segunda-feira, 7 de maio de 2018

Questão de pedinchice



É apenas uma entrevista. Com argumentos humanos e responsáveis, de um médico a quem repugna não só o estatuto de “assassino” que o querem fazer assumir, por conta da família do doente incurável que lhe passa essa pasta, lavando daí as suas mãos, como se revoltam, sem dúvida, a sua consciência humana e a sua dignidade e compromisso profissionais que o obrigam a quebrar, caso a lei passe, o que é de prever num país de atropelo, como se comprova constantemente, e o próprio Público assinala, com mais um artigo de João Miguel Tavares, do mesmo 5 de Maio, o qual transcrevo, a confirmar. “O silêncio dos indecentes” se chama. É o silêncio em relação aos Sócrates inescrupulosos, ditado pelos fanáticos da boa educação, de repente desmantelada. É também o silêncio do rebanho que formamos todos nós, na passividade, carneirada tranquila que só desperta e sai à rua em prol do seu aumento salarial.
Estranho mundo este nosso, de portugueses apressados no piparote revolucionário prestigiante da nossa animalidade progressiva, ou da nossa cobardia ancestral. 29 de maio, debata-se o projecto então, os pequenos homens e mulheres do nosso caldeirão nacional de aventureiros progressistas ficarão mais tranquilos.
Quanto aos Sócrates, não passam de fogo de vista as acusações, ou as autocríticas pela cegueira.
ÇA N´IRA PAS.


ENTREVISTA
Será um fardo para as pessoas de idade se a eutanásia for aprovada
"Não se pode banalizar a morte", sublinha António Maia Gonçalves, especialista em cuidados intensivos que escreveu um livro para explicar por que é que por vezes os médicos decidem não reanimar os doentes. Frontalmente contra a eutanásia, o médico admite que a analgesia e a sedação podem abreviar o processo de morte, mas nota que a intenção é, nestes casos, dar conforto.
PÚBLICO, 5 de Maio de 2018
ADRIANO MIRANDA: "Se tenho um doente com 90 anos que tem uma pneumonia potencialmente curável, não vou deixar de o reanimar por causa da idade", assegura António Maia Gonçalves, médico que trabalha há muitos anos em unidades de cuidados intensivos e que quase todos os dias é confrontado com a morte. No livro Reanimar: Histórias de Bioética em Cuidados Intensivos (Modo de Ler) explica por que razão contesta a despenalização da eutanásia.
Numa altura em que o tema está na ordem do dia, depois de terem sido apresentados três projectos de lei e com o debate na Assembleia da República marcado para 29 de Maio,  o médico considera que “é um abuso o Parlamento legislar” sobre esta matéria.

