domingo, 20 de maio de 2018

Manifs.


A Paula chegou à nossa esplanada domingueira já quando estávamos para partir, damas repoltreadas numa 3ª idade sorridente de memórias de amizade e pontos de vista raramente divergentes, mas de pontualidade horária nos deveres domésticos, reflexo de disciplina antiga, nos trabalhos profissionais. Foi acolhida com natural regozijo, a Paula, por parecer mais refeita da sombria depressão que a vida docente prodigaliza, hoje mais do que nunca, e a vida em geral também, mas cujo acompanhamento médico lhe foi, ao que parece, pouco a pouco restituindo o apetite de viver.

Isso explica a surpresa da sua ida à manifestação docente, ontem, 19, ao que contou, para mais, medalhada com um papel com o indicativo garrafal de 9,5, significativo dos anos de paragem salarial na sua carreira, e conduzindo um enorme cartaz com os dizeres: À LA RECHERCHE DU TEMPS PERDU, o qual lhe valeu inúmeros flashes e entrevistas de turistas, que lhe perguntaram se era francesa, e lhe pediram compenetradamente explicações sobre o significado dos 9,5 da lapela. Contas feitas, o saldo da obediência sindical mostrou-se positivo, para ela, pelo menos, que se fartou de falar francês, coisa que hoje constitui agulha em palheiro, na nossa actual limitação francófona, em termos escolares e sociais.
Achámos também muita graça ao desplante da Paula na sua bem propositada paráfrase do livro de Marcel Proust, como devem ter achado os turistas integrados no cortejo, que a interpelaram e com quem falou, admirando-se da qualidade pontual das perguntas com votos de êxito nas suas reivindicações.
E veio à baila, novamente, o cortejo real de ontem, com uma das repórteres, segundo vi - o que logo me fez mudar de canal – dirigindo-se a um noivo, que escolhera o mesmo dia de Harry e Megham para se casar, e lhe perguntou , creio que em inglês, se gostaria de estar na pele do príncipe, pergunta fútil, estulta, descabida, indelicada, atrevida e mesmo obscena, nas suas múltiplas interpretações de que a malandrice não esteve ausente. Afinal um jornalista tira um curso superior, convém elevar o nível das perguntas, embora já devêssemos estar habituados, pois, apesar das reclamações dos cronistas atentos, não saímos, nas nossas reportagens de entusiasmo ou dor, do “como se sente” e pouco mais, do interrogatório impressionista melodramático e fofoqueiro, bem diverso das perguntas que foram dirigidas à Paula, objectivas e precisas, e desejando-lhe simpaticamente êxito.
Mas logo a minha irmã, purista empedernida, nos tirou a esperança de mudança, referindo os “interviram” e os “reteram” televisivos (e tantos mais) – que eu também ouvi – da boca da gente grada que nos governa, e concluímos tristemente que a maioria dos reclamantes dos seus aumentos, não merecerá, certamente, “retrouver le temps perdu”. Trabalho, sim, deve ser bem pago – sobretudo com dinheiro do nosso esforço próprio. Mas temos a obrigação de estudar também, para progredir conscienciosamente seja em que carreira for.


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