É apenas uma entrevista. Com argumentos
humanos e responsáveis, de um médico a quem repugna não só o estatuto de “assassino”
que o querem fazer assumir, por conta da família do doente incurável que lhe
passa essa pasta, lavando daí as suas mãos, como se revoltam, sem dúvida, a sua
consciência humana e a sua dignidade e compromisso profissionais que o obrigam
a quebrar, caso a lei passe, o que é de prever num país de atropelo, como se
comprova constantemente, e o próprio Público assinala, com mais um artigo de João
Miguel Tavares, do mesmo 5 de Maio, o qual transcrevo, a confirmar. “O
silêncio dos indecentes” se chama. É o silêncio em relação aos Sócrates
inescrupulosos, ditado pelos fanáticos da boa educação, de repente desmantelada.
É também o silêncio do rebanho que formamos todos nós, na passividade,
carneirada tranquila que só desperta e sai à rua em prol do seu aumento salarial.
Estranho mundo este nosso, de
portugueses apressados no piparote revolucionário prestigiante da nossa
animalidade progressiva, ou da nossa cobardia ancestral. 29 de maio,
debata-se o projecto então, os pequenos homens e mulheres do nosso caldeirão
nacional de aventureiros progressistas ficarão mais tranquilos.
Quanto aos Sócrates, não passam
de fogo de vista as acusações, ou as autocríticas pela cegueira.
ÇA N´IRA PAS.
ENTREVISTA
Será um fardo para as pessoas de idade se a eutanásia for aprovada
"Não se pode banalizar a morte", sublinha António Maia
Gonçalves, especialista em cuidados intensivos que escreveu um livro para
explicar por que é que por vezes os médicos decidem não reanimar os doentes.
Frontalmente contra a eutanásia, o médico admite que a analgesia e a sedação
podem abreviar o processo de morte, mas nota que a intenção é, nestes casos,
dar conforto.
PÚBLICO, 5 de Maio de 2018
: "Se tenho um doente com 90 anos que tem
uma pneumonia potencialmente curável, não vou deixar de o reanimar por causa da
idade", assegura António Maia Gonçalves, médico que trabalha há muitos
anos em unidades de cuidados intensivos e que quase todos os dias é confrontado
com a morte. No livro Reanimar: Histórias de Bioética em Cuidados
Intensivos (Modo de Ler) explica por
que razão contesta a despenalização da eutanásia.
Numa altura
em que o tema está na ordem do dia, depois de terem sido apresentados três
projectos de lei e com o debate na Assembleia da República
marcado para 29 de Maio, o médico
considera que “é um abuso o Parlamento legislar” sobre esta matéria.
Por
que é decidiu escrever este livro?
Quis explicar por que é que em
determinadas circunstâncias não reanimamos um doente, para que as pessoas
percebam que esta é uma boa prática médica. Houve um familiar de um doente que
uma vez uma vez que me interpelou, achou que eu tinha sido muito violento [por
optar pela não reanimação]. É importante que as pessoas percebam que
respeitamos a vida acima de tudo.
Confessa que
gostava de morrer de morte súbita. Diz até que, quando teve um acidente de
moto, a primeira coisa em que pensou foi: não quero ir parar a uma unidade de
cuidados intensivos.
Numa unidade de cuidados
intensivos, o doente está sujeito a grande invasibilidade. São muitos tubos,
uma máquina a bufar para os pulmões, uma máquina a fazer hemodiálise, portanto,
tudo isto se justifica se houver a possibilidade de reversibilidade clínica, se
não, não se justifica essa invasibilidade toda e o sofrimento provocado ao
doente e à família. Mas obviamente que, na dúvida, deve-se tratar sempre o
doente.Tenho
doentes que me dizem: tenho tanta idade, a minha família está a gastar tanto
dinheiro comigo. Não posso criar essa dúvida nas pessoas.
Mesmo
que o doente tenha um testamento vital em que refere expressamente que não quer
ser sujeito a determinados tratamentos?