Por que é decidiu escrever este livro?
Quis explicar por que é que em determinadas circunstâncias não reanimamos um doente, para que as pessoas percebam que esta é uma boa prática médica. Houve um familiar de um doente que uma vez uma vez que me interpelou, achou que eu tinha sido muito violento [por optar pela não reanimação]. É importante que as pessoas percebam que respeitamos a vida acima de tudo.
Confessa que gostava de morrer de morte súbita. Diz até que, quando teve um acidente de moto, a primeira coisa em que pensou foi: não quero ir parar a uma unidade de cuidados intensivos.
Numa unidade de cuidados intensivos, o doente está sujeito a grande invasibilidade. São muitos tubos, uma máquina a bufar para os pulmões, uma máquina a fazer hemodiálise, portanto, tudo isto se justifica se houver a possibilidade de reversibilidade clínica, se não, não se justifica essa invasibilidade toda e o sofrimento provocado ao doente e à família. Mas obviamente que, na dúvida, deve-se tratar sempre o doente.Tenho doentes que me dizem: tenho tanta idade, a minha família está a gastar tanto dinheiro comigo. Não posso criar essa dúvida nas pessoas.
Mesmo que o doente tenha um testamento vital em que refere expressamente que não quer ser sujeito a determinados tratamentos?
Houve uma grande pressa legislativa, o testamento vital foi aprovado por unanimidade pelo Parlamento em 2012, regulamentado em 2014, e, mesmo depois de uma grande campanha em 2016, hoje temos 18 mil testamentos vitais, é um número irrisório.
No Reino Unido, onde no ano passado foi negada no Parlamento a aprovação da lei para o suicídio assistido, há um testamento vital que faz sentido, um programa (o Respect). Quando doente está com doença crónica, com  insuficiência cardíaca, respiratória, ou renal, que necessariamente vai evoluir para o término da vida, numa fase em que está completamente capacitado pergunta-se se quer ser sujeito a, por exemplo, traqueostomias. Isso faz todo o sentido. Já o nosso testamento vital parte de uma suposição no meio de milhões de diagnósticos possíveis. Um jovem diz: não quero ser ligado a ventilador nenhum. Mas se esse jovem entrar numa sala de emergência com uma pneumonia acha que vou deixá-lo morrer?
Por que é que só fala da experiência da eutanásia na Holanda? Há outros países que já aprovaram a eutanásia, como o Canadá.
No Canadá foi aprovada em 2015. A rampa de lançamento que os projectos de eutanásia implicam levaram a que 3% das causas da mortalidade sejam actualmente por eutanásia na Holanda. Ora, não me vão dizer que estas pessoas todas estavam em grande sofrimento. Repare, na Holanda há eutanásia infantil. Como é que uma criança presumiu que queria morrer?
Em Portugal, os projectos de lei até agora apresentados não permitem eutanásia em crianças e os doentes têm que passar pelo crivo de vários médicos.
Repare: há 160, 170 países no mundo e apenas meia dúzia têm eutanásia. Há pilares fundamentais na sociedade, e um deles é o direito à vida. Quando fazemos abanar os pilares de uma estrutura seguramente que o resultado final vai ser mau.
De certa forma acho que é um abuso do Parlamento legislar sobre isto. Além disso, houve poucos debates e persiste uma grande confusão de termos. Vamos falar sem baralhações semânticas: eutanásia é activamente matar alguém.
Apesar de ser contra a eutanásia, não fecha completamente a porta ao suicídio assistido nem mesmo à eutanásia, desde que não sejam os médicos a abrir esta porta.

O médico tem que ser uma pessoa tolerante, uma das grandes qualidades do médico é não julgar ninguém. Não tendo o direito de impor os meus valores, tenho que respeitar que haja pessoas que não queiram viver e queiram morrer com o mínimo de segurança. Porque é preciso muita coragem para uma pessoa se suicidar. Se se entender que o que aqui está em causa é um direito de cidadania, o Estado poderá garantir os fármacos apropriados. O suicídio assistido, de alguma forma, é menos mau do que a eutanásia. A eutanásia implica que um médico mate o doente e isso é contra qualquer código deontológico de um país que se quer com valores. Não se pode banalizar a morte.
No livro até revela o nome dos fármacos. Porquê?
O nome dos fármacos está disponível em qualquer site. Estas coisas são para ser discutidas, têm implicações na vida das pessoas, nas famílias e na prática médica. Repare, um idoso acamado, que está consciente, apesar de muito debilitado, vai sentir que é um peso para a família. Essas são dúvidas que não podemos criar nos nossos pais, temos que ter a humanidade de não os fazer sofrer. A nossa luta é para que se morra melhor, é essa a solução, não é proporcionar a eutanásia. Acredite que será um fardo para as pessoas de idade se esta lei for aprovada.
Os defensores da eutanásia consideram que este é um direito de cidadania.
Eu entendo que este não é um direito de cidadania. Mas se se entender no Parlamento que é, que o façam com dignidade. Isto não pode ser feito com leviandade. Não podemos fazer com que direitos ultraminoritários e esta pressa legislativa para os aprovar possam depois prejudicar a prática clínica. Não sei o que ganha o país com esta pressa.
- Preferia que este assunto fosse referendado?
Acho que a sociedade não tem maturidade nem informação para isso. E não houve nenhum partido que tenha sufragado este interesse. Portanto, de certa forma acho que é um abuso do Parlamento legislar sobre isto. Além disso, houve poucos debates e persiste uma grande confusão de termos. Vamos falar sem baralhações semânticas: eutanásia é activamente matar alguém. No suicídio assistido é o próprio que vai ingerir drogas disponibilizadas por alguém que o apoia.
Afirma que entre os erros mais comuns da medicina estão hoje a prescrição excessiva de antibióticos, o sobrediagnóstico e as reanimações cegas e indiscriminadas. Há muitas reanimações cegas em Portugal?
Primeiro, a Medicina não é uma ciência exacta e, na dúvida, deve-se reanimar. Logo à partida, temos a reanimação extra-hospitalar e, por vezes, em contexto hospitalar, como não é explicitado se é para reanimar ou não… reanima-se.
Mas não existe a figura da ordem para não reanimar?
É preciso que isto tenha sido discutido com o doente antes. A este nível, os médicos ainda têm que mudar a sua prática.
O que fazem quando não há vaga numa unidade de cuidados intensivos para um doente? Como se decide qual é o doente que se vai deixar morrer?
Não se deixa morrer. Nem que seja no Algarve, hei-de arranjar uma vaga. Se tenho um indivíduo com 90 anos que tem uma pneumonia potencialmente curável não vou deixar de o reanimar por causa da idade. Faz-me muita impressão que se garanta que pessoas tenham uma grande longevidade e depois, quando há doenças em idade avançada, o que temos para lhes oferecer é a eutanásia.
Tive um doente com cancro de pulmão que me disse que não queria quimioterapia nem radioterapia. Tem todo o direito, e eu estou a cuidá-lo o melhor que sei.
Mas, com o envelhecimento acelerado, não chegaremos a um ponto em que não haverá vagas?

