O caso ainda vai dar muito que
falar. Mas o texto é especial, provam-no alguns comentadores, sensíveis à
superioridade de um humor sem fronteiras, como é o de ALBERTO GONÇALVES,
bálsamo momentaneamente apaziguador no sobressalto imparável de tantos “casos”
com fronteiras.
O Grupo de Lesados do
“eng.” Sócrates /premium
ALBERTO GONÇALVES
OBSERVADOR, 12/5/17
O argumento central do Grupo
de Lesados do “eng.” Sócrates passava por invocar, com voz firme, a presunção
de inocência devida ao “animal feroz”. Agora exigem que se presuma a inocência
deles próprios
Nos últimos dias, os
socialistas oficiais e os socialistas oficiosos que enchem os “media” e os partidos
adjacentes ao PS descobriram o que o cidadão médio sabe desde o início dos
tempos: José Sócrates não é um modelo de honestidade. Assim à primeira vista, é
uma redundância tão grande quanto descobrir o Brasil em 1900 (ou descobrir em
2075 que o brasileiro Lula possui inclinações criminosas). E é uma
coincidência espantosa que toda essa gente o fizesse em simultâneo, sobretudo
tendo em conta que, além da divulgação televisiva dos interrogatórios, não
houve nenhum facto jurídico que de súbito transformasse a vítima de conspirações
malignas num exemplo de delinquência a expelir da sociedade. Sucedeu apenas
que, uma bela manhã (ou duas), essa gente acordou com uma luz intensa, teve uma
epifania e concluiu que o “eng.” Sócrates está mesmo metido em trafulhices sem
fim.
Essa gente é dada a
coincidências e misticismos. Durante anos, as exactas personalidades que
querem exilar o “eng.” Sócrates em Timbuktu ou na cadeia também afirmaram em
uníssono a sua indignação pelo martírio do ex-governante. À época, leia-se
até há duas semanas, o “eng.” Sócrates era o maior estadista português
depois de Viriato, um portento cuja competência e cuja “dinâmica” (?)
inspiravam o ódio de “neoliberais”, a luxúria da imprensa sem escrúpulos e a
perseguição a cargo de magistrados com “agenda”. Cada sólido indício de que
o nível de vida do homem fugia um bocadinho ao nível dos seus rendimentos
merecia discursos épicos acerca do carácter sagrado do segredo de justiça. Os
“empréstimos”, os apartamentos, os amigos, as escutas, as férias, os
familiares, os contactos, os compadres, os tráficos, as mulheres, as contas, as
roupas, os levantamentos, os motoristas e os carros não suscitavam qualquer
suspeita, só a certeza da má-fé dos inimigos do “eng.” Sócrates.
Hoje, os antigos devotos
garantem que foram enganados e reclamam medalhas pela franqueza ligeiramente
tardia, com que confessam o logro em que caíram. Criaturas que beneficiaram
directa ou indirectamente, em géneros ou numerário, da rede de influências em
que o “eng.” Sócrates se movia desataram a jurar pelos santinhos que nem
sonhavam a geral ilicitude daquilo. É para levar a sério?
Podemos tentar. A
argumentação central do Grupo de Lesados do “eng.” Sócrates passava por invocar,
com voz firme, a presunção de inocência, então devida ao “animal feroz”.
Agora, exigem que se presuma a inocência deles próprios. Eles, que
acreditaram de alma lavada nas patranhas que o “eng.” Sócrates lhes contava
sobre a origem dos seus proventos, ignoravam o óbvio, logo são inocentes. E
ingénuos. E estúpidos que nem portas.
