terça-feira, 29 de maio de 2018

Quanto sofisma, quanta presunção!



Daqueles que ergueram o tema - discutido hoje, na Assembleia - porque lhes dá jeito, no seu objectivo anarquista, escondido por trás dos jeitos pudibundos de falsa humanidade e de falsa virtude piedosa. Mas as razões, deixo-as para os excelentes articulistas do OBSERVADOR, que seguem –HELENA MATOS, MARIA LUÍS ALBUQUERQUE, PEDRO NUNO PIMENTA BRAZ :
I - EUTANÁSIA         I- O bioprogressismo /premium
HELENA MATOS 27/5/2018
O ódio ao heteropatriarcado substituiu o ódio ao capitalismo. O sexo passou a género, os pais a progenitores, a maternidade a procriação, a morte a direito. Tudo de preferência medicamente assistido.
Depois do direito à maternidade através das barrigas de aluguer temos a eutanásia como expressão do direito à morte: “Despenalizar a eutanásia não chega. Morrer é um direito, uma liberdade” – declara Paula Teixeira da Cruz. Mariana Mortágua a propósito da eutanásia  fala  d’A derradeira liberdade.
Por outras palavras, a biologia tornou-se o campo da ideologia. E o progressismo passou a bioprogressismo. Como não se actualizou o habitual argumentário da libertação o resultado é no mínimo grotesco: fala-se em direito à morte e em última liberdade como se a morte fosse algo que podemos conquistar ou a que podemos renunciar.
Inevitavelmente o mundo bioprogressista concebe a sua intervenção como crucial para corrigir o erro (o delírio é tal que num primeiro momento quase somos levados a crer que em Portugal ou não se morre ou se morre de forma indigna). Desenham-se cenários redentores para a maravilhosa legislação que o legislador-bioprogressista se apressa a fazer, faltando apenas dizer que desse dia em diante morreremos felizes para sempre.
A pressa para regular a morte é tanta que alguns dos projectos apresentados na Assembleia da República parecem inacabados: o PEV nem se deu ao trabalho de especificar os procedimentos a adoptar se o pedido for negado ou quando o paciente fica inconsciente. Já o BE não definiu quem fica automaticamente de fora.
Na verdade, nada disto conta porque, como a prática da eutanásia noutros países tem mostrado, rapidamente se alarga o âmbito das pessoas a quem se pratica eutanásia dos doentes lúcidos em sofrimento insuportável para crianças, pessoas que até tinham mudado de vontade, jovens deprimidos, velhos senis ou nem tanto…
Provavelmente a eutanásia não será aprovada. Por agora, claro. Porque uma das coisas que caracteriza o bioprogressismo é que ele nunca se dá por derrotado. A sociedade é que não estava preparada para as suas propostas! Assim enquanto outro assunto não lhes captar as energias lá os teremos a quererem libertar-nos da morte! E nós, claro, a reboque das suas agendas libertadoras que mais não são que decálogos tirânicos. Porque o objectivo esse mantém-se inalterado: controlar a sociedade. Apenas muda o objecto: onde antes estava o burguês está agora o homem branco. O heteropatriarcado substituiu o capitalismo. A família já não é para destruir, mas sim para instrumentalizar: o sexo passou a género, os pais a progenitores, a maternidade a procriação, a morte a direito. Tudo de preferência medicamente assistido que é o mesmo que dizer que estatizado. (Ah, já me esquecia, deixou de se falar de família quando se referem os cuidados aos mais velhos: agora a expressão correcta é cuidador. Mais uns tempos e teremos a carreira de cuidador, o regulamento do cuidador, os procedimentos do cuidador, a certificação do cuidador, o certificado de cuidador…)
Na verdade, ou nos libertamos do fatalismo quase biológico com que temos dado como adquirida esta superioridade do progressismo ou acabaremos todos a discutir dentro de alguns anos (não muitos) como foi possível termos pactuado com um crime como são as barrigas de aluguer. Ou não termos percebido que a eutanásia enquanto direito à morte reivindicado por uma minoria mediatica e socialmente poderosa se podia transformar no dever de morrer em momento considerado oportuno para uma multidão de pessoas mediaticamente invisíveis e socialmente frágeis.
