquerda de origem não marxista dos anos 60: entre o Vaticano II e o anticolonialismo triunfante, revoltaram-se contra a cumplicidade da hierarquia católica com o Franquismo e levantaram a bandeira do direito à autodeterminação; a repressão ajudou a que assumissem a opção armada, de inspiração guevarista e/ou maoísta, rompendo com o nacionalismo basco histórico e rejeitando juntar-se ao PCE e às Comisiones Obreras que então mobilizavam o pulmão industrial do País Basco. Quando a ETA mata, em 1968, o torturador Melitón Manzanas e, em 1973, o chefe do governo de Franco, Carrero Blanco, toda a oposição democrática espanhola se sentiu vingada. Mas quando a crise do regime franquista abriu portas à transição pós-autoritária, que restaurou a autonomia do País Basco espanhol e de Navarra, tudo mudou. Ou deveria ter mudado.
As duas fações em que se dividiu em 1974 (ETA Militar e ETA Político-Militar) rejeitaram a amnistia de 1977 e prosseguiram a luta armada: das 829 vítimas mortais da ETA, 37% correspondem aos anos da transição e apenas 9% ao período franquista. A ETA(pm) acabaria por abandonar as armas nos anos 80 e a maioria dos seus membros entrou no PSOE. Pelo seu lado, a ETA(m) continuou a matar enquanto a Espanha vivia sob a ameaça golpista de militares e polícias que não foram democratizadas e cujos crimes nunca foram julgados, e onde os governos (da UCD e do PSOE) não hesitaram em usar a guerra suja contra uma parte da esquerda basca através de organizações como o Batallón Vascoespañol ou os GAL, matando 67 pessoas.
Se alguém esperava que a chegada dos socialistas ao poder pudesse contribuir para a paz no País Basco – o PSOE havia chegado à transição com um projeto federal para a Espanha a que renunciaram –, a realidade foi a oposta. Os governos de Felipe González (1982-96) lançaram-se abertamente na guerra suja, recrutando, entre outros, mercenários em Portugal, com a evidente cumplicidade das nossas autoridades, para disparar contra exilados bascos em França (homenagem a Celestino Amaral e a Joaquim Vieira pela investigação que então levaram a cabo no Expresso). Pelo seu lado, a ETA(m) entrou na mais alucinada campanha de terror, matando civis no Hipercor de Barcelona (1987) ou reclamando aquilo a que chamou a "socialização do sofrimento": quanto mais difícil se lhe tornava atentar contra polícias e militares, mais passou a atacar dirigentes políticos e simples vereadores municipais. O terror da ETA foi, em todo o caso, o pretexto ideal para o terror do Estado: guerra suja, tortura nas prisões, criminalização/ilegalização de partidos políticos, associações, escolas, órgãos de imprensa...
O 11 de Setembro e os massacres salafistas de 11 de março de 2004 em Madrid (que Aznar, a três dias de eleições, procurou desesperadamente atribuir à ETA) vieram mudar de forma muito evidente a perceção social da (i)legitimidade da violência política e marcaram definitivamente a cisão entre o mundo social da esquerda abertzale onde a ETA tinha nascido e a opção desta pela violência. Em 2011, a ETA declara o fim da luta armada e inicia um estranho processo de paz (desarmamento unilateral em 2017, pedido de perdão no mês passado, e agora autodissolução), verificado por grupos internacionais (de que fazem parte, entre outros, Chris Maccabe, um dos negociadores britânicos do acordo de paz para a Irlanda do Norte); os governos espanhol e francês recusam-se, contudo, negociar termos semelhantes aos que aceitaram britânicos e colombianos, por exemplo.
