Mas eu admiro as mães que, mesmo trabalhando fora
dos seus lares, conseguem impor aos filhos, desde cedo, as regras do
cumprimento e obediência, para uma aprendizagem gradual, que terá naturalmente
os seus frutos na vida. Por isso, o artigo de um psicólogo, que recebi por
email, me pareceu pretensioso e banal, na sua intenção subjacente de valorizar
a indisciplina, de preferência a orientar segundo regras que irão, ou não,
sendo seguidas, segundo uma educação mais ou menos rígida, esta última numa
concepção mais ampla de cânones libertários, e valorizando as
personalidades em formação e o seu estatuto de rebeldia que os espíritos
superiores reivindicam muitas vezes, como tendo sido os seus próprios, no
desprezo pelas suas aulas de tempos idos.
São já velhos os conceitos pedagógicos que
contribuíram para valorizar as iniciativas pessoais e desprezar ou abolir o
papel da memória, quando esta cada vez mais é requerida, para a assimilação de
nomes e conceitos, nos estudos primários e secundários – dos universitários nem
calculo, no apuramento cada vez maior do infinitamente reduzido que se deve ter
em conta nas deduções, e que são transmitidos, com extremo arreganho, ao ensino
primeiro, caso da gramática da língua, das inúmeras e rebuscadas precisões
gramaticais que se martelam absurdamente - além das cada vez maiores exigências
ao nível das várias ciências de imparáveis descoberta e precisão.
Falar de “mães perfeitas”, ironizando sobre as que
encaram o futuro na perspectiva de melhoria futura honesta na vida dos filhos,
(quando, certamente, se atingiram esses objectivos, como deverá ser o caso do
psicólogo clínico José Carlos Carvalho, que ganhará bom dinheiro a
minimizar o esforço, elogiando o ego das inteligências precoces que não se
revêem em regras de trabalho) é colaborar na insensatez moderna responsável
pela indisciplina nas escolas, e pela banda adulta, ao que se vê hoje nos media
pressurosos em destacar, no seu espaço mediático, tanta da nossa pobreza
educativa centrada inegavelmente nos pés, fonte de rendimento e de orgulho
nacionais imparavelmente televisionados.
«As crianças inteligentes têm más notas» não por se ouvirem
apelidar de “burros” e ganharem complexos com isso, mas porque preferem olhar
pela janela, gesto enternecedor para os espíritos sensíveis, segundo o paradigma
de “Le cancre”, de Jacques Prévert.
Não, não me alargo no tema, para mim, pedante. E
cínico. Porque a sociedade – ou as empresas - os espreitam, aos cumpridores.
Sufragando, é certo, muitas vezes, os «inteligentes», não há dúvidas nisso, no
encosto e compadrio do nosso genérico solidário.
Eduardo Sá explica
"porque é que crianças inteligentes têm más notas"
21.10.2016
José Carlos Carvalho
No seu mais recente livro, 'Querida Mãe', o psicólogo clínico e
psicanalista Eduardo Sá lembra às mães que elas não têm de ser perfeitas. Que
podem arriscar e errar e que, mesmo assim, nunca andarão longe da perfeição
O psicólogo clínico e psicanalista Eduardo Sá acaba de lançar o livro
Querida Mãe (Lua de Papel), dedicado, como o nome indica, às mães portuguesas.
Num esforço para lembrar as mulheres que "não precisam de ser perfeitas,
só precisam de ser mães", o autor junta uma vasta série de conselhos para
lidar com as inúmeras facetas da maternidade e recorda que "as mães podem
arriscar e errar e que, mesmo assim, nunca andarão longe da perfeição".
AQUI REPRODUZIMOS O CAPÍTULO "PORQUE É QUE AS CRIANÇAS INTELIGENTES
TÊM MÁS NOTAS", DO LIVRO QUERIDA MÃE, DE EDUARDO SÁ
"Mal se chega ao fim de mais um período de aulas, vêm lá as notas.