PS. Dois anos e dois meses depois de deixar a Presidência da República, Cavaco Silva voltou à política. Não me estou a referir à sua mais que esperada posição contra a eutanásia mas sim àquele aviso: “Como cidadão, sem responsabilidades políticas, o que posso fazer para manifestar a minha discordância é fazer uso do meu direito ao voto contra aquelas que votarem a favor da eutanásia. Nas eleições legislativas de 2019 não votar nos partidos que apoiarem a legalização da eutanásia e procurar explicar àqueles que me são próximos para fazer a mesma coisa”. Cavaco está a gozar a maior liberdade que um político pode ter: já ocupou todos os cargos que ambicionou logo pode dizer o que pensa e fazer o que quer. Até apelar ao voto no CDS. Em conclusão: quanto vale hoje Cavaco no PSD?
II- Vou votar contra a despenalização da eutanásia
MARIA LUÍS ALBUQUERQUE         28/5/2018
Rui Rio criticou as “pressões de fora para dentro”. Parece-me que a livre expressão dos cidadãos sobre um tema para o qual não foram consultados não pode ser considerada uma pressão sobre o Parlamento
Na próxima terça-feira, dia 29 de maio, os deputados à Assembleia da República serão chamados a votar quatro projetos de lei de despenalização da eutanásia, da autoria de toda a esquerda parlamentar, com “exceção” do PCP, que ainda assim usa a sua barriga de aluguer, o PEV, para alinhar com os parceiros de Governo. Tenho lido muito sobre a matéria e avaliado os argumentos apresentados por quem está a favor e por quem está contra, mas a minha decisão está tomada e com profunda convicção.
A minha consciência dita-me o voto contra. Acredito que a vida humana é um valor supremo em quaisquer circunstâncias e que o sofrimento não nos torna menos dignos. Acho da maior importância ter em consideração que a ordem dos médicos e a ordem dos enfermeiros, aqueles que lidam mais de perto com as situações de fim de vida e os profundos dramas humanos associados, são contra a eutanásia. Tenho muito orgulho em que Portugal tenha sido um dos primeiros países a abolir a pena de morte, porque vale mais deixar viver criminosos que matar um inocente, e não consigo conciliar esse orgulho e esse respeito pela vida humana com uma lei que sabemos, porque tem sido assim em todos os países que legalizaram a eutanásia, acabará a tirar a vida de quem não o decidiu. E porque a vida humana é inviolável.
Respeito os que defendem honestamente a despenalização da eutanásia, entre os quais o atual líder do meu partido. E não considero de modo algum que a livre expressão da sua posição e dos seus argumentos seja uma pressão no sentido de mudar o meu voto. Por isso, fiquei chocada e preocupada com as declarações do Dr. Rui Rio ontem à comunicação social, dizendo que “aquilo que tenho notado um pouco na sociedade portuguesa, em particular por parte de quem defende ‘não’, é que há uma excessiva pressão sobre outros que possam estar no ‘sim’ ou que possam estar com dúvidas no sentido de tentar trazê-los para a sua posição”. Tanto mais que no seu testemunho sobre a eutanásia no livro “Morrer com dignidade – a decisão de cada um”, coordenado por João Semedo, ex-dirigente do Bloco de Esquerda, divulgado na revista Sábado de 20 de maio de 2018, o mesmo Dr. Rui Rio dizia que “esta é, pela sua natureza, uma questão de consciência individual. E se não é tolerável impor orientações de voto neste caso, também não é tolerável impor o silêncio ou o veto à discussão de uma temática que atravessa todas as sociedades civilizadas, de oriente a ocidente.” Desta última frase, eu deduziria que o Dr. Rui Rio defende que todos têm o direito de se pronunciar sobre o tema e que seria favorável a uma discussão alargada, pelo que achei incompreensível a afirmação de que os projetos de lei “não são muito difíceis de perceber” pelos portugueses, e que nem é preciso “ter muitos estudos”. O Dr. Rui Rio disse ainda à comunicação social que “também há pressões de fora para dentro”, por parte de quem quer “condicionar a Assembleia da República”. Parece-me que a livre expressão de vontade de cidadãos a respeito de um assunto sobre o qual nunca foram sequer consultados dificilmente pode ser considerada uma forma de condicionamento do parlamento. Pelo menos na minha conceção de democracia.
