Mais dois textos dos nossos casos
sociais e políticos, já, afinal ancestrais, que, ao invés de apelarem a uma
qualquer tirada comentarista, nos sugerem antes músicas do nosso ouvido, que
reproduzo, como corolário dessas crónicas transcritas – a de sobre Bruno de Carvalho e as suas virtudes
dinamizadoras do seu clube, mas, de momento, incompatíveis com o espaço que ali
ocupou, et pour cause. A de António Barreto, que sempre nos
encanta com a sua forma requintada, de paralelismo ou antítese suficientemente
inteligíveis e drásticos. Dois textos,
continuadores da visão de Bem e Mal, segundo conceitos hoje quantas vezes
ironizados, numa doutrina de relatividade e indiferença irónica, libertadoras
do preconceito. Mas já Sophia o
recordou, num lirismo de condenação, em outros contextos políticos, e
lembrei-me do seu poema «Porque», naturalmente de expressão antifascista,
mas reveladora de uma continuidade do preconceito, afinal. Por isso riamos um
pouco, ouvindo Dengaz, também, aplicando-o ao nosso statu corruptivo de
permanência, embora seja isento, o seu poema, de intenção política, e mais fruto
destes tempos de amores desmedidos, título que podemos virar, contudo, para o
contexto dessa corrupção em que chafurdamos, “malgré nous“. Eu queria
dizer que não…
Porque
Porque os
outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não. Sophia de Mello Breyner Andresen
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não. Sophia de Mello Breyner Andresen
Eu queria dizer que não
Mas estou contigo
Mas estou contigo
Eu queria dizer que não
Mas não consigo Dengaz
Mas não consigo Dengaz
I - SPORTING: Bruno foi um
bom presidente, mas isso não importa /premium
Como instituição
centenária, o Sporting tem o dever de exibir o vigor institucional necessário
para se libertar de quem o está a prejudicar – mesmo que lhe deva muito dos
seus sucessos recentes.
Bruno de Carvalho
não tem condições para permanecer na presidência do Sporting
pelas mesmas razões que não sentiu ter condições, ontem, para representar
institucionalmente o seu clube na final da Taça de Portugal: a sua presença é
factor de instabilidade para adeptos, equipa técnica, jogadores e claques.
Perdeu os apoios que tinha entre dirigentes, incompatibilizou-se com
accionistas, está em conflito aberto com os futebolistas mais emblemáticos do
Sporting e, mesmo que indirectamente, está associado à violência contra os
jogadores em Alcochete. Nesta fase, a sua permanência na liderança do clube
trará mais prejuízos do que benefícios. A culpa é do próprio, que se
deixou derrotar pelo seu estilo de presidente-adepto quezilento e rude – que
foi tolerado pelos sócios em nome de um bem-maior, até que se tornou
intolerável por visar aliados e equipa de futebol. O que tem o seu quê
de trágico: o homem que melhor presidiu ao Sporting nas últimas duas décadas e
que teve nas mãos a hipótese de atingir o Olimpo sportinguista sairá, afinal,
pela porta pequena.
Sim, importa dizê-lo:
nos últimos cinco anos, o Sporting melhorou muito graças à presidência de Bruno
de Carvalho. Do ponto de vista financeiro, recuperou de uma
situação de quase bancarrota. Renegociou o pagamento da dívida do clube, baixou
as folhas salariais, equiparou o valor dos direitos televisivos e dos
patrocínios ao dos rivais (que ganham mais títulos) e estabeleceu um rumo para
a recuperação financeira da instituição – de resto, a SAD bateu vários recordes
de lucros. No futebol, soube comprar jogadores para valorizar e soube vender
outros por quantias recordes para o clube. Desportivamente, aumentou os índices
de exigência e o desempenho do futebol, ganhando Taça de Portugal e Supertaça.
