A Paula chegou à nossa esplanada domingueira já quando estávamos para
partir, damas repoltreadas numa 3ª idade sorridente de memórias de amizade e
pontos de vista raramente divergentes, mas de pontualidade horária nos deveres
domésticos, reflexo de disciplina antiga, nos trabalhos profissionais. Foi
acolhida com natural regozijo, a Paula, por parecer mais refeita da sombria
depressão que a vida docente prodigaliza, hoje mais do que nunca, e a vida em
geral também, mas cujo acompanhamento médico lhe foi, ao que parece, pouco a
pouco restituindo o apetite de viver.
Isso explica a surpresa da sua ida à manifestação
docente, ontem, 19, ao que contou, para mais, medalhada com um papel com o
indicativo garrafal de 9,5, significativo dos anos de paragem salarial
na sua carreira, e conduzindo um enorme cartaz com os dizeres: À LA
RECHERCHE DU TEMPS PERDU, o qual lhe valeu inúmeros flashes e
entrevistas de turistas, que lhe perguntaram se era francesa, e lhe pediram
compenetradamente explicações sobre o significado dos 9,5 da
lapela. Contas feitas, o saldo da obediência sindical mostrou-se positivo, para
ela, pelo menos, que se fartou de falar francês, coisa que hoje constitui
agulha em palheiro, na nossa actual limitação francófona, em termos escolares e
sociais.
Achámos também muita graça ao desplante da Paula na
sua bem propositada paráfrase do livro de Marcel Proust, como devem ter achado
os turistas integrados no cortejo, que a interpelaram e com quem falou,
admirando-se da qualidade pontual das perguntas com votos de êxito nas suas
reivindicações.
E veio à baila, novamente, o cortejo real de ontem,
com uma das repórteres, segundo vi - o que logo me fez mudar de canal –
dirigindo-se a um noivo, que escolhera o mesmo dia de Harry e Megham para se
casar, e lhe perguntou , creio que em inglês, se gostaria de estar na pele do
príncipe, pergunta fútil, estulta, descabida, indelicada, atrevida e mesmo
obscena, nas suas múltiplas interpretações de que a malandrice não esteve
ausente. Afinal um jornalista tira um curso superior, convém elevar o nível das
perguntas, embora já devêssemos estar habituados, pois, apesar das reclamações
dos cronistas atentos, não saímos, nas nossas reportagens de entusiasmo ou dor,
do “como se sente” e pouco mais, do interrogatório impressionista melodramático
e fofoqueiro, bem diverso das perguntas que foram dirigidas à Paula, objectivas
e precisas, e desejando-lhe simpaticamente êxito.
Mas logo a minha irmã, purista empedernida, nos
tirou a esperança de mudança, referindo os “interviram” e os “reteram”
televisivos (e tantos mais) – que eu também ouvi – da boca da gente grada que
nos governa, e concluímos tristemente que a maioria dos reclamantes dos seus
aumentos, não merecerá, certamente, “retrouver le temps perdu”.
Trabalho, sim, deve ser bem pago – sobretudo com dinheiro do nosso esforço
próprio. Mas temos a obrigação de estudar também, para progredir
conscienciosamente seja em que carreira for.
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