Num contexto agudizado pelo movimento independentista catalão, poder político (governo do PP, Ciudadanos, PSOE), maioria dos media e organizações de representação das vítimas criadas à sombra do PP escolheram uma velha via que os espanhóis tragicamente conheceram sob os anos do Franquismo: vitória e vingança. Para Ramón Zallo (um académico que foi assessor do Governo basco), "os aparelhos do Estado espanhol", face à dissolução da ETA, têm asumido atitudes "provocadoras, indignas e estúpidas, [como se quisessem] o surgimento [de sequelas da ETA]". Para ele, "a pergunta a que cada um deverá responder sobre o passado é se esteve à altura das circunstâncias face ao franquismo e à Transição, face à ETA e aos seus desmandos, face ao terrorismo de Estado, e face a um Estado involucionista, centralista, antissocial e repressivo". (Deia, 3.5.2018)

UM COMENTÁRIO
  Almada 06.05.2018 : "O terror da ETA foi, em todo o caso, o pretexto ideal para o terror do Estado." Quer isto dizer que o "Estado Espanhol" recorreu a atentados contra os militantes da ETA? Pôs bombas em sedes do movimento? Assassinou quantos? Quantas sedes explodiram matando militantes? E o que significa "desarmamento unilateral"? Caso contrário exigiria que os estados espanhóis se desarmassem ao mesmo tempo que a própria ETA?...
II - OPINIÃO
Trump abre uma janela e fecha uma porta
Rasgar o acordo com o Irão sem a garantia de novas negociações para um segundo, é alimentar a corrida às armas nucleares no Médio Oriente.
TERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 6 de Maio de 2018
1. Na Península da Coreia fechou-se um capítulo e abriu-se outro, que ainda não tem título, mas que se espera um pouco melhor do que o anterior. Falta a cimeira crucial entre Kim e Trump, agendada para breve. Entretanto, cada um dos actores principais afina a sua estratégia. Abriu-se uma janela. Mas há outra razão pela qual o mundo não pode descansar. Adensa-se a tensão em torno do acordo nuclear com o Irão, negociado em 2015 por Barack Obama no formato “cinco mais um” (os membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha).
Trump não tranquilizou Macron e Merkel, quando o visitaram há meia dúzia de dias. A convicção europeia é que o Presidente não resistirá à tentação de rasgá-lo. Mas, em Paris, Berlim e Londres ainda se tenta encontrar uma forma de dar algumas garantias adicionais ao Presidente. Em cima da mesa parece estar uma proposta de aplicação de sanções caso o regime insista na construção de mísseis de longo alcance. Chegará para levar Trump a mudar de posição? A esperança não é grande.
Mas, se há uma coisa em comum entre a Coreia do Norte e o Irão, é a importância que os dois regimes atribuem a uma negociação directa com os EUA, dando-lhes o estatuto internacional a que aspiram e a única garantia de segurança em que acreditam.
Os caminhos foram opostos. A Coreia do Norte apenas abriu a hipótese de negociações depois de ter construído a bomba nuclear e os mísseis de longo alcance para projectá-la até território americano. O Irão seguiu o caminho inverso. Há, além disso, uma outra diferença fundamental. A Coreia do Norte é, ela própria, uma grande prisão, isolada do mundo, cuja chave está no bolso de Kim. O regime teocrático mantém milhares de opositores na prisão, mas reina sobre uma sociedade mais desenvolvida e mais culta, que representa uma civilização milenar.
2. No Irão, como na Coreia do Norte, as sanções económicas funcionaram. O regime sabe que tem de manter uma classe média economicamente satisfeita. E não esquece o que aconteceu em 2009, quando milhares e milhares de iranianos vieram para a rua contestar o resultado das eleições presidenciais, que o regime tinha falseado. Acabou por ser esmagada. Mas foi um aviso.
Obama adiou quanto pôde apoiar os manifestantes. Acabou por fazê-lo, sem comprometer o que tinha prometido no seu discurso de posse: estender a mão aos inimigos. A sua estratégia assentava nos sectores mais moderados do regime, que recuperaram terreno e facilitaram as negociações na sua fase secreta, destinada a construir uma base de confiança indispensável para poderem apresentar-se à luz do dia.
A estratégia de George W. Bush era a oposta: quanto mais radical fosse o regime, melhor. Estávamos ainda na fase de “mudança de regime” no Médio Oriente, mesmo que pela força, para “democratizar” a região. Aparentemente, Trump regressa à mesma estratégia, sem a parte da democracia.
