quarta-feira, 30 de maio de 2018

E admirei a manifestação contra, em frente ao Parlamento.



Não pude – nem quis – assistir ao debate, encordoada na repugnância por uma tal falta de dignidade, que só um grande atraso espiritual e moral pôde possibilitar. Sempre nos meus contactos docentes, verifiquei que os alunos mais mal-comportados eram os que tinham lido um ou dois livros na sua vida, de êxito suficiente para se julgarem acima da maralha que os rodeava, incluindo o professor que do lado fronteiro tentava justificar as funções para que fora destinado, certamente que por mérito próprio. “Ignorância atrevida” era a minha designação, em chamadas de atenção que nunca receei fazer, nem mesmo já após o libertário 25 de Abril, criador de situações perfeitamente anedóticas, tal a sua irracionalidade, num país de repente destituído de valores, e gradualmente mais propenso a comportamentos de irrisória vacuidade, se não criminalidade. No caso presente, o pretender despenalizar um crime, ou cobardemente imputar ao médico o seu cometimento, não passa de aberração proveniente de figuras DDT, de uma arrogância inqualificável na decisão de despenalização que propõem. Só porque ouviram dizer que houve quem o tivesse feito lá fora. Mas gente de bem não o faz. Os médicos convidados a matar devem ganhar bom dinheiro, é certo, e fá-lo-ão, talvez, por isso, na mesma linha de corrupção dos que o ganham ilicitamente, como “serventuários do capital”, que tantos são neste país da cauda. Não, não assisti ao debate e bati palmas  de felicidade, quando o meu marido me disse o resultado da votação, que a medo inquiri. Entretanto, à noite, ouvi um debate sobre o assunto e admirei o calor e sensatez da deputada do CDS, de quem fui procurar a biografia. Isabel Galriça Neto, uma Mulher, uma argumentadora honesta, não deslumbrada como outros dois entrevistados, parece que igualmente médicos, de estrutura sanguínea, que debitaram os seus argumentos da falsa caridade em moda. Ressalvo ainda um jovem também racional e sério, dos não deslumbrados pela ideia de modernidade, como os tais parceiros que, se estivessem num país a sério, nem se atreveriam a erguer a voz apalhaçada, que se sobrepunha e mal deixava ouvir, coisa muito dos nossos hábitos de saliência pessoal, ou de obstáculo à saliência alheia.
Eis o que captei sobre Isabel Galriça:
«Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto ComM (10 de Julho de 1961) é uma médica e política portuguesa. É Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Mestre em Cuidados Paliativos pela mesma Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.  Foi Fundadora e Coordenadora da Equipa de Cuidados Continuados do Centro de Saúde de Odivelas (1997-2006) e Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e é Directora da Unidade de Cuidados Paliativos e Continuados do Hospital da Luz e Membro da sua Direcção Clínica e Ex-Presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.
A 8 de Março de 2004 foi feita Comendadora da Ordem do Mérito.
Publicou as seguintes obras: [1]
A Dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência (co-autora)[1]
Manual de Cuidados Paliativos (editora e co-autora)[1]
Cuidados Paliativos - Testemunhos[1]
Foi Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.[1]
Foi eleita Deputada pelo Centro Democrático Social - Partido Popular, sempre pelo Círculo Eleitoral do Porto, na XI Legislatura, de 15 de Outubro de 2009 a 19 de Junho de 2011, na XII Legislatura, de 20 de Junho de 2011 a 22 de Outubro de 2015 e na XIII Legislatura, desde 23 de Outubro de 2015. Faz parte das Comissões Parlamentares de Educação e Ciência como Suplente e de Saúde como Coordenadora do Grupo Parlamentar, e dos Grupos de Trabalho para o Acompanhamento da Problemática do VIH/Sida e Hepatites, para o Acompanhamento das Doenças Oncológicas como Coordenadora, para a Qualidade e Segurança dos Tecidos e Células (PPL N.º 32/XIII/2.ª), para o Registo Oncológico Nacional (PPL N.º 33/XIII/2.ª), para Atos de Profissionais da Área da Saúde (PPL N.º 34/XIII/2.ª), de Avaliação das PPP-Parcerias Público Privadas da Saúde como Coordenadora, da Petição N.º 250/XIII/2.ª - Toda a vida tem dignidade e de Saúde Pública sobre a PPL 49/XIII/2.ª.»