Os médicos comprometem-se em adequar a prática médica à realidade demográfica. A possibilidade de não reanimar o doente era impensável há 30 anos. E os cuidados paliativos são uma coisa muito recente. Em Portugal, apenas 30% da população está coberta por cuidados paliativos. Portanto, temos um longo caminho para andar. Não estamos a falar de uma figura abstracta, estamos a falar dos nossos pais. Tenho doentes que me dizem: tenho tanta idade, a minha família está a gastar tanto dinheiro comigo. Não posso criar essa dúvida nas pessoas.
Refere que um doente internado numa unidade de cuidados intensivos custa entre dois a três mil euros por dia.
Por isso é que os recursos têm que ser adequados, a reanimação justifica-se em situações clínicas que tenham reversibilidade. Eu não sou apologista de suspender medidas, o que faço é não acrescentar medidas. Não inicio hemodiálise, por exemplo. Mas os cuidados intensivos permitem que um doente com 80 e tal anos seja operado a uma válvula cardíaca, que um doente que teve um tumor e tem um estado geral debilitado seja tratado porque não vai morrer no pós-operatório. São um serviço ao serviço de outros serviços.
É habitual enviarem doentes para cuidados paliativos?
Há doentes a quem demos alta e que vão para a enfermaria e depois aí são encaminhados para os cuidados paliativos. Por exemplo, há uma equipa no IPO do Porto que presta cuidados domiciliários. Está na altura de generalizar este tipo de cuidados.
Diz que a analgesia e a sedação podem abreviar o processo de morte. Em relação a isto não tem reservas?
Nenhumas. Se uma pessoa tem uma doença terminal e está a gritar e a gemer com dores vou tirar-lhe as dores, vou dar-lhe sedação e analgesia adequadas para que esteja confortável. Agora, o doente vai ter o reflexo de tosse diminuído, vai acumular secreções, o seu estado de consciência vai afundar, obviamente o processo de morte vai ser abreviado. Mas estamos a falar de intenção. A minha intenção é cuidar e dar conforto.
Para quem defende a eutanásia não há grande diferença entre uma coisa é outra.  
Há pessoas que acham que a intenção com que se fazem as coisas não tem importância. Eu não penso assim.
Alguma vez algum doente lhe pediu para lhe acelerar a morte?
Não, já houve doentes que não quiseram prosseguir com tratamentos, agora dizer ‘mate-me’ não. Mas também já tive doentes que não quiserem ser operados. Tive um doente com cancro de pulmão que me disse que não queria quimioterapia nem radioterapia. Tem todo o direito, e eu estou a cuidá-lo o melhor que sei.
A justiça britânica decidiu há dias desligar as máquinas no caso de Alfie Evans. Concorda com esta decisão?
Os princípios bioéticos que norteiam a prática médica são quatro e um deles é a justiça. E a justiça implica uma repartição objectiva dos recursos, mas há também o respeito pela vontade da família. No meu entendimento, desrespeitar a vontade dos pais é muito mau. A dimensão da morte não é só de quem parte, é de quem fica também. Eu não o faria.