O Dr. Rui Rio é o atual líder do PSD e decidiu dar liberdade de voto ao grupo parlamentar. Expressou a sua posição pessoal. Precisamente porque é líder do PSD e porque deu liberdade de voto devia ter-se ficado por aí.
Uma nota final para elogiar o Prof. Cavaco Silva por ter vindo a terreiro apresentar a sua posição e lembrar que todos os cidadãos têm voz e poder através do voto.
III -EUTANÁSIA               Viva a vida
PEDRO NUNO PIMENTA BRAZ           29/5/18
Cada um faz da sua vida o que entender, embora dentro das regras da convivência coletiva. Mas isso na sua esfera íntima, não pedindo a terceiros que, entrando nessa intimidade, terminem com a sua vida.
A polémica acerca da eutanásia tem como pano de fundo a alteração substancial da escala de valores que deveria reger qualquer sociedade humana. Vivemos, no mundo acidental, claramente um final dos tempos, que propiciará a chegada de outros que nos substituirão. Degradação semelhante ao final do império romano do ocidente. Todavia, tal como nesses tempos, outros “bárbaros” chegarão – e felizmente estão a chegar – e a vida continuará. Outros tomarão o testemunho dos valores inquebrantáveis da vida. Sem dramas. Além do mais, a humanidade é muito mais – é cada vez mais – que o denominado ocidente civilizacional.
A eutanásia é a ruptura final no dique humanista que ainda sustentava a barbárie do hedonismo e do relativismo ético, que tudo permite. Confunde-se, propositadamente, liberdade com anarquismo. Tem-se vergonha do sofrimento, dos velhos, dos doentes e não se suporta o que não é politicamente correto. A eutanásia destrói a dignidade da vida humana, a celebração do quotidiano, a busca incessante da saúde corporal e espiritual e inverte a supremacia da vida sobre o negrume da morte. Permite, não apenas antecipar a morte física, mas abre as portas ao desânimo e à morte espiritual. Morrer com dignidade – como defendem os apologistas da eutanásia – só se atinge quando se vive com dignidade. E viver com dignidade tem sido, desde sempre, o motivo para as grandes movimentações humanas de massas, para as grandes revoluções que marcaram a história das civilizações, das enormes convulsões sociais, de guerras, de nascimento e morte de ideologias, etc. Viver com dignidade tem conduzido pois aos grandes sobressaltos da humanidade, que fizeram com que hoje se viva melhor do que no passado. Inverter esta luta, é um caminho de morte, de desistência, de egoísmo e de rendição. É um sinal de “fin d’époque”. É baixar os braços. O alargamento dos cuidados continuados e dos cuidados paliativos a todos tem — e deve — fazer parte do património humano das grandes lutas sociais. Lutar, uma vez mais, por viver com dignidade. Por outro lado e de facto, o Estado não tem nada de se meter na vida das pessoas. Esse é mais um dos motivos pelos quais sou frontalmente contra a eutanásia: cada um faz da sua vida o que bem entender, embora também dentro das regras da convivência coletiva. Mas dentro da sua esfera íntima, não pedindo a terceiros que, entrando nessa intimidade, terminem com a sua vida. Abomino o suicídio, mas não se peça a outros que operacionalizem essas convicções de morte. Estando frontalmente contra actos de auto destruição – as pessoas têm de ter todas, um acompanhamento que as salvaguarde de atitudes terminais -, não posso concordar que todos aqueles que têm ideias absurdas sobre a morte, obriguem outros a fazer aquilo para o qual não têm coragem – e não têm coragem, porque são precisamente acções antinaturais. Se o suicídio é doentio, obrigar o Estado a fazer aquilo que um proto suicida não quer fazer, ainda mais doentio se torna. É meter-se na esfera privada de quem quer morrer. Mais absurdo é obrigar profissionais de saúde – pagos pelos impostos de todos -, que têm como sublime missão a salvaguarda da vida, matarem a pedido, metendo-se, assim, na vida pessoal de cada um. Finalmente, o Estado Português – que foi dos primeiros a abolir a pena de morte –, antes de tudo o mais, tem sim o dever de cuidar de todos os seus cidadãos mais frágeis, garantindo o mínimo de dignidade de vida para todos, não podendo, mesmo que sibilinamente, convidar à morte, ao desânimo, à derrota e à desistência. Vida até ao fim!
 Militante do PS, antigo dirigente distrital (Santarém)

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