Não pude – nem quis – assistir
ao debate, encordoada na repugnância por uma tal falta de dignidade, que só um
grande atraso espiritual e moral pôde possibilitar. Sempre nos meus contactos
docentes, verifiquei que os alunos mais mal-comportados eram os que tinham lido
um ou dois livros na sua vida, de êxito suficiente para se julgarem acima da
maralha que os rodeava, incluindo o professor que do lado fronteiro tentava justificar
as funções para que fora destinado, certamente que por mérito próprio. “Ignorância
atrevida” era a minha designação, em chamadas de atenção que nunca receei fazer,
nem mesmo já após o libertário 25 de Abril, criador de situações perfeitamente
anedóticas, tal a sua irracionalidade, num país de repente destituído de
valores, e gradualmente mais propenso a comportamentos de irrisória vacuidade,
se não criminalidade. No caso presente, o pretender despenalizar um crime, ou
cobardemente imputar ao médico o seu cometimento, não passa de aberração
proveniente de figuras DDT, de uma arrogância inqualificável na decisão de
despenalização que propõem. Só porque ouviram dizer que houve quem o tivesse
feito lá fora. Mas gente de bem não o faz. Os médicos convidados a matar devem
ganhar bom dinheiro, é certo, e fá-lo-ão, talvez, por isso, na mesma linha de
corrupção dos que o ganham ilicitamente, como “serventuários do capital”, que tantos são neste
país da cauda. Não, não assisti ao debate e bati palmas de felicidade, quando o meu marido me disse o
resultado da votação, que a medo inquiri. Entretanto, à noite, ouvi um debate
sobre o assunto e admirei o calor e sensatez da deputada do CDS, de quem fui
procurar a biografia. Isabel
Galriça Neto, uma
Mulher, uma argumentadora honesta, não deslumbrada como outros dois
entrevistados, parece que igualmente médicos, de estrutura sanguínea, que
debitaram os seus argumentos da falsa caridade em moda. Ressalvo ainda um jovem
também racional e sério, dos não deslumbrados pela ideia de modernidade, como
os tais parceiros que, se estivessem num país a sério, nem se atreveriam a
erguer a voz apalhaçada, que se sobrepunha e mal deixava ouvir, coisa muito dos
nossos hábitos de saliência pessoal, ou de obstáculo à saliência alheia.
Eis o que captei sobre
Isabel Galriça:
«Isabel Maria Mousinho de Almeida Galriça Neto ComM (10 de Julho de 1961) é uma médica e
política portuguesa. É Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e Mestre em
Cuidados Paliativos pela mesma Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Foi Fundadora e Coordenadora da
Equipa de Cuidados Continuados do Centro de Saúde de Odivelas (1997-2006) e
Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, e é
Directora da Unidade de Cuidados Paliativos e Continuados do Hospital da Luz e
Membro da sua Direcção Clínica e Ex-Presidente da Associação Portuguesa de
Cuidados Paliativos.
A 8 de Março de 2004 foi
feita Comendadora da Ordem do Mérito.
Publicou as seguintes
obras: [1]
A Dignidade e o sentido
da vida: reflexões sobre a nossa existência (co-autora)[1]
Manual de Cuidados
Paliativos (editora e co-autora)[1]
Cuidados Paliativos -
Testemunhos[1]
Foi Assistente Convidada
da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.[1]
Foi eleita Deputada pelo Centro Democrático Social -
Partido Popular, sempre pelo Círculo Eleitoral do Porto,
na XI Legislatura, de 15 de Outubro de 2009 a 19 de Junho de
2011, na XII Legislatura, de 20 de Junho de 2011 a 22 de Outubro de 2015 e na
XIII Legislatura, desde 23 de Outubro de 2015. Faz parte das Comissões Parlamentares de Educação e
Ciência como Suplente e de Saúde como Coordenadora do Grupo Parlamentar, e dos
Grupos de Trabalho para o Acompanhamento da Problemática do VIH/Sida e
Hepatites, para o Acompanhamento das Doenças Oncológicas como Coordenadora,
para a Qualidade e Segurança dos Tecidos e Células (PPL N.º 32/XIII/2.ª), para
o Registo Oncológico Nacional (PPL N.º 33/XIII/2.ª), para Atos de Profissionais
da Área da Saúde (PPL N.º 34/XIII/2.ª), de Avaliação das PPP-Parcerias Público
Privadas da Saúde como Coordenadora, da Petição N.º 250/XIII/2.ª - Toda a vida
tem dignidade e de Saúde Pública sobre a PPL 49/XIII/2.ª.»