Houve uma grande pressa legislativa, o testamento vital foi aprovado por
unanimidade pelo Parlamento em 2012, regulamentado em 2014, e, mesmo depois de
uma grande campanha em 2016, hoje temos 18 mil testamentos vitais, é um número
irrisório.No Reino Unido, onde no ano passado foi negada no Parlamento a aprovação da lei para o suicídio assistido, há um testamento vital que faz sentido, um programa (o Respect). Quando doente está com doença crónica, com insuficiência cardíaca, respiratória, ou renal, que necessariamente vai evoluir para o término da vida, numa fase em que está completamente capacitado pergunta-se se quer ser sujeito a, por exemplo, traqueostomias. Isso faz todo o sentido. Já o nosso testamento vital parte de uma suposição no meio de milhões de diagnósticos possíveis. Um jovem diz: não quero ser ligado a ventilador nenhum. Mas se esse jovem entrar numa sala de emergência com uma pneumonia acha que vou deixá-lo morrer?
Por que é que só fala da experiência da eutanásia na Holanda? Há outros países que já aprovaram a eutanásia, como o Canadá.
No Canadá foi aprovada em
2015. A rampa de lançamento que os projectos de eutanásia implicam levaram a
que 3% das causas da mortalidade sejam actualmente por eutanásia na Holanda.
Ora, não me vão dizer que estas pessoas todas estavam em grande sofrimento.
Repare, na Holanda há eutanásia infantil. Como é que uma criança presumiu que
queria morrer?
Em Portugal, os
projectos de lei até agora apresentados não permitem eutanásia em crianças e os
doentes têm que passar pelo crivo de vários médicos.
Repare: há 160, 170 países no mundo e apenas meia dúzia têm eutanásia.
Há pilares fundamentais na sociedade, e um deles é o direito à vida.
Quando fazemos abanar os pilares de uma estrutura seguramente que o resultado
final vai ser mau.
De
certa forma acho que é um abuso do Parlamento legislar sobre isto. Além disso,
houve poucos debates e persiste uma grande confusão de termos. Vamos falar sem
baralhações semânticas: eutanásia é activamente matar alguém.
Apesar
de ser contra a eutanásia, não fecha completamente a porta ao suicídio
assistido nem mesmo à eutanásia, desde que não sejam os médicos a abrir esta
porta.
O médico tem que ser uma
pessoa tolerante, uma das grandes qualidades do médico é não julgar ninguém.
Não tendo o direito de impor os meus valores, tenho que respeitar que haja
pessoas que não queiram viver e queiram morrer com o mínimo de segurança.
Porque é preciso muita coragem para uma pessoa se suicidar. Se se entender que
o que aqui está em causa é um direito de cidadania, o Estado poderá garantir os
fármacos apropriados. O suicídio assistido, de alguma forma, é menos mau do que
a eutanásia. A eutanásia implica que um médico mate o doente e isso é
contra qualquer código deontológico de um país que se quer com valores. Não se
pode banalizar a morte.
No livro até
revela o nome dos fármacos. Porquê?
O nome dos fármacos está
disponível em qualquer site. Estas coisas são para ser discutidas, têm
implicações na vida das pessoas, nas famílias e na prática médica. Repare, um
idoso acamado, que está consciente, apesar de muito debilitado, vai sentir que
é um peso para a família. Essas são dúvidas que não podemos criar nos nossos
pais, temos que ter a humanidade de não os fazer sofrer. A nossa luta é para
que se morra melhor, é essa a solução, não é proporcionar a eutanásia.
Acredite que será um fardo para as pessoas de idade se esta lei for aprovada.
Os
defensores da eutanásia consideram que este é um direito de cidadania.
Eu entendo que este não é um direito de cidadania. Mas se se entender no Parlamento que é, que o façam com dignidade. Isto não pode ser feito com leviandade. Não podemos fazer com que direitos ultraminoritários e esta pressa legislativa para os aprovar possam depois prejudicar a prática clínica. Não sei o que ganha o país com esta pressa.
Eu entendo que este não é um direito de cidadania. Mas se se entender no Parlamento que é, que o façam com dignidade. Isto não pode ser feito com leviandade. Não podemos fazer com que direitos ultraminoritários e esta pressa legislativa para os aprovar possam depois prejudicar a prática clínica. Não sei o que ganha o país com esta pressa.
- Preferia
que este assunto fosse referendado?
Acho que a
sociedade não tem maturidade nem informação para isso. E não houve nenhum
partido que tenha sufragado este interesse. Portanto, de certa forma acho que é
um abuso do Parlamento legislar sobre isto. Além disso, houve poucos debates e
persiste uma grande confusão de termos. Vamos falar sem baralhações semânticas:
eutanásia é activamente matar alguém. No suicídio assistido é o próprio que vai
ingerir drogas disponibilizadas por alguém que o apoia.