Quanto a Rui Rio, que deu liberdade de voto aos do seu partido, não, não vou gastar palavras. É desprezo, o que sinto. Certamente que Passos Coelho agiria de forma diferente. E Santana Lopes, afinal, também, da velha guarda, e que eu escutei a seguir, no canal 5 da SIC. Mas leiamos JMT, e o desassombro dos seus considerandos válidos e decentes:
OPINIÃO      Eutanásia: somos péssimos a debater coisas sérias
Esta exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções pessoais de cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo de cultura liberal.
JOÃO MIGUEL TAVARES                                PÚBLICO, 29 de Maio de 2018
Poucos assuntos são mais importantes do que o aborto ou a eutanásia, e o maior erro que muitas pessoas cometem quando se começa a discutir estes temas é achar que as suas convicções individuais devem estar reflectidas na legislação nacional. Ou seja, se eu sou pessoalmente contra o aborto, é óbvio que a pátria deve proibir o aborto; se eu sou contra a eutanásia, então a pátria só pode proibir a eutanásia. E vice-versa: se eu sou a favor do “sim” ao aborto, então o Estado deve passar a pagar abortos a todas as mulheres que o pedirem, sem exigências nem limites; se eu sou a favor do “sim” à eutanásia, o SNS deve assumir o encargo de facilitar a morte a quem a requisita. Entre uma trincheira e outra é a terra de ninguém.
Esta exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções pessoais de cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo de cultura liberal. Meus senhores: não tem de ser assim. Eu sou pessoalmente contra o aborto e contra a eutanásia, mas se para a maioria dos portugueses ambas as práticas forem aceitáveis, não vejo como pode o Estado punir criminalmente acções em que quem as comete está a dispor somente da sua vida (o caso do aborto é mais complexo, mas considero que a discussão sobre o início da vida humana é cientificamente irresolúvel, e por isso entendo que aos direitos do feto se sobrepõe o direito da mulher dispor do seu próprio corpo). Em temas como estes, de uma enorme complexidade, onde há argumentos válidos de ambos os lados e nenhuma forma de atingir uma só verdade, aquilo que deve prevalecer, numa perspectiva liberal, é o respeito do Estado pelas vontades individuais.
O problema num país que vive há séculos na dependência física e mental do Estado-Papá, é que quase ninguém separa aquilo que pode ser feito daquilo que é obrigação do Estado fazer. E quando a despenalização criminal resvala para a intervenção estatal (nem é bem resvalar – ninguém sequer coloca a hipótese de separar uma coisa da outra), exigindo-se a intervenção do SNS, o assunto ganha logo uma complexidade extra, a meu ver totalmente desnecessária e contraproducente. Há para mim uma diferença radical entre saber se o Estado deve permitir a eutanásia e se o Estado deve praticar a eutanásia. Estou disponível para aceitar a primeira, porque quando olhamos para casos tão extremos quanto o do galego tetraplégico Ramón Sampedro (que deu origem ao filme Mar Adentro) seria uma barbaridade estar a prender a mulher que o ajudou a matar-se (aliás, mesmo sendo a eutanásia proibida em Espanha, ela não foi sequer julgada, por falta de provas). Mas estou contra a prática da eutanásia no SNS, porque considero não existir qualquer direito à morte, nem ser competência do Estado aliviar – ou sequer avaliar – o sofrimento interior dos seus cidadãos.
Numa entrevista ao Expresso, Paulo Teixeira Pinto, que sofre de doença de Parkinson, afirmou: “Extinguimos a pena de morte, mas mantemos uma pena de vida.” Pergunto: é dever do Estado aliviar “penas de vida”? Devem as suas funções ser extensíveis à aplicação da morte a pedido, financiada pelo Orçamento de Estado? A resposta a esta pergunta até pode ser “sim” – mas então eu quero ouvi-la em referendo. Ela não pode certamente ser dada por 230 deputados que não foram mandatados para o efeito, e que sobre as questões deste texto até agora disseram nada. Se nem a eutanásia merece ser amplamente debatida, vale a pena debater o quê, afinal?

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