E chegam as reuniões de pais com os professores e uma ou outra má
notícia acerca da avaliação final de alguns alunos. Virá aí, para muitos deles,
uma ou outra negativa. Evidentemente que a primeira tentação de todos os pais,
numa circunstância como essa, é concluírem que os filhos terão sido
“preguiçosos”. Havendo alguns que, numa decisão impulsiva, irão decidir
castigá-los. Ora obrigando-os a deixar o futebol, por exemplo. Ora levando até
ao fim a decisão de os privar de prendas no Natal. Será isso razoável?
Comecemos pelo princípio: porque é que crianças inteligentes têm más
notas? Porque são inteligentes! Eu sei que a resposta pode parecer um desaforo.
Mas é verdade. Acreditem que não estou enganado: a tentação de falar de
dificuldades cognitivas ou de “deficiência mental”, a propósito das crianças,
merece uma imensa ponderação. Mas, vamos por partes.
Não há crianças “burras”! Eu sei que há termos ásperos, como este, para
todos nós. Mas é importante que sejamos claros: tirando raríssimas exceções, de
crianças com quadros genéticos ou neurológicos muito graves (e que são,
realmente, raríssimas!) não há crianças que nasçam “burras” como, desde sempre,
se foi imaginando ou formulando. Recordo que algumas das crianças consideradas
assim, que viveram a escola de forma penosa, com resultados catastróficos e com
experiências humanas humilhantes, se transformaram em grandes empreendedores,
grandes empresários e pessoas cuja singularidade trouxe, realmente, mais-valias
ao mundo.
Mas, sendo assim, quem transforma crianças inteligentes em maus alunos?
De certa forma, todos nós. É claro que para os resultados duma criança na
escola faz diferença que ela tenha tido — pelo menos, até entrar no primeiro
ano de escolaridade — uma família minimamente equilibrada. Porquê? Porque todas
as crianças nascem altamente sensíveis, atentas, intuitivas e inteligentes, a
grande dificuldade dos pais passa por se adequarem a essa “esponja”
habilitadíssima para os recursos cognitivos (é assim que muitos definem a forma
como elas “absorvem” conhecimentos e os multiplicam através de operações
mentais que as parecem tornar a todas “matemáticos de fraldas”, não é?).
Trata-se de adequar às crianças um conjunto de rotinas que façam com que os
seus ritmos (de sono ou de alimentação, por exemplo) não se desorganizem,
ligando-as a regras que as façam conjugar aquilo que elas desejam e o que os
pais consideram desejável. Mas, para além de regras, rotinas e ritmos, as
crianças necessitam da sabedoria dos pais. Porquê? Porque quando as crianças
leem o mundo à sua volta, elas têm uma espécie de “instinto de adivinhar” que
faz com que, em tempo real, intuam de forma fulgurante aquilo que se passa, por
mais que uma imagem que fique duma experiência como essa possa levar trinta
anos, por exemplo, a ter a “legenda” apropriada. Isto é: as “legendas” que os
pais colocam naquilo que elas intuem servem para as crianças atribuírem
palavras àquilo que veem, servem para lhes dar um significado, servem para que
elas saibam discernir as operações mentais que as levem a resolver os problemas
que a vida sempre lhes traz e servem, sobretudo, para que elas vão aprendendo
“coisas” mais complexas e as atinjam duma forma mais simples, mais rápida e
mais eficaz. Como se compreende, quando os pais, na ânsia de que elas cresçam
mais depressa do que deviam ou esperando que as crianças se adequem a
exigências de “agenda” que não são as suas (pensar e aprender exige tempo,
tentativas, erros e uma dose generosa de experimentação “autodidática”), não respeitam
os seus ritmos, não enquadram os seus ímpetos, não lhes dão um perímetro de
segurança esclarecido para aquilo que podem e não podem fazer. Para além do
mais, trazem-nas para burburinhos ou conflitos que as magoam – para além de as
baralharem ao colocarem “legendas” um bocadinho “ao lado”, considerando aquilo
que elas já perceberam – e contribuem muito (contra a sua vontade, sem dúvida)
para os maus resultados escolares das crianças. Porquê? Porque a escola é uma
espécie de enciclopédia que vai multiplicar os conhecimentos que a própria
família já de si gerou. E chegar lá com “as ideias fora do lugar” é meio
caminho andado para que tudo o que podia ser simples se transforme numa
“confusão”
Para os bons resultados escolares duma criança faz, também, diferença
que ela tenha uma educação infantil sensata, pouco apressada e pouco dada à
vaidade de conhecimentos que se repetem sem que se perceba como eles funcionam.