É certo que não foi campeão nacional, mas é igualmente certo que foi o primeiro
a ficar desiludido com esse fracasso – embora com ele tenham sido batidos
recordes de pontos na liga. Ou seja, o Sporting voltou a ser competitivo, ao
contrário do que era em 2013, aquando de um sétimo lugar no campeonato que
afastou o clube das competições europeias. Mais: nas modalidades, devolveu
prestígio e destaque ao clube – investiu na construção de um pavilhão, apostou
na formação de equipas competitivas nas diferentes modalidades e tem somado
títulos de campeão em várias.
Bruno de Carvalho fez
algo ainda mais importante: devolveu dimensão ao Sporting. Durante
anos e anos, os adeptos do Sporting habituaram-se a medir cautelosamente as
suas ambições, a pensar pequeno, a lutar pelas sobras dos rivais. Bruno
de Carvalho lembrou a todos que o Sporting era mais do que isso e empolgou
pelo amor à camisola: o número de sócios do clube subiu em flecha, as médias de
assistência no estádio também. Hoje, quando o Sporting não ganha, os adeptos
sentem uma mágoa que haviam esquecido durante anos – as derrotas tinham deixado
de doer.
Reconhecer todos estes
méritos é uma questão de justiça. Mas não equivale a defender Bruno de Carvalho
nesta hora negra causada maioritariamente por si mesmo – a sua saída é
desejável porque uma linha vermelha foi ultrapassada. Sublinhar
os méritos de Bruno de Carvalho serve para assinalar duas ideias que, nestes
dias turbulentos, há que preservar. Primeiro, ao escolher Bruno de
Carvalho nas eleições de 2013 e 2017, os sócios não se enganaram. Escolheram
certo porque escolheram alguém que valorizou a instituição Sporting nas suas
várias dimensões – financeira, desportiva e institucional – apesar de o seu
estilo de liderança não se recomendar (e não agradar mesmo aos sócios que o
elegeram). Segundo, agora, quando pedem a sua demissão, os sócios estão a
utilizar o mesmo critério e a manter a razão do seu lado: o homem que antes
valorizou o clube está, agora, a desvalorizar a instituição Sporting.
A compatibilidade destas
duas ideias não é fácil de explicar num país em que tão facilmente se confundem
as instituições com as pessoas. Sim, Bruno de Carvalho foi um bom
presidente, mas isso não importa a partir do momento em que se torna o
protagonista de uma crise institucional com implicações desportivas e
financeiras. É essa a prova de fogo que o clube enfrenta e cujo desfecho
dirá quão grande é mesmo o Sporting: como instituição centenária, tem o dever
de exibir o vigor institucional necessário para se libertar de quem o está a
prejudicar – mesmo que lhe deva muito dos seus sucessos recentes. É assim que
as instituições se afirmam maiores do que as individualidades. E só assim é que
as instituições podem sobreviver na adversidade.
II- Sem recurso nem recuo
ANTÓNIO BARRETO
DN, 20/5/18
Quando alguma coisa
falha, procuramos um recurso. Junto de alguém, pessoa ou instituição.
Com frequência, pensamos ter recuo. E tempo de espera e reflexão. É uma
defesa, uma precaução. Melhor ainda, uma cópia de segurança. O backup. A
instituição de emergência. O exército de reserva. A brigada de última
instância. Quando a Terra treme, invoca-se Deus. E faz-se o mesmo perante as
tempestades. Até os ateus, que nem sempre confiam nos pára-raios.
Quando há crise, olha-se
para a finança e a segurança social. Quando a nação está em
perigo, espreita-se para os países amigos. Quando o Estado corre riscos,
conta-se com os militares. Quando a ordem e a segurança ameaçam ruir, espera-se
pela polícia. Quando as elites falham, chama-se o povo. Quando os empresários
fogem, recorre-se ao Estado. Quando a saúde está periclitante, procura-se o médico.
Quando a corrupção reina, confia-se na justiça. O pior é quando a
justiça tarda...
Há momentos na vida de uma
nação em que, de repente ou gradualmente, se tem a sensação de que o recuo é
curto e de que o recurso é cada vez menor. Que tudo tem falhado. A justiça, o
diálogo ou a decência humana.