Quanto a Rui Rio, que deu
liberdade de voto aos do seu partido, não, não vou gastar palavras. É desprezo,
o que sinto. Certamente que Passos Coelho agiria de forma diferente. E Santana
Lopes, afinal, também, da velha guarda, e que eu escutei a seguir, no canal 5 da
SIC. Mas leiamos JMT, e o desassombro dos seus considerandos válidos e
decentes:
OPINIÃO Eutanásia: somos péssimos a debater coisas sérias
Esta exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções
pessoais de cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo
de cultura liberal.
JOÃO MIGUEL TAVARES PÚBLICO,
29 de Maio de 2018
Poucos assuntos são mais
importantes do que o aborto ou a eutanásia, e o maior erro que muitas
pessoas cometem quando se começa a discutir estes temas é achar que as suas
convicções individuais devem estar reflectidas na legislação nacional. Ou
seja, se eu sou pessoalmente contra o aborto, é óbvio que a pátria deve proibir
o aborto; se eu sou contra a eutanásia, então a pátria só pode proibir a
eutanásia. E vice-versa: se eu sou a favor do “sim” ao aborto, então o Estado
deve passar a pagar abortos a todas as mulheres que o pedirem, sem exigências
nem limites; se eu sou a favor do “sim” à eutanásia, o SNS deve assumir o
encargo de facilitar a morte a quem a requisita. Entre uma trincheira e outra é
a terra de ninguém.
Esta exigência de regulamentar a vida pública a partir das convicções
pessoais de cada um é um tique totalitário só possível numa terra sem um pingo
de cultura liberal. Meus senhores: não tem de ser assim. Eu sou
pessoalmente contra o aborto e contra a eutanásia, mas se para a maioria dos
portugueses ambas as práticas forem aceitáveis, não vejo como pode o Estado
punir criminalmente acções em que quem as comete está a dispor somente da sua
vida (o caso do aborto é mais complexo, mas considero que a discussão sobre o
início da vida humana é cientificamente irresolúvel, e por isso entendo que aos
direitos do feto se sobrepõe o direito da mulher dispor do seu próprio corpo).
Em temas como estes, de uma enorme complexidade, onde há argumentos válidos de
ambos os lados e nenhuma forma de atingir uma só verdade, aquilo que deve prevalecer,
numa perspectiva liberal, é o respeito do Estado pelas vontades individuais.
O problema num país que
vive há séculos na dependência física e mental do Estado-Papá, é que quase
ninguém separa aquilo que pode ser feito daquilo que é obrigação do Estado
fazer. E quando a despenalização criminal resvala para a intervenção estatal
(nem é bem resvalar – ninguém sequer coloca a hipótese de separar uma coisa da
outra), exigindo-se a intervenção do SNS, o assunto ganha logo uma complexidade
extra, a meu ver totalmente desnecessária e contraproducente. Há para mim
uma diferença radical entre saber se o Estado deve permitir a eutanásia e se o
Estado deve praticar a eutanásia. Estou disponível para aceitar a primeira,
porque quando olhamos para casos tão extremos quanto o do galego tetraplégico
Ramón Sampedro (que deu origem ao filme Mar Adentro) seria uma
barbaridade estar a prender a mulher que o ajudou a matar-se (aliás, mesmo
sendo a eutanásia proibida em Espanha, ela não foi sequer julgada, por falta de
provas). Mas estou contra a prática da eutanásia no SNS, porque considero não
existir qualquer direito à morte, nem ser competência do Estado aliviar – ou
sequer avaliar – o sofrimento interior dos seus cidadãos.
Numa entrevista ao Expresso, Paulo Teixeira Pinto, que sofre de doença de
Parkinson, afirmou: “Extinguimos a pena de morte, mas mantemos uma pena de
vida.” Pergunto: é dever do Estado aliviar “penas de vida”? Devem as suas
funções ser extensíveis à aplicação da morte a pedido, financiada pelo Orçamento
de Estado? A resposta a esta pergunta até pode ser “sim” – mas então eu quero
ouvi-la em referendo. Ela não pode certamente ser dada por 230 deputados que
não foram mandatados para o efeito, e que sobre as questões deste texto até
agora disseram nada. Se
nem a eutanásia merece ser amplamente debatida, vale a pena debater o quê,
afinal?
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