É claro que se a ausência de educação infantil pode trazer limitações
cognitivas a uma criança, uma má-educação infantil não deixará de lhe trazer
constrangimentos. Sendo curial que se pergunte o que poderá ser uma má-educação
infantil? Aquela que coloca os desempenhos de curto prazo à frente de
aprendizagens centradas em áreas de conhecimento que contribuam para que os
recursos das crianças se transformem, progressivamente, em aptidões para
ligarem palavra, aptidões abstratas, sentimentos e expressividade, autonomia e
solidariedade, capacidade lúdica e tolerância à frustração. Escusado será dizer
que sobrepor conhecimentos às operações mentais que as crianças ainda não
agilizaram, e submetê-las aos ritmos e aos objetivos dos pais e dos colégios
(independentemente das distorções de médio e longo prazos que isso traz à
versatilidade da sua aprendizagem) é, a médio prazo, amiga das más notas.
Depois, há as escolas, propriamente ditas. E aqui tudo se complica mais.
Porque embora haja uma política educativa, ela parece carecer, em muitas
circunstâncias, de robustez, de coerência e, sobretudo, de uma ideia do que se
pretende para a aprendizagem dos alunos. Não se trata de fazer “cruzadas”
contra os critérios de avaliação (nem isso seria sensato), nem de eleger as
provas de aferição e os exames como “alvos a abater”.
Mas trata-se de não nos ficarmos, unicamente, na discussão sobre esses
aspetos quando se trata de transformar a educação.
Sem perguntarmos o que queremos em cada momento formativo, de
ponderarmos se aquilo que se exige das crianças terá em termos de objetivos, de
forma e de conteúdos, a metodologia correta (que se irá refletir “no fim da
linha”). Como se já não bastasse a ideia de que um pacto de regime acerca da
educação nunca ter merecido uma oportunidade política ser inquietante, a
construção das turmas, o casamento das disciplinas, a ligação que elas não têm
(muitas vezes) com a vida das crianças, ou a interseção entre o lúdico, o
expressivo e o aprendido que não se estimula faz com que se torne fácil que a
escola estimule as más notas.
E, finalmente, há os professores. Que são preciosos, claro, mas que nem
sempre têm a formação indispensável, os recursos exigíveis, a retaguarda de
técnicos que os apoiem e protejam, ou os conhecimentos tão agilizados dentro de
si que transformem um programa numa tarefa apetitosa para todos os alunos.
E que têm vida própria mas que nem sempre são acolhidos por uma escola
com o carinho e o respeito que a sua tarefa exige.
E que têm com o ensino uma paixão quase difícil de se entender mas, ao
mesmo tempo, a vão sentindo a burocratizar-se todos os dias, mesmo quando têm
diante de si turmas difíceis e exigentes e pais que os desconsideram, por
vezes, mais do que deviam. Isto é, nem sempre os professores são – ao contrário
do que, seguramente, seria o seu anseio – os melhores amigos das boas notas.