A possibilidade de incendiar o Médio Oriente existe. António Guterres, numa entrevista à BBC, referiu abertamente o risco de guerra, mesmo reconhecendo as interferências de Teerão na Síria, no Iémen, no Iraque, denunciadas por Trump. Refere o Guardian que o colapso do acordo “seria visto pelos iranianos como uma traição”. Em 2013, continua o jornalista Saeed Kamali Dehghan, que foi correspondente em Teerão, os iranianos “acabaram com a era de Ahmadinejad, o negacionista do Holocauto, colocando a sua confiança no candidato reformista Hassan Rohani, que cumpriu a promessa de resolver a questão nuclear.” No mesmo jornal, Patrick Wintour, editor diplomático, escreve que “a possibilidade de um conflito militar com o Irão ainda não é muito alta”. Mas lembra que o colapso do acordo teria como consequência a “destruição dos moderados e reformistas por muitos e bons anos.”
3.entrada em cena do primeiro-ministro israelita, na quarta-feira passada, foi de mau augúrio, mesmo que não tenha tido o impacto que provavelmente pretendia. Netanyahu apresentou um power-point com as provas de que o Irão está a construir a bomba, numa conferência de imprensa depois de Mike Pompeo, o novo secretário de Estado americano, ter deixado Israel. O primeiro-ministro israelita não tem qualquer estratégia, a não ser perpetuar-se no poder e a sua credibilidade está pelas ruas da amargura. “Há 20 anos que Israel anda a dizer a mesma coisa sobre o Irão”, comenta uma fonte diplomática europeia. À excepção da Casa Branca.
Trump decidiu demonstrar o seu apoio a Israel, anunciando a mudança da embaixada de Telavive para Jerusalém e já deu a entender que poderia ser ele a inaugurá-la. É deitar lume para a fogueira. A convicção generalizada é que o Irão tem cumprido o acordo, a troco do progressivo levantamento das sanções que estavam a destruir a economia. O comércio com a Europa disparou, incluindo a exportação de energia. As empresas europeias têm investido fortemente no país. Os europeus tencionam usar esse argumento para manter Teerão no acordo, mesmo com a saída americana. Mas há um risco. Se o Presidente americano aplicar de novo as sanções, isso impedirá as empresas europeias com negócios no Irão de exportar para os EUA.
4. Rasgar o acordo sem a garantia de novas negociações para um segundo, é alimentar a corrida às armas nucleares na região. A Arábia Saudita, que Trump escolheu como o seu parceiro, iria rapidamente ao “mercado”. A Turquia poderia cair na tentação. O cenário é bastante assustador. A corrida às armas nucleares está a ficar descontrolada, escreve a Economist. A dispersão é, potencialmente, mais perigosa do que o “equilíbrio do terror”, garantido durante a Guerra Fria pela paridade entre as duas superpotências (MAD, Destruição Mútua Assegurada).
A redução paralela dos arsenais nucleares entre Washington e Moscovo começou a ser negociada alguns anos depois da crise dos mísseis de Cuba (1962), acelerando com o fim da Guerra Fria. Hoje, esses acordos estão em risco. Putin ignora a lei internacional. Trump promete modernizar o arsenal nuclear americano com a tecnologia mais avançada. “Os velhos acordos para limitar as armas nucleares estão enfraquecidos”, escreve a Economist. Renegociá-los é mais difícil. Sair do acordo com o Irão, acrescenta a revista, na véspera de uma cimeira entre Trump e Kim, seria o pior dos sinais.
5. Na semana passada, uma delegação americana do mais alto nível foi a Pequim negociar com o Governo chinês uma forma de tentar evitar uma “guerra” comercial com repercussões económicas mundiais. Os EUA querem reequilibrar a sua balança com a China. Xi Jinping reagiu com prudência às ameaças de Trump, mas não pode ceder em todas as frentes: na Coreia e no comércio. As negociações foram “francas” mas não houve cedências. Os EUA prometem tarifas de 150 mil milhões de dólares. A China apresenta uma lista que vale 50 mil milhões. O braço de ferro vai prolongar-se.
Entretanto, a Casa Branca prolongou por mais um mês a suspensão das tarifas sobre o aço e o alumínio da União Europeia e dos seus dois parceiros da NAFTA, México e Canadá. Mantém a pressão sobre a Europa. Os sinais de algum abrandamento da economia europeia devem-se à incerteza sobre a conduta dos EUA, temendo-se uma vaga de proteccionismo com consequências muito negativas.