É uma possibilidade a
considerar. Afinal, falamos de espécimes propensos a acreditar no que calha. Se
Fulana acredita que a militância em “causas” infantis se confunde com
jornalismo, é possível acreditar que três ou quatro mil euros mensais permitem
férias de 70 mil. Se Sicrano acredita que o PEC IV salvaria a nação, é
possível acreditar na trivialidade de viver a expensas de um compincha a quem
se entregou negócios públicos. Se Beltrano acredita que o socialismo se
preocupa com as “pessoas reais” (por oposição às imaginárias?), é possível
acreditar na honorabilidade das casas de Paris e Lisboa e dos fatinhos de Rodeo
Drive e da fortuna de família e da amizade desinteressada. Crentes desta
dimensão ficam impecavelmente em cultos religiosos, creches ou manicómios, mas
não em jornais, sociedades de advogados, parlamentos ou governos. É de esperar
que os inocentes presunçosos calculem as consequências da confissão inicial e
confessem que, por volumoso excesso de idiotia, são inaptos para funções
inadequadas a idades superiores a cinco anos – ou 25 em chimpanzés.
Por fim, há ainda a
hipótese, meramente académica, de essa gente não acreditar em nada, excepto na
disposição do eleitorado para acreditar em tudo – principalmente na
inexistência de um sistema criminoso e profundamente corrupto que transcende o
PS, embora prefira o PS no poder por facilidades logísticas e vocação.
Ou que o linchamento brusco do “autor” de “A Tortura no Mundo” e de alguns
dos respectivos ministros não é o típico sacrifício de uns comparsas a fim de
salvar a quadrilha. Nas imortais palavras do dr. Marques Mendes, um símbolo
justo dos bandos em questão, há o PS “mau” do “eng.” Sócrates, e o PS “bom” do
dr. Costa. Ou de quem lá estiver no momento, a coordenar os arranjinhos e a
“estabilidade”. Se o “eng.” Sócrates abrir a boca e perturbar ambos, prometo
comprar-lhe a obra completa. Lê-la é outra história.
Nota de rodapé
Parece que há, ou houve,
por aí um festival da Eurovisão, e que o mesmo inclui uma cantiga de Israel.
Não me interessa. Interessa-me que alguém tenha promovido o boicote à
cantiga em protesto contra o “apartheid israelita na Palestina”. Quem são os
promotores da simpática iniciativa? Podemos chamar-lhes simpatizantes do
terrorismo. Podemos chamar-lhes cúmplices da tortura a homossexuais e da
violência sobre mulheres. Podemos chamar-lhes anti-semitas. E podemos
chamar-lhes, por uma vez sem exageros, nazis. E acertar sempre.
Alguns comentários:
Ana Silva: Desejo do fundo do coração que A.G. viva até
aos 200 anos para nos brindar, durante anos e anos, com os melhores retratos do
Portugal que todos temos de suportar. Bem haja.
Ahfan Neca: Vou ser franco. Óptimo.
Professor Pardal: "Grupo de
Lesados" é uma expressão deliciosa.
João Adder: Lamentável, a nota de
rodapé. Os abusos puramente arbitrários que Israel comete contra o indefeso povo
palestiniano, não podem ser confundidos com "luta contra o
terrorismo".
Ainda mais, o posicionamento que o AG toma em relação a Israel, no
género "quem não é comigo, é contra", é mesquinho e infantil.
Joao
Baptista - > João Adder: Os palestinianos lutam e matam-se MUITO mais entre
si do que com Israel ou outra nação. Só que para algum tipo de interesses
políticos, faz-se de conta que não acontece.
Eugénia Sousa: O Grupo de lesados
criou o monstro à força de lhe chamaram "menino de ouro". Como
o Rei Midas, tudo o que tocava transformava em ouro, sobretudo os amigos.
Impossibilitado de se livrar da maldição, profundamente magoado por não
conhecer nenhum pobre. Agora
sabe o que são amigos ricos e ricos amigos.
Paulo Silva: Grupo de lesados,
quais cônjuges enganados, são sempre os últimos a saber... coitados...
Manuel Pinto: Este
"sítio" tem, aquém e além fronteiras, cerca de 12 milhões de lesados
do "eng." Sócrates. Neles se incluem a trupe Geringonça que, outra
coisa não tem feito, nas últimas décadas, que não seja alimentar o monstro que
nos corroi. No tal Abril, importada que foi a "democracite" ficou
instituído ser o voto a arma do povo. Pobre povo, que tão mal usa as suas
armas!!!
antonio afonso: Excelente
tudo, em especial a nota de roda pé.
Sergio Fonseca: Muito bom! Como sempre.
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