É fácil, portanto, uma criança “tirar” más notas! Porque há sempre um ou
vários destes incidentes que se emaranham, num momento qualquer, no seu
percurso educativo. Por mais que todas as crianças sejam, de forma ardente e
continuada, as melhores amigas dos bons resultados. Tanto assim é que, sempre
que eles não surgem, e os pais, os professores, os explicadores e os avós se
unem no sentido de as ajudar a pensar — todos de forma diferente a congeminar
sobre uma mesma disciplina –, se os maus resultados perduram as crianças baixam
os braços. Ou ficam, aparentemente, “burras” de tanto terem medo de não saber,
que erram diante de problemas que elas, efetivamente, dominam. Ou desistem e
desinvestem, que é uma forma de terem a ilusão de saírem vitoriosas dum
confronto onde, geralmente, acabam a perder. Ou “deixam-se andar”, parecendo
preguiçosas (ou numa versão mais urbana: parecendo desmotivadas), que é uma
forma de desistirem antes de declararem qualquer desistência. Ou foram
acumulando “défices” de conhecimentos ou de raciocínio a algumas áreas e como a
aprendizagem é um longo puzzle chega a uma altura e não se torna
possível contornar por mais tempo essas dificuldades. Ou “encasquetam” que não
são aptas para algumas disciplinas por mais que sejam muitíssimo capazes noutras,
como se fosse possível ser inteligente e “burro” ao mesmo tempo. Ou estão a
viver uma relação difícil com um professor ou com a escola e tudo se complica.
Não se pense, no entanto, que as crianças são, unicamente, “vítimas”. Não são.
Mas não serão, seguramente, as únicas responsáveis pelos seus maus resultados
escolares. Só que, a existirem más notas, elas são, unicamente, suas. Quase
todos – pais e professores, à cabeça — reagem como se se sentissem um bocadinho
traídos por cada negativa manifestando, até, alguma estranheza pelos maus
resultados e castigando-as a elas, unicamente. Como se as notas duma criança
não representassem um percurso dum longo trabalho de equipa onde elas não
mandam tanto como as suas notas fazem parecer.
Qual será, então, a vantagem de descobrirmos parcerias em cada uma das
suas notas? Não tanto o de nos sentirmos levados a estudarmos com elas ou
estudarmos por elas, mas percebermos que nem sempre ajudamos as crianças a
aprender a aprender. Apesar de isso ser o que elas mais querem e aquilo para o
que estão, inequivocamente, mais capacitadas. Terão elas, porventura, mais
dificuldades de aprender do que os adultos que as ensinam? Não! Seguramente.
Sendo assim, trata-se de aprendermos com erros, percebermos aquilo que estará a
gerar as nossas dificuldades e, todos juntos, passarmos das necessidades
educativas especiais ao sucesso (que será, ele também, sempre o resultado dum
trabalho de equipa).
Em resumo: uma nota negativa existe porque os pais foram complicando a
relação com a escola ao contrário das suas genuínas intenções. Porque o
“sistema” precisaria dum plano individual de recuperação para deixar de querer
positivas sem olhar a meios, em vez de perceber que uma negativa (ou muitas
negativas, a determinadas áreas de aprendizagem, por exemplo) são interpelações
que o colocam, verticalmente, em causa. Porque as escolas foram insistindo,
teimosamente, em normalizar crianças quando as deviam singularizar. E porque
alguns professores vão tendo muitas dificuldades para ensinar e para tornarem claros
e apelativos, para todos, os conhecimentos que pretendiam partilhar. No final
da cadeia, as crianças só não têm mais sucesso porque –às vezes, por azar –
foram tendo pais, escolas e professores que, mal começaram a desenhar-se as
primeiras dificuldades escolares, lhes atribuíram a elas – e, sobretudo, a elas
– “a parte de leão” dessa má notícia. Quando, na verdade, cada “negativa”
pressupõe várias “negativas”. Sendo assim, porque é que os menos responsáveis
pelas “negativas” são repreendidos, advertidos e castigados e os outros
todos... não?
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