Numa área,
especialmente, a falta de recurso é assustadora. A falta de justiça é
aterradora. Os imediatos apelos à justiça privada são o anúncio do pavor. As
tentações da justiça pelas próprias mãos são sinais de desespero e de inferno à
vista.
O pior da corrupção,
privada ou pública, partidária ou empresarial, é que cada vez menos há recuo.
Ainda se pensa em justiça, sobretudo com processos de inédita dimensão e
inimaginável gravidade. Mas quando chega a vez de a própria justiça falhar ou
se sentar no banco dos réus, então sente-se o frio nas costas, o arrepio do
abismo: não há recurso nem recuo!
A corrupção é injusta e
imoral. É socialmente desigual e culturalmente repugnante. Eticamente
condenável e politicamente abjecta. Infelizmente, parece que a maior parte dos
que condenam a corrupção o fazem mais por inveja do que por convicção.
Estranhamente, a
corrupção tem quase sempre defensores ou pretextos. Vale para crescer a
economia e criar emprego. Serve para aumentar as exportações. Aceita-se para
defender os interesses dos munícipes, para apoiar as iniciativas locais e para
satisfazer as necessidades dos povos locais. É útil para democratizar a
economia. Adopta-se para defender a democracia e recompensar os que deram
contribuições financeiras para os partidos. Justifica-se para satisfazer
grandes e antigas famílias com história de serviço ao país e à pátria.
Admite-se para isentar, de impostos e taxas, famílias, partidos, igrejas,
sindicatos e associações. Utiliza-se para conceder subsídios especiais de
criatividade ou solidariedade. Acode qualquer pessoa que se diga partidária das
startups tecnológicas e se declare favorecer causas actuais, como as energias
renováveis e as alfaces biológicas. Usa-se para arranjar as parcerias
público-privadas. Desculpa-se para confortar a insularidade e a interioridade.
Até ao dia da
indignação. Até chegar a altura do escândalo. Até ao momento em que a corrupção
se torna intolerável. Em Portugal, esse momento já chegou.
Faça-se a lista completa dos políticos, governantes, deputados, altos
funcionários, magistrados, polícias, empresários, gestores e outros
intermediários, facilitadores e fura-vidas envolvidos com a justiça e fica-se
com um horrendo panorama de uma quermesse de maus costumes. Marque-se, para
cada um, o tempo de espera, o atraso do processo e os procedimentos dilatórios
e ter-se-á um quadro completo de ineficiência e de injustiça.
É verdade que a
democracia pode sempre generalizar a corrupção. Numa palavra, democratizá-la.
Mas também pode ser a única maneira de a combater preservando as liberdades. As
mãos limpas e a ética justicialista acabaram sempre mal: não limparam a
corrupção nem salvaguardaram as liberdades.
As
minhas fotografias
Janela manuelina do
Convento de Cristo, em Tomar. É talvez a mais famosa janela de Portugal. Também
conhecida como "janela do Capítulo". Fica em Tomar, cidade
excepcional de monumentos e obras de arte. Tem o Convento de Cristo,
pois claro. O aqueduto de Pegões (século XVI). A Ermida de Nossa
Senhora da Conceição, obra-prima renascentista entre todas (século XVI). A
Sinagoga da cidade, caso raro de arquitectura da região e do país (século
XV). A Igreja de Santa Maria dos Olivais (século XII). E tem também
outras belezas, sem esquecer o rio Nabão, a cidade velha e a Tomar do século XIX
e das indústrias. Esta janela já foi fotografada por milhões de pessoas. Já
foi bandeira, rótulo de vinho e selo de correio. Já foi cartaz, azulejo e capa
de livro. Mas não é mantida e preservada com todo o cuidado. Como deveria ser.
A janela e todo o convento. Este convento e os outros. Neste Ano Europeu do
Património, talvez seja mais uma oportunidade. Para mais orçamento. E mais
atenção...
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