OPINIÃO
O silêncio dos indecentes
A era dos cegos chegou ao fim. Sejam bem-vindos à era dos sonsos e dos enganados. Quem lutou pelo fim da primeira não pode simplesmente engolir a segunda.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 5 de Maio de 2018
Estive dez anos a aguardar por este momento, e como sempre acontece quando esperamos demasiado, não foi tão bom quanto imaginei. Mil duzentos e cinquenta e nove dias depois de José Sócrates ter sido detido no aeroporto de Lisboa (21 de Novembro de 2014); nove anos, seis meses e um dia após milhões de portugueses terem ouvido no Jornal Nacional da TVI Charles Smith afirmar que Sócrates era corrupto (27 de Março de 2009); o Partido Socialista descobriu finalmente, e em peso, que José Sócrates envergonhou o PS e desonrou a democracia.
A era dos cegos chegou ao fim. Sejam bem-vindos à era dos sonsos e dos enganados. Quem lutou pelo fim da primeira não pode simplesmente engolir a segunda. Tomemos como exemplo Augusto Santos Silva, que à SIC declarou: “Se se verificar que algum dos meus colegas de Governo, seja ele quem for, cometeu crimes no exercício [das suas funções], sentir-me-ei evidentemente enganado.” A sério? Isso daria um bom título para um livro – Os Enganados –, mas apenas se fosse ficção. Não é aceitável que Augusto Santos Silva assuma o papel de mero enganado por José Sócrates, quando ele sempre desempenhou com evidente entusiasmo e zelo o papel de guarda-costas mediático do então primeiro-ministro. A 3 de Fevereiro de 2009 (3378 dias atrás), publiquei no DN um artigo intitulado “A cabala explicada às criancinhas”, onde dizia isto: “Augusto Santos Silva e Pedro Silva Pereira não são o Bobby e o Tareco de José Sócrates. São dois ministros do Estado português. Convinha que se comportassem como tal.” Infelizmente, escolheram ser o Bobby e o Tareco.
O sucesso de Sócrates também dependeu, e muito, do trabalho dessas sinistras figuras, uma das quais é hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, e a outra, deputado do PS no Parlamento Europeu, com um programa de televisão semanal onde nunca arranjou oportunidade para explicar se é verdade, ou não, que Carlos Santos Silva também pagou casa ao seu filho em Paris e deu emprego à sua mulher. Colocar na lista dos meros “enganados” personagens deste calibre, que cresceram ao lado de Sócrates, adoptaram os seus métodos e assumiram alegremente durante anos a fio os papéis de capangas do socratismo, não é apenas fazer deles idiotas úteis – é fazer de idiotas cada um de nós.
Ferreira Fernandes – que, justiça lhe seja feita, nos últimos quinze dias abandonou o silêncio respeitoso e passou a falar de corrupção de forma desembaraçada – alinhavou numa das suas crónicas um argumento que é importante ser desmontado. Segundo o seu raciocínio, enquanto as acusações a Sócrates foram “anónimas ou endrominadas por fontes obscuras”, ele não se “permitiu suspeitar” do então primeiro-ministro, e muito menos “publicitar palpites”. A sua “desconfiança política” só foi publicamente verbalizada quando o próprio Sócrates assumiu “factos graves”, que exigiam “explicações políticas claras”. Ou muito me engano, ou esta tese vai ser repetida por muitos outros. A saber: hoje há boas razões para duvidar de Sócrates; em 2009 eram só palpites.  
Pessoas como eu – ou como José Manuel Fernandes, Pedro Lomba, Henrique Raposo e alguns outros – seriam, assim, uma espécie de apostadores, que num golpe de sorte fizeram bingo. Não, meus senhores. Não compro. Esta tremenda mentira não passará. Não foi preciso ser esperto, sortudo ou vidente para perceber quem José Sócrates era. Bastou ter olhos abertos e sensibilidade moral. Nunca houve um silêncio dos inocentes. Houve, apenas e só, o silêncio dos indecentes.

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