Afirma que entre
os erros mais comuns da medicina estão hoje a prescrição excessiva de
antibióticos, o sobrediagnóstico e as reanimações cegas e indiscriminadas. Há
muitas reanimações cegas em Portugal?
Primeiro, a Medicina não é uma
ciência exacta e, na dúvida, deve-se reanimar. Logo à partida, temos a
reanimação extra-hospitalar e, por vezes, em contexto hospitalar, como não é
explicitado se é para reanimar ou não… reanima-se.
Mas não existe a
figura da ordem para não reanimar?
É preciso que isto tenha sido
discutido com o doente antes. A este nível, os médicos ainda têm que mudar a
sua prática.
O que fazem
quando não há vaga numa unidade de cuidados intensivos para um doente? Como se
decide qual é o doente que se vai deixar morrer?
Não se deixa morrer. Nem que seja no Algarve, hei-de arranjar uma vaga. Se
tenho um indivíduo com 90 anos que tem uma pneumonia potencialmente curável não
vou deixar de o reanimar por causa da idade. Faz-me muita impressão que se
garanta que pessoas tenham uma grande longevidade e depois, quando há doenças
em idade avançada, o que temos para lhes oferecer é a eutanásia.
Tive
um doente com cancro de pulmão que me disse que não queria quimioterapia nem
radioterapia. Tem todo o direito, e eu estou a cuidá-lo o melhor que sei.
Mas,
com o envelhecimento acelerado, não chegaremos a um ponto em que não haverá
vagas?
Os médicos comprometem-se em
adequar a prática médica à realidade demográfica. A possibilidade de não
reanimar o doente era impensável há 30 anos. E os cuidados paliativos são uma
coisa muito recente. Em Portugal, apenas 30% da população está coberta por
cuidados paliativos. Portanto, temos um longo caminho para andar. Não estamos a
falar de uma figura abstracta, estamos a falar dos nossos pais. Tenho doentes
que me dizem: tenho tanta idade, a minha família está a gastar tanto dinheiro
comigo. Não posso criar essa dúvida nas pessoas.
Refere que um
doente internado numa unidade de cuidados intensivos custa entre dois a três
mil euros por dia.
Por isso é que os recursos têm
que ser adequados, a reanimação justifica-se em situações clínicas que tenham
reversibilidade. Eu não sou apologista de suspender medidas, o que faço é não
acrescentar medidas. Não inicio hemodiálise, por exemplo. Mas os cuidados intensivos
permitem que um doente com 80 e tal anos seja operado a uma válvula cardíaca,
que um doente que teve um tumor e tem um estado geral debilitado seja tratado
porque não vai morrer no pós-operatório. São um serviço ao serviço de outros
serviços.
É habitual
enviarem doentes para cuidados paliativos?
Há doentes a quem demos alta e
que vão para a enfermaria e depois aí são encaminhados para os cuidados
paliativos. Por exemplo, há uma equipa no IPO do Porto que presta cuidados
domiciliários. Está na altura de generalizar este tipo de cuidados.
Diz
que a analgesia e a sedação podem abreviar o processo de morte. Em relação a
isto não tem reservas?
Nenhumas. Se uma pessoa tem
uma doença terminal e está a gritar e a gemer com dores vou tirar-lhe as dores,
vou dar-lhe sedação e analgesia adequadas para que esteja confortável. Agora, o
doente vai ter o reflexo de tosse diminuído, vai acumular secreções, o seu
estado de consciência vai afundar, obviamente o processo de morte vai ser
abreviado. Mas estamos a falar de intenção. A minha intenção é cuidar e dar
conforto.
Para quem
defende a eutanásia não há grande diferença entre uma coisa é outra.
Há pessoas que acham que a intenção com que se fazem as coisas não tem
importância. Eu não penso assim.
Alguma vez algum
doente lhe pediu para lhe acelerar a morte?
Não, já houve doentes que não quiseram prosseguir com tratamentos, agora dizer
‘mate-me’ não. Mas também já tive doentes que não quiserem ser operados. Tive
um doente com cancro de pulmão que me disse que não queria quimioterapia nem
radioterapia. Tem todo o direito, e eu estou a cuidá-lo o melhor que sei.
A justiça britânica decidiu há
dias desligar as máquinas no caso de Alfie Evans. Concorda com esta decisão?