Do outro lado do Atlântico, as críticas ainda são mais contundentes. Alguns economistas alertam para o facto de Trump estar pôr de pé as mesmas políticas que se seguiram ao crash da Bolsa de 1929 e que levaram à Grande Depressão, que só seria contida a partir de 1933, com a eleição de Franklin Roosevelt. São argumentos válidos, mas que esbarram com as boas notícias da economia. O desemprego caiu nos EUA para 3,9%, ou seja, há pleno emprego. Quem é que se vai preocupar com o dia de amanhã?

III - Netanyahu mostra documentos que diz provarem que Irão tem programa nuclear secreto
Primeiro-ministro israelita disse ter tido acesso a milhares de documentos que provam que Teerão deu continuidade ao programa de construção de armas atómicas. Apresentou alguns.
30 de Abril de 2018
Netanyahu socorreu-se de uma apresentação para revelar parte das provas REUTERS/AMIR COHEN
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, disse nesta segunda-feira ter “provas” de que o Irão manteve ao longo dos últimos anos um projecto de desenvolvimento de armas nucleares secreto “para uso futuro”. Garantiu que Israel está na posse de centenas de milhares de documentos, fotografias e vídeos que demonstram que Teerão mentiu quando disse que não tinha ambições nucleares e que violou o acordo que assinou em 2015.
Apoiando-se numa apresentação powerpoint, o primeiro-ministro israelita disse que o Irão intensificou esforços para esconder os documentos sobre este programa em locais altamente secretos em Teerão. Netanyahu afirmou que os serviços secretos israelitas conseguiram ter acesso aos documentos ali guardados.

 “Os líderes iranianos negaram repetidamente alguma vez terem procurado construir armas nucleares”, afirmou. “Hoje estou a dizer-vos uma coisa: o Irão mentiu”.
“Depois de assinar o acordo nuclear em 2015, o Irão intensificou os seus esforços para esconder estes documentos secretos”, acusou. “Em 2017, o Irão levou os seus documentos sobre armas nucleares para um local altamente secreto em Teerão”.
O chefe do Governo israelita assegurou que já partilhou a documentação com os Estados Unidos, que confirmaram a sua autenticidade, e que o irá fazer também com a Agência Internacional de Energia Atómica.
Na apresentação, o primeiro-ministro mostrou documentos, fotografias e vídeos que diz provarem que Teerão nunca parou de desenvolver o seu programa nuclear, e que tinha como objectivo criar cinco ogivas nucleares “para uso futuro”.

“E isto é apenas uma fracção de todo o material”, afirmou Netanyahu. “Porque é que um regime terrorista esconderia documentos sobre o programa nuclear?”.
Por isso, concluíu Netanyahu, o acordo nuclear assinado com o Irão em 2015 é “terrível” e “baseado em mentiras”. Mas, continuou, "dentro de dias o Presidente Trump vai decidir o que fazer com o acordo. Tenho a certeza que vai fazer o que é correcto”.
O acordo prevê uma suspensão das sanções ao Irão que, nos EUA, tem que ser renovada de três em três meses. No dia 12 de Maio, Trump vai decidir se renova a suspensão, sendo que tem defendido que se não forem feitas alterações ao texto de 2015, o abandona. Os signatários europeus (França, Alemanha e Reino Unido) tentaram convencer Trump a não o fazer, mas sem sucesso. 
De acordo com a imprensa israelita, a conferência de Netanyahu foi coordenada com Washington. Netanyahu terá conversado ao telefone no domingo com Donald Trump e o tema foi abordado na visita do novo secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, a Telavive também no domingo. Pompeo deslocou-se à Arábia Saudita, Israel e Jordânia com a mensagem de que é necessário alterar o acordo nuclear com o Irão.
Nesta segunda-feira, o líder da organização de energia atómica iraniana, Ali Akbar Salehi, avisou, citado pela televisão estatal iraniana, que o Irão tem a capacidade técnica para enriquecer urânio a níveis superiores do que antes da assinatura do acordo nuclear em 2015.


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