Os princípios bioéticos que
norteiam a prática médica são quatro e um deles é a justiça. E a justiça
implica uma repartição objectiva dos recursos, mas há também o respeito pela
vontade da família. No meu entendimento, desrespeitar a vontade dos pais é
muito mau. A dimensão da morte não é só de quem parte, é de quem fica também.
Eu não o faria.
OPINIÃO
O silêncio dos indecentes
A era dos cegos chegou ao
fim. Sejam bem-vindos à era dos sonsos e dos enganados. Quem lutou pelo fim da
primeira não pode simplesmente engolir a segunda.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 5 de Maio de 2018
Estive dez anos a aguardar
por este momento, e como sempre acontece quando esperamos demasiado, não foi
tão bom quanto imaginei. Mil duzentos e cinquenta e nove dias depois de José
Sócrates ter sido detido no aeroporto de Lisboa (21 de Novembro de 2014); nove
anos, seis meses e um dia após milhões de portugueses terem ouvido no Jornal
Nacional da TVI Charles Smith afirmar que Sócrates era corrupto (27 de Março de
2009); o Partido Socialista descobriu finalmente, e em peso, que José Sócrates
envergonhou o PS e desonrou a democracia.
A era dos cegos chegou
ao fim. Sejam bem-vindos à era dos sonsos e dos enganados. Quem lutou pelo fim
da primeira não pode simplesmente engolir a segunda. Tomemos como
exemplo Augusto Santos Silva, que à SIC declarou: “Se se verificar
que algum dos meus colegas de Governo, seja ele quem for, cometeu crimes no
exercício [das suas funções], sentir-me-ei evidentemente enganado.” A
sério? Isso daria um bom título para um livro – Os Enganados –, mas apenas se fosse ficção. Não
é aceitável que Augusto Santos Silva assuma o papel de mero enganado por José
Sócrates, quando ele sempre desempenhou com evidente entusiasmo e zelo o
papel de guarda-costas mediático do então primeiro-ministro. A 3 de
Fevereiro de 2009 (3378 dias atrás), publiquei no DN um artigo intitulado “A cabala explicada às
criancinhas”, onde dizia isto: “Augusto Santos Silva e Pedro Silva Pereira
não são o Bobby e o Tareco de José Sócrates. São dois ministros do Estado
português. Convinha que se comportassem como tal.” Infelizmente, escolheram ser
o Bobby e o Tareco.
O sucesso de Sócrates
também dependeu, e muito, do trabalho dessas sinistras figuras, uma das
quais é hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, e a outra, deputado do PS no
Parlamento Europeu, com um programa de televisão semanal onde nunca arranjou
oportunidade para explicar se é verdade, ou não, que Carlos Santos Silva também
pagou casa ao seu filho em Paris e deu emprego à sua mulher. Colocar na lista
dos meros “enganados” personagens deste calibre, que cresceram ao lado de
Sócrates, adoptaram os seus métodos e assumiram alegremente durante anos a fio
os papéis de capangas do socratismo, não é apenas fazer deles idiotas úteis – é
fazer de idiotas cada um de nós.
Ferreira Fernandes
– que, justiça lhe seja feita, nos últimos quinze dias abandonou o silêncio
respeitoso e passou a falar de corrupção de forma desembaraçada – alinhavou
numa das suas crónicas um argumento que é importante ser desmontado. Segundo o
seu raciocínio, enquanto as acusações a Sócrates foram “anónimas ou
endrominadas por fontes obscuras”, ele não se “permitiu suspeitar” do então
primeiro-ministro, e muito menos “publicitar palpites”. A sua “desconfiança
política” só foi publicamente verbalizada quando o próprio Sócrates assumiu
“factos graves”, que exigiam “explicações políticas claras”. Ou muito me
engano, ou esta tese vai ser repetida por muitos outros. A saber: hoje há
boas razões para duvidar de Sócrates; em 2009 eram só palpites.
Pessoas como eu – ou
como José Manuel Fernandes, Pedro Lomba, Henrique Raposo e alguns outros –
seriam, assim, uma espécie de apostadores, que num golpe de sorte fizeram
bingo. Não, meus senhores. Não compro. Esta tremenda mentira não passará. Não
foi preciso ser esperto, sortudo ou vidente para perceber quem José Sócrates
era. Bastou ter olhos abertos e sensibilidade moral. Nunca houve um silêncio
dos inocentes. Houve, apenas e só, o silêncio dos indecentes.
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